Nescon 35 anos: conheça a história do Núcleo que ajuda a consolidar o SUS

O professor Francisco Eduardo de Campos conta, em entrevista, os grandes feitos e as dificuldades do Núcleo


30 de novembro de 2018


*Raíssa César

Professor Francisco Eduardo de Campos, diretor do Nescon. Foto: Carol Morena.

O Núcleo de Educação em Saúde Coletiva (Nescon) completa 35 anos de história com contribuições importantes para a saúde pública no país. Para se ter uma ideia, o Núcleo teve um papel crucial na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) e hoje é responsável por capacitar profissionais da saúde, desenvolver pesquisas de caráter multidisciplinar e interinstitucional, contribuir em políticas públicas de saúde, entre outras atividades.

Se o Núcleo nasceu de reivindicações para mudanças no eixo das pesquisas, antes centradas no Rio de Janeiro e São Paulo, atualmente ele é o segundo provedor de títulos de especialização em saúde da família no país, atrás apenas da Universidade Federal de São Paulo. O diretor do Nescon, professor Francisco Eduardo de Campos, acompanha o Núcleo desde sua criação. Em entrevista, ele conta sobre o papel do Nescon na implementação do SUS, além dos grandes feitos e dificuldades do órgão. Confira a seguir:

De que forma o Nescon contribuiu para a implementação do Sistema Único de Saúde?

Francisco Eduardo de Campos: Antes da implementação do SUS, trabalhava-se com a perspectiva de um sistema segmentado, formado pela previdência social, para quem fosse formalmente vinculado ao mercado de trabalho; por um sistema privado, para quem podia contratar seus próprios serviços de saúde; e um sistema de saúde pública, que cuidava das endemias, como tuberculose e malária. No entanto, já se tinha uma perspectiva de um sistema universal, que atendesse todo mundo.

Nesse momento, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) decidiu que precisava do apoio das universidades, do conhecimento e da inteligência delas, para poder alavancar o processo de implementação. Então, o Instituto elegeu cerca de seis universidades que já tinham experiência nessa área e já integravam serviços de saúde, para ajudarem. Nesse momento, acontece uma grande alavancagem do Nescon, que é revitalizado com recursos provenientes do Inamps, com a proposta de criar cursos para capacitar a força de trabalho que estava no sistema de saúde naquele momento.

“o próprio SUS, para se implantar, precisava da inteligência das universidades, que receberam o apoio financeiro para seguir com suas atividades”

Além dos cursos, o Núcleo criou pesquisas mais operacionais, vinculadas à própria questão de viabilização dos serviços de saúde. É como se fosse um ciclo virtuoso: o próprio SUS, para se implantar, precisava da inteligência das universidades, que receberam o apoio financeiro para seguir com suas atividades. Hoje, basicamente, a plataforma educativa do Nescon trabalha com educação à distância, que é uma plataforma bastante inovadora.

Qual é a importância do Núcleo para a Faculdade de Medicina e para a sociedade?

Francisco Eduardo de Campos: As faculdades de Medicina estão mais acostumadas a lidar, e fazem com muita qualidade, com a medicina especializada. No entanto, a atenção básica é a única forma de se resolver os problemas de saúde, pois é na porta de entrada que se resolve 80% das questões que são levadas ao SUS.

A experiência da Faculdade de Medicina da UFMG com a atenção básica não era tão grande assim na época. O fato de o Nescon oferecer cursos de especialização faz com que vários setores da Faculdade tivessem que pensar sob o ponto de vista da atenção geral, básica. Em relação à sociedade, o Nescon contribuiu com a construção de um projeto mais avançado socialmente no país, que é o SUS. O Nescon se resume a ajudar na construção do Sistema Único de Saúde, um marco civilizatório que não deixa ninguém à míngua.

O SUS, hoje, é responsável pela saúde de 100% dos brasileiros, porque promove vigilância ambiental, sanitária, vacinação e medicamentos de alta complexidade, mesmo para as pessoas mais ricas. Um exemplo: o Brasil foi o primeiro país do mundo, de desenvolvimento médio, a fazer com que a terapia antirretroviral fosse disponível de forma inteiramente gratuita à população. Outro exemplo: o Brasil é o primeiro país do mundo em transplante de órgãos financiados com recursos públicos.

Quais trabalhos do Nescon o senhor destaca?

Clique na imagem para expandir. Arte: CCS.

Francisco Eduardo de Campos: Existem portarias do Ministério da Saúde que são baseadas em trabalhos e pesquisas do Nescon, como os valores de transplantes. Há, também, um estudo muito interessante de georeferenciamento de unidades de serviços de saúde, que ajuda, por exemplo, a não colocar uma tomografia computadorizada, que é uma coisa caríssima, num lugar em que ela é subutilizada.

Um segundo trabalho que eu citaria se chama Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). O Ministério da Saúde paga a atenção básica no Brasil de acordo com a produtividade: se tem bons equipamentos, se não tem fila, se atende bem as pessoas, se tem médicos, enfermeiros, se são capacitados, entre outros. Quem faz a pesquisa desse programa em Minas Gerais, São Paulo, Rondônia e Acre, e define o quanto será destinado de recurso para as equipes de saúde da família, é o Nescon.

Há três anos, quando se lançou o Programa Mais Médicos, que levou assistência a milhares de brasileiros antes desassistidos, as decisões foram baseadas em pesquisas que mostraram os locais que tinham ou não médicos. A própria definição dessa política, que é de assistência em localidades remotas, se baseia em investigações feitas pelo Nescon.

Falamos das contribuições do Núcleo e da trajetória de sucesso. E os desafios, quais são?

Francisco Eduardo de Campos: É difícil ter uma estrutura dentro de uma gestão pública. Levantar recursos para isso é uma batalha diária. Depois da crise econômica na qual o Brasil entrou, certamente, piorou muito, uma vez que a disputa por recursos é muito forte. O Nescon é umbilicalmente ligado ao SUS, então pode ser mais difícil ainda caso o sistema seja desidratado a partir de agora. Todos os recursos que entram aqui são recursos do SUS. Durante esses 35 anos, se constituiu uma trajetória, a meu ver, de sucesso. Evidentemente, o SUS tem muitas falhas, e temos tentado ajudar no que é possível, com toda a dificuldade que nós reconhecemos.

*Raíssa César – estagiária de Jornalismo

Edição: Karla Scarmigliat