Cerca de 60% das publicidades alimentares em mídias digitais são inadequadas

Com lei judicializada desde 2010, Brasil pode avançar no controle de práticas publicitárias associadas a alimentos ultraprocessados, aponta estudo


07 de julho de 2025 - , , , ,


*Felipe Veras

Foto: Emerson Leal / Supremo Tribunal Federal

A regulação da publicidade de alimentos não saudáveis é apontada por organizações internacionais de saúde como uma estratégia fundamental para reduzir os impactos da exposição a esse tipo de marketing sobre o comportamento alimentar, especialmente entre crianças e adolescentes, no meio digital. Diversos países ao redor do mundo têm adotado medidas regulatórias com esse propósito, com destaque para países da América Latina, que estão à frente dessa abordagem.

Com o objetivo de compreender melhor essa prática no contexto brasileiro, foi realizado um estudo de doutorado denominado “Regulação da publicidade de alimentos direcionada à criança e ao adolescente no meio digital”, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG, pela pesquisadora Juliana de Paula Matos.

Neste estudo, foi realizada a análise das medidas regulatórias de publicidades alimentícias de países como Argentina, Chile, Bolívia, Peru e simuladas dentro do contexto brasileiro. Dentre esses países, a legislação argentina se destacou, sendo a mais restritiva e robusta: apenas 26,46% das publicidades de alimentos brasileiras nas mídias sociais seriam consideradas adequadas.

A pesquisadora entende que medidas regulatórias para limitar as estratégias publicitárias são legítimas e essenciais, especialmente pelo impacto que essa prática tem entre crianças e adolescentes.

“Muitos estudos na literatura mostram como essa exposição interfere no consumo alimentar, e quando esta exposição ocorre na infância, estamos gerando fidelidade para a vida inteira”, destaca.

Juliana justifica seu interesse em realizar a análise do estudo para contribuir com a agenda da regulação dessa prática, que existe, mas ainda carece de aprimoramentos e de avanços.

Cenário regulatório brasileiro

As atuais medidas de regulação da publicidade em vigor no Brasil são o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe publicidades enganosas (induzem os consumidores ao erro) e abusivas (direcionadas à crianças e adolescentes) e a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescente, (Conanda) que é responsável por qualificar quais são esses elementos de abusividade. No entanto, apesar dessas medidas existirem, infrações são frequentemente encontradas na publicidade de alimentos em diferentes meios de comunicação.

Com o objetivo de regular especificamente a publicidade de alimentos no Brasil, a ANVISA publicou a RDC nº 24/2010, medida que propõe restrições publicitárias, essencialmente veiculação de alertas sobre o consumo de alimentos com excesso de nutrientes críticos como açúcar, gordura saturada, gordura trans, sódio e bebidas com baixo teor nutricional. No entanto, essa medida ainda não está em vigor devido a processos judiciais desde o ano de sua publicação.

RDC – Sigla para Resolução da Diretoria Colegiada, proposta de regulamentação técnica pela Anvisa para estabelecer processos regulatórios, práticas e padrões de qualidade para produtos e serviços sob regulamentação da agência

Durante a análise, a pesquisadora também simulou no cenário das mídias sociais os critérios presentes na RDC nº24/2010. Em comparação aos demais países, apesar de não figurar junto com aqueles que possuem critérios mais restritivos como a Argentina, com a medida em vigor, aproximadamente 60% das publicidades de alimentos nas mídias sociais deveriam veicular alertas sobre o consumo excessivo de alimentos não saudáveis.

“As legislações que temos hoje são importantes, mas não são exclusivas da publicidade de alimentos, são gerais, para qualquer produto. Por isso, é importante avançarmos no sentido de fazer valer o que a gente já tem, mas também de caminhar com novas propostas ou aprimoramento de outras”, explica. 

Setor privado e ambiente digital

O estudo discute acerca das possíveis consequências da publicidade de alimentos não regulamentada, que oportuniza alimentos ultraprocessados estarem frequentemente associados à infância, com desenhos infantis e publicidades direcionadas no meio digital, onde há ainda mais limitações para o controle destas ações. 

Juliana argumenta em seu estudo, que um dos principais motivos dos embargos em processos de regulamentação, como no caso da RDC é devido a influência que o setor privado tem sobre a agenda regulatória. Grandes corporações de alimentos e do setor publicitário, que se beneficiam da não regulamentação, moveram ações judiciais, questionando a validade da proposta e a judicializando. 

Pesquisadora Juliana de Paula Matos. Foto: CCS / Faculdade de Medicina da UFMG

A pesquisadora destaca que a resistência do setor privado é um movimento esperado quando se trata de medidas que restringem suas atividades, ela afirma que as demais medidas regulatórias dos outros países também sofreram resistência semelhante, mas enfrentaram com resiliência e muita capacidade estratégica. “Por exemplo, no Chile, a medida regulatória passou por um processo longo e complexo, mas gradualmente superou muitos obstáculos e interesses contrários” 

Portanto, os entraves enfrentados até o momento nessa agenda no Brasil precisam de uma força tarefa para serem superados. A aprovação de uma medida regulatória com os requisitos técnicos adequados é essencial para a superação dessa pauta. Além disso, permitiria avançar também no controle de novas formas de publicidade. Com as mídias sociais e influenciadores surgem novas demandas de regulamentação, que necessitam de políticas direcionadas.

“Hoje existem outros atores extremamente importantes. Com base na tese, o que fica muito evidente para nós é que para além das empresas de alimentos, há também outros atores importantes na produção e disseminação da publicidades de alimentos, como influenciadores e plataformas digitais”, pontua. 

A perspectiva das plataformas é uma dimensão central na temática da regulação diante das particularidades das diferentes mídias disponíveis, por exemplo, o estudo evidenciou que há um perfil diferente de publicidades entre as mídias sociais. No contexto regulatório, em comparação com o Instagram e o TikTok, o YouTube apresentou ter um perfil de alimento menos saudável, com mais estratégias que poderiam ser reguladas, mostrando ser uma mídia que tem um alto apelo de publicidade das mais diversas, inclusive, direcionadas às crianças e adolescentes. 

Com um extenso trabalho em busca de mapear e propor maneiras de regular estas estratégias nocivas da publicidade de alimentos, Juliana faz parte do Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde (GEPPAAS), coordenado pela professora Larissa Loures Mendes e pela orientadora da tese, professora Paula Martins Horta. O GEPPAAS tem trabalhado em parceria com organizações da sociedade civil organizada e na agenda da publicidade de alimentos e tem contribuído tecnicamente com o Observatório de Publicidade de Alimentos do Instituto de Defesa de Consumidores (IDEC), que recebe denúncias de publicidades com caráter abusivo ou enganoso.

Pesquisa: Regulação da publicidade de alimentos direcionada à criança e ao adolescente no meio digital: experiências internacionais e perspectivas brasileiras
Programa: Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde
Autora: Juliana de Paula Matos
Orientadora: Paula Martins Horta
Data: 15 de maio de 2025


*Felipe Veras – Estagiário de Jornalismo
Revisão: Débora Nascimento e Geisa Aguiar