Produção de vacina pode ser melhor chance contra o coronavírus

Especialistas descrevem processo de produção e avaliam o que a imunização pode representar.


22 de junho de 2020 - , , ,


Mais de 130 estudos ao redor do mundo buscam uma vacina para o novo coronavírus, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Estados Unidos e China são os países que mais têm pesquisas: são 42 dos americanos e 19 dos chineses. A produção de uma vacina pode ser a melhor forma de acabar com novos casos de covid-19, doença que ainda não tem cura.

Para o infectologista e professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Mateus Westin, a descoberta de uma vacina não é necessariamente o fim de uma doença. “Nós já tivemos, por exemplo, a erradicação da varíola, a partir do desenvolvimento de vacina. Mas nós tivemos o desenvolvimento de várias outras vacinas, como a de sarampo, caxumba, tétano, coqueluche e rubéola, e nós ainda convivemos com essas doenças”, explica. Mas ele acrescenta que a imunização garante que haja uma diminuição nos casos.

“Quanto maior a cobertura vacinal de uma população, menor vai ser a circulação de determinado vírus, bactéria ou qualquer doença infecciosa que tenham vacina contra”, aponta.

O professor Westin completa explicando que a eficácia de uma vacina nunca é 100%. “É preciso tentar desenvolver uma vacina com a maior eficácia possível e, com boa parte das pessoas vacinadas, a gente interrompe a cadeia de transmissão. Então, a gente pode até erradicar uma doença com uma vacina, mesmo que não tenha eficácia de 100%”, analisa.

Na avaliação do virologista do Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG (CT Vacinas) e professor de microbiologia da UFMG, Flávio da Fonseca, a produção de uma vacina contra a covid-19 parece ser a melhor chance contra o vírus. “Um medicamento não seria suficiente para acabar com o coronavírus, porque não previne a infecção. Para quebrar o ciclo de transmissão, tem que ser uma vacina. O que pode acontecer na ausência de uma vacina, é que a gente esteja exposto a múltiplas ondas desses vírus e, com o tempo, a população desenvolva certa imunidade, mas isso não vai eliminá-lo”, avalia.

Como é desenvolvida

CT Vacinas pesquisa vacina contra o coronavírus. Foto: CT Vacinas/ UFMG

A produção de uma vacina passa por diversas fases. O primeiro passo é determinar os componentes do patógeno que vão integrar a vacina e gerar resposta do sistema imunológico. “É preciso identificar qual antígeno daquele patógeno gera boa resposta imunológica e se essa resposta imunológica é capaz de eliminar o patógeno para qual foi criada”, detalha a o virologista Flávio da Fonseca.

A próxima etapa consiste na escolha da estratégia da vacina: se vai utilizar uma ou mais proteínas ou mesmo o patógeno inativado ou atenuado. A partir daí, começa o trabalho de produção da vacina.

“Hoje, o tempo de produção de uma vacina é relativamente curto. Se antes levava de três a quatro anos, com a tecnologia que temos hoje, leva de seis a oito meses. Ou até mais rápido que isso”, pontua.

Depois do produto pronto, é hora das testagens. A primeira etapa é chamada de pré-clínica, em animais. Antes, essa fase podia durar até três anos. Hoje, é realizada em até um ano, segundo o virologista. Após essa etapa, começam os testes clínicos, em seres humanos.

A fase clínica é dividida em três subfases. A primeira avalia possíveis efeitos colaterais e a dosagem da vacina. A segunda, a eficácia e a capacidade de gerar resposta imunológica. Essas duas etapas são feitas com um número pequeno de pessoas. A terceira e última etapa é um test drive da vacina, que envolve milhares de pessoas e um acompanhamento para saber quando vai ocorrer o contato com o patógeno. “Metade dos voluntários toma a vacina, e a outra metade, um placebo. Essa fase pode durar até cinco anos, porque é preciso imunizar esses pacientes e acompanhá-los. Não dá para saber quando vão se infectar. Podem ser expostos ao patógeno amanhã, semana que vem, ano que vem…”, ressalta Flávio.

Os testes clínicos podem durar até oito anos para serem concluídos. No caso do coronavírus, o virologista explica que tem sido feito um esforço para atingir toda testagem clínica em menos de um ano e meio.

“O recorde de produção de uma vacina é a da ebola, que levou cinco anos. Agora, nós temos que bater esse recorde e produzir uma vacina para a covid-19 em dois anos, um ano e meio”, conclui.

Após a produção, ainda são necessários os processos de regulamentação, produção em massa e distribuição de uma vacina. Depois que uma pessoa é vacinada, ainda leva um tempo para desenvolver os anticorpos. “Cada vacina tem seu tempo, mas costuma ser de 15 a 30 dias. Para que ocorrer de forma maciça, vai depender da capacidade de produção e como os países e mesmo a OMS, regulando internacionalmente, vão conseguir prover a distribuição da vacina para boa parte da população mundial”, analisa o professor Mateus Westin.

Estágio atual

Dez pesquisas estão na fase de testes clínicos. Dessas, cinco estão sendo desenvolvidas pelos chineses. Uma delas está na segunda subfase dos testes em humanos e, caso apresente resultados satisfatórios, a terceira fase vai contar com 9 mil voluntários brasileiros, em parceria anunciada entre o Instituto Butantan, em São Paulo, e a empresa chinesa.

Outro estudo que também vai contar com voluntários brasileiros está sendo desenvolvido pela Universidade de Oxford, no Reino Unido. “Para se ter uma ideia de como os processos estão sendo flexibilizados, as fases dois e três do teste clínico estão sendo realizadas juntas. A promessa é de resultados até o final do ano”, avalia o virologista.

“Ainda que esses resultados sejam positivos, têm as etapas de regulamentação e início de produção em fábrica. Dificilmente a gente teria uma vacina antes de 2021”, finaliza.

Corrida contra o coronavírus

Em todo o mundo, cientistas têm se dedicado a pesquisas em busca de vacinas e medicação contra o novo coronavírus. Nessa semana, o Saúde com Ciência apresenta série sobre os avanços científicos na área, a atuação dos profissionais brasileiros, as controvérsias e a metodologia do fazer científico. Confira a programação da semana:

:: Estamos perto de uma vacina?
:: Medicamentos e cura estão a caminho?
:: Combate e controle estão funcionando?
:: Testes e subnotificação
:: Qual o papel da ciência brasileira?

Sobre o Programa de Rádio

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.