Caso Prevent Senior impulsiona debate sobre ética em pesquisas

Professores da Faculdade de Medicina participam do programa da Rádio UFMG Educativaque debate as regras e os limites para estudos realizados com humanos na área da saúde


29 de outubro de 2021 - , , , ,


Pesquisas com seres humanos precisam seguir uma série de protocolos previsto em legislações
Pesquisas com seres humanos precisam seguir protocolos previstos em legislações nacionais e internacionais. Foto: marcelohpsoares I Pixabay

O estudo realizado em 2020 pela operadora de saúde Prevent Senior é o ponto de partida para a discussão sobre a ética nas pesquisas com seres humanos feita no episódio 78 do Outra Estação, programa da Rádio UFMG Educativa. Na produção, professores das faculdades de Medicina e de Direito da UFMG refletem sobre as possíveis infrações éticas cometidas pelos pesquisadores da operadora. 

O programa também explica qual é a maneira correta de se conduzir pesquisas em saúde com seres humanos no Brasil, as legislações que regulamentam a prática e por que seguir essas regras é tão importante não apenas para quem participa do estudo, mas para toda a sociedade. O Outra estação também entrevistou voluntários de pesquisas na área da saúde, que relataram suas experiências.

Falhas éticas

O estudo da Prevent Senior foi realizado de março a abril de 2020 e envolveu 636 pacientes da operadora de saúde. O objetivo era mostrar a eficácia da dupla hidroxicloroquina e azitromicina no combate à covid-19, hipótese que não se confirmou segundo uma série de estudos realizados posteriormente. No meio do percurso, várias falhas éticas podem ter sido praticadas, segundo denúncias feitas à CPI da Covid no Senado Federal por meio de dossiê enviado por ex-médicos da Prevent Senior.

Conforme as denúncias, o estudo teria começado com uma grave infração ética: a operadora de saúde teria orientado seus funcionários a não avisar os pacientes e seus familiares sobre a medicação usada na pesquisa. Segundo a professora da Faculdade de Direito da UFMG e membro titular do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, Carla Carvalho, nenhuma pesquisa pode ser iniciada sem que o participante expresse seu consentimento livre e esclarecido. 

As denúncias feitas contra a Prevent Senior também tratam de manipulação de dados, desde a ocultação de morte de participantes do estudo até a revisão de informações após a publicação inicial do estudo. Se comprovado, esse conjunto de erros invalidaria o resultado de qualquer pesquisa, na avaliação do médico infectologista e professor emérito da Faculdade de Medicina da UFMG, Dirceu Greco, um dos coordenadores do Comitê Internacional de Bioética da Unesco. Ele também já integrou a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e foi presidente da Sociedade Brasileira de Bioética

Outra infração possivelmente cometida pela Prevent Senior no estudo também já seria suficiente para invalidar todo ensaio. Três dias após a divulgação dos primeiros resultados do estudo, em abril de 2020, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) suspendeu a pesquisa porque ela não estaria devidamente autorizada.

Dirceu Greco: pesquisas mal conduzidas podem colocar as pessoas em risco
Dirceu Greco: pesquisas mal conduzidas podem colocar as pessoas em risco. Acervo pessoal

Termo de consentimento

Deliberações do Conselho Nacional de Saúde versam sobre pesquisas nacionais que envolvem seres humanos, independentemente da área. A Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, prevê, por exemplo, que seja feito o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início das pesquisas. Esse documento serve para esclarecer todos os processos que vão ocorrer durante a pesquisa, seus riscos e benefícios, de forma clara e objetiva, para o participante. 

O imunologista clínico e coordenador de diferentes estudos sobre tratamentos e vacinas para a covid-19, o professor titular da Faculdade de Medicina da UFMG Jorge Pinto explica que, principalmente agora em tempos de pandemia, a elaboração desse termo é um processo dinâmico, já que o participante deve ficar ciente de toda e qualquer nova informação ao longo da pesquisa. 

Não só o TCLE, mas todo o protocolo de uma pesquisa realizada com seres humanos deve, antes de tudo, passar pelo crivo do Sistema CEP/Conep, formado por Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) das instituições de pesquisa e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). São essas instâncias que aprovam ou não todo o protocolo das pesquisas, que só podem iniciar o aval dessas instituições.

Quando os estudos passam pelo crivo do Sistema CEP/Conep e seguem as normas éticas nacionais existentes, os participantes tendem a ter experiências positivas como a da dentista Juliana Junqueira, que foi voluntária de um estudo associado à covid-19. Ela elogiou a abordagem dos pesquisadores, que sempre explicaram em detalhes os passos do ensaio e responderam rapidamente as dúvidas que ela teve ao longo da pesquisa.

Para saber mais
Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas com seres humanos
Resolução n. 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais
Cartilha dos Direitos dos Participantes de Pesquisa, publicação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)
Relatório Final da CPI da Pandemia, do Senado Federal, aprovado no dia 26 de outubro de 2021
Declaração de Helsinque


Produção: O episódio 78 do Outra Estação teve apresentação de Igor Costa, produção de Alicianne Gonçalves e Igor Costa e edição de Alicianne Gonçalves. Os trabalhos técnicos são de Breno Rodrigues. A coordenação de jornalismo da Rádio UFMG Educativa é de Paula Alkmim. A coordenação de operações é de Judson Porto e, a de programação, de Luiza Glória.
O programa Outra Estação vai ao ar quinzenalmente, às quintas-feiras, 18h, com reprise na sexta, às 7h, e também está disponível no site da UFMG e nos aplicativos de podcast como o Spotify.