Ministros de 194 estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) e profissionais de instituições globais do setor instituíram o 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas, durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada no dia 24 de maio de 2019. A infecção acomete 8 milhões de pessoas no mundo e, na mesma ocasião, foi considerada oficialmente uma doença negligenciada.
Na primeira celebração da data, a Faculdade de Medicina da UFMG lança esta página com informações sobre a história do conhecimento sobre a tripanossomíase, os pesquisadores ligados à UFMG que fizeram história e a situação atual da transmissão, além de aspectos clínicos. Confira também uma linha do tempo com marcos históricos no combate à doença.
Febre, edema no olho e lesão de pele arredondada, dura, quente e circundada por inchaço, assemelhando-se a um furúnculo. A pequena Berenice, moradora de Lassance, no interior de Minas Gerais, entrou para a história da medicina brasileira quando teve seu quadro clínico e patológico observado pelo pesquisador Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, em 1909.
A enfermidade descrita por Carlos Chagas, que ficou marcada com seu nome, é endêmica na América Latina continental e vai do sul dos Estados Unidos, até o Chile e Argentina. Sua descoberta é um caso único na medicina, em que o mesmo cientista descreve uma nova moléstia humana, seu agente (o protozoário Trypanosoma cruzi) e o vetor (o percevejo hematófago, conhecido popularmente como barbeiro). “Sem qualquer ufanismo, nós podemos ter orgulho do que foi feito em termos de desenvolvimento de informações, conhecimento, proteção de pacientes e controle de Doença de Chagas no país”, afirma o professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Manoel Otávio da Costa Rocha.
Outro nome para a doença de Chagas é tripanossomíase americana.
“Chagas é um gênio, descreveu a doença, o vetor, o agente, a história natural... É impressionante sua capacidade de observação e dedução”, completa o também professor da Faculdade, Antônio Luiz Pinho Ribeiro. Desde então, cientistas brasileiros têm sido os principais líderes no conhecimento sobre a doença de Chagas, com importante participação dos pesquisadores ligados à Faculdade de Medicina da UFMG. Outros países que contribuíram com a construção desse conhecimento são Argentina, Colômbia, Venezuela, México e, mais recentemente, Espanha e Estados Unidos, países com grande fluxo de imigrantes de origem latina.
Quando chegou a Lassance para conter uma endemia que impedia o prolongamento da estrada de ferro Central do Brasil até Pirapora (MG), Carlos Chagas tinha experiência no combate e controle da malária. Sua formação foi realizada com os maiores da época: na área clínica, foi aluno de Miguel Couto, enquanto na área básica aprendeu com Oswaldo Cruz. Na pequena cidade, que fica no vale do Rio das Velhas, ele encontra uma série de pacientes com uma apresentação clínica muito grave, com uma doença jamais descrita e que impedia o desenvolvimento regional.
O pesquisador descobriu que o barbeiro infectado pelo protozoário contamina o ser humano ao defecar após picar o indivíduo e alimentar-se de sangue, geralmente à noite. A partir daí, a maior parte das pessoas desenvolve uma forma indeterminada, que não apresenta quadro clínico. Entre 25% e 30% dos infectados desenvolvem cardiopatias, sendo 10% graves. “A única coisa que Carlos Chagas não conseguiu demonstrar da doença continua sendo um problema até hoje, que é o tratamento específico, quer dizer, como você elimina a infecção. Isso você consegue em algumas formas da doença e, em outras, não”, explica Manoel Otávio.
Existem duas fases da doença de Chagas. Na fase aguda, que ocorre durante as primeiras semanas ou meses desde a infecção, pode não haver sintomas ou apenas um quadro moderado de febre, fadiga, dor no corpo e o sinal de Romaña (edema das pálpebras), entre outros, além do inchaço no local da picada do barbeiro (chamado chagoma). Já a fase crônica dura o resto da vida do paciente, podendo acarretar em cardiopatias ou danos ao sistema digestório (megacólon e megaesôfago).
Em 1908, Carlos Chagas passa a estudar a doença que levou seu nome, criando os conceitos básicos da doença: etiopatogenia (como a doença aparece), epidemiologia (como se desenvolve entre pessoas na comunidade), patologia (descrição dos aspectos microscópicos) e apresentação clínica.
Foto: Arquivo Nacional
Sinal de Romaña em uma criança.
Foto: Parasitologia/USP
Apesar de hoje ser amplamente reconhecido, durante anos o trabalho de Carlos Chagas foi contestado por pares, inclusive na Academia Nacional de Medicina. De 1908, quando começou seus estudos, até 1940, haviam sido identificados apenas 29 casos agudos, todos em Minas Gerais. A resposta da ciência para a importância do problema veio com participação fundamental de professores da UFMG, como Amílcar Vianna Martins e José Pellegrino, que atuaram em campanha da Fiocruz na descrição de um surto de quadros agudos na cidade de Bambuí.
