Estudo mapeia perfil de consumo de drogas em Belo Horizonte
Pesquisa Conhecer e Cuidar caracteriza os hábitos de consumo e experimentação de drogas no município, a partir de diversos indicadores de vulnerabilidade.
26 de setembro de 2016
Com dados coletados entre os anos de 2014 e 2015, a pesquisa Conhecer e Cuidar caracteriza os hábitos de consumo e experimentação de drogas no município, a partir de diversos indicadores de vulnerabilidade
Carol Morena*
A pesquisa “Conhecer e Cuidar”, realizada pelo Centro Regional de Referência em Drogas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRR), em conjunto com a Prefeitura Municipal, mapeou o consumo de drogas no município de Belo Horizonte. O objetivo era compreender com maior profundidade a questão do uso e abuso de drogas e o funcionamento da rede de assistência a esses usuários e seus familiares no município.
Para isso, foram realizados questionários em 7.643 residências, distribuídas pelas noves regionais da cidade. Entre os dados obtidos, identificou-se que 15% da população já experimentou algum tipo de droga ilícita, sendo a maconha a substância mais consumida. O coordenador do CRR e professor do Departamento de Saúde mental, Frederico Garcia, explica que essa prevalência pode ser explicada por um posicionamento midiático. De acordo com ele, a recente difusão do debate sobre a os benefícios do uso terapêutico da maconha tem criado um ideal de segurança para o consumo da droga, que não condiz com a realidade.
“A mídia em torno dos benefícios do uso terapêutico da maconha cresceu, inclusive afirmando que oferece menos riscos do que o consumo de tabaco e álcool, sem que houvesse uma contraposição consistente a esse posicionamento e isso pode ter incidido nesse consumo”, explica. Garcia conta, também, que é possível relacionar estes números à disponibilidade da substância na cidade. Ele explica que tanto a venda, quanto o marketing da droga na capital acontecem de forma difusa, o que facilita o acesso à substância. Outra questão que colabora para esse resultado, segundo ele, é a falta de um debate que pense de forma eficiente medidas preventivas ao consumo.
Já no caso de outras drogas, como o crack, a pesquisa demonstra que é preciso atuar sobre o senso comum. “O crack que todo mundo acha que é uma droga mais consumida pela população de rua, também afeta 1% da população de casa em BH. Então não é uma coisa que está distante da nossa realidade, porque esse é um valor significativo e percebido nos dados da cocaína também”, aponta. Esse valor, de acordo com ele, está relacionado ao poder aquisitivo da população e também ao aumento da oferta e disponibilidade das substâncias na capital. “Ou seja, nós também não estamos conseguindo prevenir que a droga chegue ao potencial experimentador e esse talvez seja o grande desafio”, afirma.
Experimentação cada vez mais precoce
A pesquisa também revela que a experimentação de drogas, lícitas e ilícitas, tem acontecido entre os jovens cada vez mais cedo. O professor relaciona este fato ao poder da mídia. Segundo ele, no caso da maconha, por exemplo, a ampliação do debate sobre possíveis benefícios do seu uso para fins terapêuticos promove uma percepção de segurança do consumo. “Essa percepção é perigosa, pois a maconha é uma droga alucinogênica, que aumenta os riscos de esquizofrenia, entre outras coisas. E o que uma revisão recente mostra é que os níveis de informações relativas aos benefícios são pequenos se comparados ao que se encontra sobre os malefícios desse consumo”, conta.
Garcia enfatiza que, para que este cenário seja modificado, é preciso investir e repensar os recursos de prevenção. “Colocar policial para fazer campanha antidrogas nas escolas públicas, por exemplo, já sabemos que é uma técnica ultrapassada. Para os jovens hoje isso é como colocar o anti-herói para fazer propaganda das substâncias”, afirma. Além disso, Garcia postula que as estratégias utilizadas por quem está por trás do mercado das drogas atualmente, já são conhecidas, pois eram as mesmas utilizadas pela indústria do tabaco ano atrás. Por isso a expectativa é que, com o mapeamento, seja possível identificar também novas formas de ação.
Em comparação aos dados sobre o uso de drogas ilícitas, percebe-se maior número de dependentes entre usuários de álcool e tabaco, conforme gráficos abaixo:
- Clique na imagem para ver o gráfico ampliado. Gráfico: Pesquisa Conhecer e Cuidar
- Clique na imagem para ver o gráfico ampliado. Gráfico: Pesquisa Conhecer e Cuidar
Acesso ao tratamento adequado ainda preocupa
A pesquisa revela também que muitas pessoas que enfrentam problemas de dependência química, não tem acesso a nenhum tipo de tratamento. O professor explica que em muitos casos, os próprios usuários, mesmo apresentando sinais característicos, não se percebem doentes ou levam muito tempo para perceber e procurar ajuda. Parte dessas pessoas também não compreende a existência de uma rede voltada para tratar o problema, ou não tem recursos suficientes para buscar o tratamento.
O encaminhamento destes pacientes para as instituições adequadas ainda é um desafio. “As unidades de atenção básica não querem receber esses pacientes. E as instituições de saúde mental, além de serem poucas, apresentam um atendimento muito subdividido, o que dificulta esse acesso”, afirma Garcia. Ainda, segundo ele, os hospitais terapêuticos e as entidades como os Narcóticos Anônimos são os que oferecem uma assistência mais qualificada atualmente, mas ainda não é suficiente.
O objetivo, segundo Frederico Garcia, é que, a partir do mapeamento, sejam elaboradas políticas públicas que atendam a estas demandas de forma objetiva. “Como foi uma pesquisa feita de forma regionalizada, ela possibilita dizer onde estão as prioridades de instalação de instituições de tratamento e assistência social para essa população. Além de possibilitar a população de se instrumentalizar pra exigir medidas concretas dos governantes”, reflete.
*Redação: Carol Morena – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro