Baixa renda aumenta barreiras de pacientes com doença falciforme

A doença é uma condição que exige consultas periódicas


18 de novembro de 2019 - , , ,


*Laryssa Campos

Segundo dados da Associação de Pessoas com Doença Falciforme de Minas Gerais (Dreminas), dos 7.600 pacientes acompanhados pela instituição, apenas 1.300 moram na capital mineira. A doença exige que essas pessoas se desloquem de suas cidades, de duas a quatro vezes por ano, para fazer o acompanhamento, como é recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O que complica essa situação é o fato de, geralmente, essas pessoas terem baixa renda. A Dreminas revela que 98% das famílias acompanhadas por ela, são assistidas por programas sociais.

Nessa realidade enquadra-se o caso de Eloana Esteves Gomes, professora de educação infantil por formação. Desde os 13 anos de idade, ela viaja por, aproximadamente, doze horas, para ir à Fundação Hemominas em Belo Horizonte (BH). Moradora da região rural de Novo Cruzeiro (MG), ela tem doença falciforme e precisa vir à capital do estado em um intervalo de dois em dois meses para realizar seu acompanhamento. Devido ao problema de saúde e suas consequências, ela conta que, atualmente, vive apenas com um auxílio governamental, o que dificulta os deslocamentos. 

Eloana afirma ter muitos gastos para se tratar e só recebe apoio financeiro para a passagem de ônibus de Novo Cruzeiro para BH, direito conquistado na justiça. “Existe o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) para pessoas que fazem acompanhamento em outro município. Mas, em cidades pequenas, geralmente, são disponibilizados carros para trazer as pessoas”, explica. “No meu caso não dá para eu vir assim, pois minha imunidade está baixa para andar com várias outras pessoas com diversas doenças”, continua.

A realidade de Eloana é ainda mais complicada, pois, devido a doença falciforme teve uma necrose na cabeça do fêmur. Essa situação fez com que precisasse passar por um transplante de células tronco, por isso teve a imunidade suprimida. “Há uns quatro anos fui diagnosticada com a necrose. Como o médico precisava de uma sala especializada tivemos que viajar para Salvador e fazer esse procedimento lá”, confirma. “Eu recebo um auxílio por causa do problema na perna, mas não é o bastante para me manter”, pontua.

O preço da saúde

De acordo com Eloana, a quantia que recebe é insuficiente, pois além de criar duas filhas sozinha, ela tem diversas despesas quando vem a BH. “Eu me hospedo na casa de amigas e durante esses dias custeio a minha alimentação e minhas passagens de ônibus dentro da cidade”, afirma. Além disso, há ainda os gastos comuns da residência, como água e energia, e a compra do medicamento de uso contínuo, a codeína. 

A presidenta da DreMinas, Maria Zenó, afirma que manter todas as contas muitas vezes é difícil por causa da vulnerabilidade social em que essas pessoas se encontram. “Tendo em vista que 95% das pessoas com doença falciforme são negras, percebemos que esse grupo sempre está em desvantagem social”, pontua. “Então, a vulnerabilidade é muito alta porque, além disso, quando as crianças começam a ter muitas internações os pais costumam ir embora e as mães acabam tendo que cuidar sozinhas”, enfatiza.

De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a desigualdade salarial entre brancos e negros tem aumentado. Em 2012, a diferença salarial era de R$ 726,93. Já em 2017, esse valor aumentou para R$ 767,84. 

Eloana acrescenta a dificuldade de inserção no mercado de trabalho tendo a doença, já que é uma condição com diversas complicações de saúde. Acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência renal progressiva e crises de dor intensa são alguns exemplos, segundo o Ministério da Saúde.“As empresas não querem contratar pelo fato de que, às vezes, temos que ausentar muito por causa das crises de dor. Normalmente duram cinco dias, mas tem gente que fica até um mês, então não querem nos chamar”, comenta.

Ações de apoio

Zenó também afirma que a Dreminas atua sobre essas dificuldades apoiando os pacientes. “Os municípios bancam a vinda com a passagem ou a ambulância via rodoviária, mas não dão ajuda de custo para alimentação. É nesse momento que entra a Associação, já que conseguimos, com a ajuda de apoiadores, garantir a alimentação, o lugar para descansar e o banho”, declara. 

Entre esses parceiros está o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), órgão complementar da Faculdade de Medicina da UFMG,que criou, no início dos anos 2000, o Centro de Educação e Apoio Social (Ceaps) para receber pessoas de fora da cidade, como um local para se hospedar.

O responsável pelo Ceaps, Marcos Antunes, explica que o auxílio prestado pelo Nupad é referente às consultas de rotina, com o intuito de garantir o tratamento adequado dos pacientes. “O serviço tenta garantir, primeiro, que a família venha e tenha um local digno para ficar no momento da consulta e pós consulta. Em segundo lugar, para assegurar o acompanhamento clínico e a responsabilidade de manter a consulta o mais atualizada possível”, explica. “Consideramos ele de caráter essencial”, ressalta.

Eloana Gomes enfrenta o racismo institucional e discriminação na sociedade em seu tratamento para doença falciforme. Foto: Carol Morena.

Eloana, que não pode fazer uso desses espaços por causa da imunidade baixa, reconhece a importância do local para outros pacientes.  “As pessoas podem chegar à casa às 6h30, fazer sua consulta e ainda voltar para lá e ficar até o horário de ir embora. É muito melhor do que chegar à cidade e ficar perdida”, declara. 

Além disso, Zenó enfatiza que a Dreminas também tem apoiadores para receber aqueles pacientes com necessidade de passar a noite na cidade. “Temos parcerias que funcionam à noite. Então, quando o paciente precisa ficar, a Casa de Acolhimento Padre Eustáquio (Cape), que atende crianças com câncer, aceita os nossos pacientes até 18 anos. Os adultos podem ficar no Instituto Casa do Caminho”, conta.

A presidenta da Associação destaca que muitos pacientes se tratam em Belo Horizonte, mesmo que haja um hemocentro em Montes Claros, por exemplo, pois o deslocamento para a capital é mais fácil. “O hemocentro de BH não atende só a região metropolitana, mas, praticamente, o estado inteiro. Os pacientes mais graves de Minas se tratam aqui”, esclarece. “Por exemplo, tenho um paciente de Malacacheta no Norte de Minas. Para ele ir para Montes Claros, é necessário ficar dois dias lá por causa da disponibilidade de ônibus. Já para a capital, ele viaja uma noite inteira, faz o procedimento e volta no mesmo dia”, exemplifica. 

Os preconceitos

Apesar de todas essas questões, Eloana destaca que o preconceito e a autoestima baixa estão entre os maiores problemas para as pessoas com doença falciforme. “Se você tem a doença não consegue trabalhar. Então isso te faz se sentir menos. Eu acredito e conheço outros pacientes que sentem a mesma coisa que eu, a discriminação”, relata.

Para ela apenas a empatia com a vivência do outro é capaz de resolver essas dificuldades. “Nós sempre temos os olhos amarelados, então o preconceito já começa daí. Sentimos dores às vezes e os outros acham que ela não é tão forte quanto o que a gente fala” diz.

“O que precisamos é a aceitação do outro por tudo o que passamos”, defende.

*Laryssa Campos  – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro