‘A prevenção é invisível, mas funciona’, afirma Cristina Alvim
Em entrevista, coordenadora do comitê de enfrentamento ao coronavírus discorre sobre as principais frentes de atuação da UFMG
11 de maio de 2020 - coronavírus, Covid-19, UFMG
Desde a confirmação dos primeiros casos de covid-19 no Brasil, no fim de fevereiro, diversas pesquisas científicas em diferentes áreas do conhecimento são desenvolvidas com o objetivo de compreender o comportamento do coronavírus e os impactos diretos e futuros da pandemia na sociedade. As incertezas em relação ao período de duração da transmissão da doença geram insegurança na população. Estudos da UFMG demonstram que, por causa da dinâmica imprevisível do avanço da doença, ainda é cedo para afrouxar as medidas de restrição e mesmo para avaliar com profundidade os seus primeiros resultados.
“A prevenção é invisível e, quando tomamos uma medida preventiva, e ela funciona, chega a parecer que é inútil. O que esses estudos mostram é que, se não tivéssemos tomado essas providências, a nossa realidade poderia ser outra”, afirma, nesta entrevista às redes sociais da UFMG, a professora Cristina Alvim, coordenadora do Comitê Permanente de Acompanhamento das Ações de Prevenção e Enfrentamento ao Novo Coronavírus da UFMG.
Leia trechos da entrevista:
Por que é importante monitorar a doença, e o que esse monitoramento pode trazer como subsídio para as estratégias de enfrentamento da pandemia?
Cristina -A Covid-19 é uma doença nova e que tem algumas características já conhecidas. Uma delas é o fato de ser uma infecção de transmissão muito rápida. Uma parcela significativa das pessoas vai adoecer e precisar ser hospitalizada. Então, para evitar o óbito, é preciso ter um serviço de saúde capaz de receber essas pessoas. Para saber se estamos conseguindo o achatamento da curva, precisamos monitorar os dados. Sem os dados, sem fazer a curva da epidemia no nosso meio, não conseguimos planejar os serviços de saúde e o próprio isolamento social que, com base na evidência científica que temos, é a medida mais importante para a prevenção dessa catástrofe. Então, precisamos saber o que está acontecendo em nosso meio para planejar as ações, de modo a prevenir as mortes por Covid-19.
Qual é a participação da universidade e da pesquisa científica no enfrentamento da doença?
Cristina – A universidade pública no Brasil – e, em especial, a UFMG aqui em Minas Gerais – exerce papéis fundamentais. Para construir essa curva, primeiro a gente precisa ter dados de qualidade. Aí entra o primeiro papel da universidade e da pesquisa: ajudar o estado e o município na realização desses testes.
Na UFMG, há uma grande participação dos nossos laboratórios, que são principalmente de pesquisa, mas que, em parceria com a Fundação Ezequiel Dias (Funed), estão envolvidos no esforço pela realização de testes para confirmação dos casos suspeitos. O exame de confirmação exige uma expertise, exige um laboratório capacitado para fazer isso. E conseguimos pôr essa capacidade da UFMG a serviço do monitoramento da confirmação ou descarte dos casos suspeitos.
O segundo papel é o seguinte: observamos que, mesmo os países que realizam mais testes não conseguem alcançar 100% das pessoas. O que conseguimos é testar uma amostra dessas pessoas e, por meio de estudos matemáticos, computacionais e epidemiológicos, pegamos esses dados parciais e fazemos modelagens que oferecem uma estimativa muito mais confiável do todo do que o dado bruto. Sabemos que os dados oficiais são como a ponta do iceberg. E, para desenhar esse iceberg que está escondido, é preciso uma metodologia científica. Não é por especulação, imaginação, pessimismo ou otimismo. Existe uma metodologia para lidar com isso. E é isso que nossos pesquisadores têm feito.
Sabemos que são muitas pesquisas realizadas com foco na Covid-19, mas, em relação à projeção da doença, quais são as principais abordagens adotadas e por que os resultados se alteram com o tempo?
Cristina – É importante registrar que a universidade é uma instituição viva. E, apesar de estarmos sem aulas presenciais, ela continua com muitas atividades, com muita criatividade e responsabilidade em relação ao que está acontecendo. Diversos grupos estão trabalhando de forma complementar. Os objetivos desses trabalhos são diferentes, os dados utilizados são diferentes, e as metodologias são diferentes. São objetivos complementares, para lidar com o mesmo problema.
Além dessas diferenças metodológicas, o mesmo estudo com o mesmo objetivo é dinâmico. Esses grupos estão trabalhando ao longo da pandemia. Na prática, o que ocorre é que há necessidade de determinado conhecimento, e esse conhecimento está sendo gerado praticamente ao mesmo tempo.
Os estudos são rigorosos do ponto de vista metodológico, mas precisam ser revistos praticamente a cada semana ou a cada duas semanas. Outra questão é a adoção de um isolamento social que modificou o curso da doença. A prevenção é invisível e, quando a gente toma uma medida preventiva, e ela funciona, chega a parecer que ela é inútil. O que esses estudos mostram é que, se não tivéssemos tomado essas providências, a nossa realidade poderia ser outra.
Como a senhora avalia os resultados das medidas de prevenção adotadas no Brasil?
Cristina – Precisamos, primeiro, considerar que o Brasil é um país de dimensão continental. Não é possível fazer afirmativas que sejam válidas de norte a sul. E ainda é muito cedo para sermos otimistas, mesmo em cenários onde os resultados são melhores, como Belo Horizonte. É cedo para comemorar, é cedo para dizer que não vai acontecer conosco o que aconteceu em outros países. Precisamos ficar alertas, atentos e defender o isolamento social. O momento exige muita cautela.
Se hoje a Universidade está preparada para responder a uma pandemia como essa, oferecendo pesquisas e ações de extensão, é porque ela construiu uma base anterior muito forte…
Cristina – Não só no Brasil, mas também em outros países, houve alguns movimentos, liderados por representantes políticos, de certa hostilidade à ciência. A gente vive um momento que prova quão equivocada é essa visão de negação da ciência, quanto a ciência é importante pra buscar solução para esse problema. E, para a ciência sobreviver, é claro, precisa de investimento. A Covid-19 mostra o papel da ciência, mas também o lugar da solidariedade, do bem comum, o papel do Estado. Ou seja, explicita muitas das coisas que, como Universidade, defendemos há um século.
Assista à íntegra da entrevista com a professora Cristina Alvim.
(Amanda Lelis / Centro de Comunicação da UFMG)