Boa mesa com família reunida: estilo de vida saudável influencia saúde mental de adolescentes
Estudo de doutoranda da UFMG revela associação entre hábitos e as chances de redução de transtornos.
20 de maio de 2022 - alimentação, Pesquisa, pós-graduação, Saúde da Criança e do Adolescente, saúde mental, UFMG, Ultraprocessados
Não é novidade que uma alimentação saudável, baseada em ingestão de vegetais, leguminosas, cereais e proteínas é fator de proteção contra doenças crônicas não transmissíveis. Mas uma boa dieta, iniciada com o café da manhã, livre de alimentos ultraprocessados e na companhia dos pais ou responsáveis, pode fazer toda a diferença também para a saúde mental de adolescentes.
É o que conclui pesquisa realizada pela doutoranda Lúcia Gratão, da Faculdade de Medicina, orientada pela professora Larissa Mendes da Escola de Enfermagem, com 73,5 mil adolescentes cadastrados no Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica).
Segundo Lúcia Gratão, práticas alimentares saudáveis como beber água em quantidade adequada, prática regular de atividade física, menos tempo em frente a telas, tempo de sono adequado, consumo de alimentos saudáveis e tomar café da manhã frequentemente compõem o padrão de fatores que caracterizam o que ela define como estilo de vida saudável e que pode estar associado à redução de chances de Transtornos Mentais Comuns (TMC) – ansiedade e depressão – nos adolescentes brasileiros.
Base de dados
Nos anos de 2013 e 2014, cerca de 75 mil adolescentes de 12 a 17 anos responderam à pesquisa Erica em 1.247 escolas públicas e privadas de 124 cidades brasileiras, incluindo todas as capitais e o Distrito Federal. Atualmente, o estudo está na segunda etapa de execução.
Os estudantes responderam a questionário sobre dados sociodemográficos, prática de atividade física, problemas de saúde (pressão alta, diabetes, asma), consumo de álcool, tabagismo, ocupação, alimentação, saúde bucal, saúde reprodutiva, sintomas depressivos e sono. Também preencheram recordatório sobre a alimentação nas 24 horas anteriores e fizeram medição do peso, estatura e perímetro da cintura, além de exames de sangue. Os pais e responsáveis e dirigentes das escolas também responderam a questionários sobre o histórico de saúde dos adolescentes e sobre a estrutura física das instituições, respectivamente. Coordenado pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Erica tem o objetivo de conhecer a proporção de adolescentes com diabetes mellitus e obesidade e traçar o perfil dos fatores de risco para doenças cardiovasculares desses brasileiros.
Recortes
Segundo Lúcia Gratão, “embora esse tipo de estudo transversal não permita inferir as causas para os TMC, é possível verificar se os fatores que compõem um estilo de vida saudável estão ou não associados aos transtornos”.
A pesquisadora considerou os formulários e recordatórios alimentares do Erica, que foram integralmente preenchidos pelos estudantes (73,5 mil), para o cálculo do padrão saudável e não saudável de um estilo de vida e associação com a presença de TMC.
Deste total, 50,21% eram do sexo masculino, 35,10% com idade entre 12 a 13 anos, 57,27% moram com os pais e 68,21% realizam as refeições com a família quase todos os dias ou todos os dias. O café da manhã é a primeira refeição de quase todos os dias ou todos os dias para 48,42% dos entrevistados.
A análise resultou em três artigos — o primeiro acaba de ser publicado na BMC Public Health —, que indicam as seguintes perspectivas: a correlação entre padrão de estilo de vida (prática de atividade física, consumo de água e de alimentos ultraprocessados, hábito de tomar o café da manhã, tempo de tela e média de tempo de sono) e morar com os pais.
Mais de 16% dos adolescentes foram classificados como inativos e 14,19% como insuficientemente ativos (atividade física inferior a 150 minutos por dia). E 58,15% permanecem mais tempo em frente às telas do que o recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (menos de três horas diárias).
No segundo recorte, Lúcia Helena investigou a associação entre padrões de consumo alimentar (alimentos in natura ou minimamente processados e ultraprocessados), realização das refeições com a família e a presença de TMC. Nessa perspectiva, ela também identificou o padrão não saudável, com maior consumo de bebidas açucaradas (refrigerantes, sucos com açúcar, energéticos, etc), guloseimas, salgadinhos de pacote, biscoito recheado e menor consumo de frutas.
Para o padrão de consumo alimentar não saudável, a associação com o TMC não foi significativa. Mas, no caso de adolescentes que fazem refeições com maior quantidade de vegetais, leguminosas, cereais, carnes e ovos, houve associação com a redução de chances de TMC.
O consumo do café da manhã regular e a presença dos pais em pelo menos uma das principais refeições (70,36%) também foram associados à menor chance de TMC entre os entrevistados, porque são momentos que propiciam diálogo e interação, e de acompanhamento dos familiares em relação à alimentação do adolescente.
Por fim, a pesquisadora investigou a associação entre o tipo de escola (pública ou privada), a presença de alimentos ultraprocessados, o consumo de alimentos ultraprocessados e a razão cintura-altura com a presença de TMC na população estudada.
“A ingestão de alimentos ultraprocessados pode levar a alterações do estado nutricional, inclusive da relação cintura-quadril que possibilita uma correlação com a adiposidade abdominal (gordura visceral), que, em nosso estudo, também foi associada a um aumento das chantes para TMC”, relata a pesquisadora. Segundo ela, a publicidade que incentiva o consumo de alimentos ultraprocessados influencia o aumento da chance de obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis.
Tese: Transtornos mentais comuns em adolescentes brasileiros e fatores associados à ingestão de alimentos, hábitos de vida e ambiente escolar
Defesa em: 28/05/2022
Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde – Saúde da Criança e do Adolescente
Orientadora: Professora Larissa Loures Mendes
Co-orientadora: Professora Milene Cristine Pessoa.
Teresa Sanches/Centro de Comunicação da UFMG.