Insegurança alimentar cresce no país e aumenta vulnerabilidade à Covid-19

Programa de rádio Saúde com Ciência traça retrato da fome no país e suas consequências para a saúde de adultos e crianças .


20 de abril de 2021 - , , , , ,


Mais da metade dos domicílios no país, 59,4%, se encontram em situação de insegurança alimentar durante a pandemia, segundo levantamento feito por pesquisadores do grupo “Alimento para Justiça” da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB)*. A falta de alimentos em quantidade ou qualidade necessária traz impactos para a saúde, como enfraquecimento do corpo, prejuízos no desenvolvimento físico e mental e aumento da probabilidade de doenças, o que torna a camada mais pobre da população ainda mais vulnerável à Covid-19. 

A segurança alimentar é um direito humano contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No Brasil, desde 2010, este direito está assegurado entre os direitos sociais e previsto no Artigo 6º da Constituição Federal. No entanto, a realidade atual no país está longe do cumprimento dessas garantias.

Para se ter uma ideia, na pesquisa realizada por pesquisadores do grupo “Alimento para Justiça”, entre novembro e dezembro de 2020, 31,7% dos entrevistados relataram estado de insegurança alimentar leve; 12,7% moderada e 15% insegurança alimentar grave.

O que é insegurança alimentar?

O Saúde com Ciência convidou a professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina UFMG e pesquisadora do Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH), Elaine Machado, para debater o cenário de fome no país. Na entrevista concedida em 9 de abril, a professora explica que insegurança alimentar leve é caracterizada quando já se tem uma preocupação com a falta de alimentos no futuro e mudança na qualidade dos alimentos.

“A insegurança alimentar não é só a falta, mas também a substituição de alimentos riscos em nutrientes e vitaminas, por alimentos mais baratos, que, muitas vezes, são aqueles ricos em farinhas e açúcares, na tentativa de compensar o preço dos alimentos”.

Já na insegurança moderada começa a faltar refeições no dia para os adultos, que começam a pensar em estratégias de substituição até chegar na insegurança alimentar grave. Nesse nível, há restrição alimentar importante, com a família podendo ficar sem uma das refeições, o que afeta todos os membros, tanto adultos quanto crianças.

Impactos da insegurança alimentar na saúde

Todos esses níveis de insegurança alimentar podem causar impactos na saúde, como a perda de energia, que afeta a parte cognitiva e física e que pode levar à perda de memória, a quadros de anemia e até à morte. Essas consequências da fome agravam ainda mais a vulnerabilidade à Covid-19.

“A anemia afeta diretamente o nosso sistema imunológico. E com o sistema imunológico em baixa, temos maior possibilidade de infecção por outras doenças, principalmente as provocadas por vírus e bactérias, incluindo aí a SARS-CoV-2”, alerta a professora.

Pandemia agrava cenário de fome

A pandemia encontrou um caldeirão prestes a entornar, que já vinha sendo formado anos antes, com agravamento de crise política, econômica e de políticas sociais no país. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, mostram que em 2004 a segurança alimentar era de 65%, subiu para 70% em 2009, 77% em 2013, e teve queda representativa em 2017-2018, com 63% da população com segurança alimentar, voltando a patamares inferiores ao observado em 2004.

“Podemos voltar a ver cenas muito tristes, que não víamos desde 2000, com pessoas magras, ossos começando a aparecer, queda de cabelo… isso afeta diretamente a saúde, ainda mais em relação à Covid”, lamenta Elaine.

A professora Elaine Machado comenta que os indicadores de insegurança alimentar refletem a história do país, que passou por uma crise política nos anos de 2014-2015, com impactos no emprego. A situação piorou nos anos de 2016-2017, com cortes importantes em políticas de saúde e no Bolsa Família, por exemplo.

“E em 2017-2018, vimos o sucateamento das nossas estruturas sociais e a extinção do Consea, que é o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, órgão representativo junto à presidência, responsável por interferências nos programas que garantem a segurança alimentar”, destaca.

Auxilio emergencial

Em tempos de guerra como o que vivemos atualmente, é preciso agir com rapidez para contornar os problemas, segundo a professora e pesquisadora do OSUBH. Ela avalia que houve atrasos na implementação de políticas de complementação de renda, como o auxílio emergencial, mas que, mesmo assim, essa política evitou um cenário ainda pior.

“A insegurança alimentar aumentou principalmente nos últimos três meses de 2020, que foram os meses em que as famílias ficaram sem receber auxílio emergencial. O auxílio de 600 reais foi superior a renda da população que vive em extrema pobreza e importante para tirar 80% dessa população da situação de extrema pobreza”, constata a especialista.

Ela pondera, porém, que políticas como essa precisam se tornar permanentes.

“As políticas sociais de complementação de renda precisam ser políticas permanentes, políticas de estado e não de um governo ou partido. Precisamos ter consciência de que o Bolsa Família foi e é muito importante, tanto que reduziu a mortalidade infantil”, avalia.

Como ajudar?

Para ajudar nesse momento de crise e amenizar as falhas geradas pelo estado, movimentos sociais e organizações não governamentais começaram a agir. Na UFMG, toda a universidade tem se movimentado para construir o bem-estar na quarentena.  

Conheça as iniciativas de solidariedade desenvolvidas pela UFMG.

Veículos de imprensa e entidades também listaram iniciativas e projetos, por todo Brasil, que ajudam comunidades, favelas e minorias étnicas.

Saiba mais no Saúde com Ciência

Na série “Fome no Brasil: relação com a saúde e seus impactos”, é possível conferir a entrevista com a professora Elaine Machado, que traça o real retrato da fome no país e suas consequências para crianças e adultos. Saiba também qual é a relação entre economia e saúde e o que poderia ser feito para amenizar o problema da insegurança alimentar no Brasil.

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.


* Esse estudo foi realizado por Eryka Galindo, Marco Antonio Teixeira, Melissa de Araújo, Renata Motta, Milene Pessoa, Larissa Mendes e Lúcio Rennó. Leia também: Estudo realizado em parceria com pesquisadores da UFMG revela grave insegurança alimentar no Brasil na pandemia