Em 1940, uma paciente com inchaço em um dos olhos levou Amílcar Vianna até Bambuí, cidade mineira próxima à Serra da Canastra. Quando chegou à cidade, movimentada pela construção de outro trecho da Central do Brasil, percebeu que estava diante de um foco endêmico, com vários casos da doença de Chagas. Trabalhadores da Rede Mineira de Viação moravam em casas de taipa e madeira, ambiente ideal para o barbeiro. Nesse ano, Amílcar publica trabalho descrevendo mais 25 casos de doença de Chagas em fase aguda.
O professor da UFMG também atuava como pesquisador do então Instituto Oswaldo Cruz (IOC), atual Fiocruz. Amílcar comunicou os colegas Emmanuel Dias e Cecílio Romaña (que veio a dar nome ao sinal característico do edema no olho), outros pesquisadores do IOC que viviam no Rio de Janeiro e foram atuar no local. Em 1944, o interventor de Minas Gerais, Benedito Valadares - nomeado por Getúlio Vargas no contexto do Estado Novo - havia proibido Amílcar Martins de atuar em Bambuí. O IOC designou, então, Emmanuel Dias para dirigir os trabalhos no local: estava instalado o Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas e a doença volta a ser estudada, especialmente as cardiopatias que causa e a forma de eliminação dos barbeiros.
Após a proibição do regime Vargas, o professor emérito Amílcar Vianna se alistou voluntariamente na Força Expedicionária Brasileira para combater o nazi-fascismo na Europa, atuando como chefe da Seção Brasileira de Hospitalização nas cidades de Pisa e Livorno. Outra passagem sobre o engajamento político do professor ocorreu em 1969, quando foi aposentado compulsoriamente pela ditadura militar, após o AI-5.
Hoje, o Centro é reconhecido por estabelecer as bases para o controle da transmissão vetorial da doença de Chagas. No processo, o professor Amílcar Vianna chegou a ser infectado. “Corria a história de que o professor Amílcar se auto-infectou, para fins de estudo. Um dia eu perguntei a ele se isso era verdade. Ele me disse que não era louco a esse ponto”, sorri Ulysses Panisset, professor da Faculdade de Medicina da UFMG que conviveu com o pesquisador por anos.
A infecção se deu em uma das viagens à campo. Mesmo tomando o cuidado de arrastar a cama em que dormiria para o centro do quarto (para ficar longe das paredes onde os barbeiros transitam à noite), Amílcar amanheceu no dia seguinte com o característico chagoma e o diagnóstico pronto. “Ele havia levado a cama para debaixo de uma lâmpada, que era ligada por um fio ao teto, por onde o barbeiro deve ter passado”, explica Ulysses.
Pesquisadores em Bambuí, em 1946. Amílcar Martins aparece no centro e Emmanuel Dias à direita.
Foto: arquivo pessoal
A equipe do Centro mapeou Bambuí e identificou que em 80% das casas havia infestação de barbeiros. Na periferia da cidade, metade da população já estava infectada pelo protozoário. No total foram descritos 368 casos agudos da enfermidade e cerca de dez mil crônicos. Na busca por eliminar o vetor, foram testados diversos métodos, como lança-chamas, gás cianídrico, soda cáustica e querosene. Uma das histórias registradas por João Carlos Pinto Dias, professor aposentado da Faculdade de Medicina da UFMG e filho de Emmanuel Dias, dá conta de uma estratégia curiosa: a compra de barbeiros, que fracassou pelo número alto de insetos ser incompatível com a verba do projeto.
Além de produzir artigos científicos, Emmanuel Dias notificou autoridades regionais e federais para conhecer a situação da cidade infestada. A estratégia logrou melhorar o padrão de parte das casas dos trabalhadores da ferrovia, que passaram a ser de alvenaria. A melhor solução para o controle do surto foi obtida em 1947, com o uso do pesticida lindano (também conhecido como gammexane, composto de hexaclorocicloexano), em estudo conjunto com o médico e professor da UFMG José Pellegrino, do então Instituto de Biologia. A campanha de desinsetização foi bem-sucedida e, em dez anos, o vetor foi eliminado da região. A medida foi reproduzida pelo poder público em diversas regiões do país antes do pesticida ser proibido.
Confira mais desse histórico escutando o episódio do programa Saúde com Ciência: Chagas no passado
A campanha marcou o início da superação da transmissão vetorial, causada pelo barbeiro. Emmanuel Dias trabalhou em outros surtos no Brasil e em países como Chile, Uruguai, Venezuela, Costa Rica e Argentina. “Emmanuel Dias e José Pellegrino estabeleceram as bases para o controle e interrupção da transmissão vetorial no Brasil, que veio a ser certificado pela Organização Pan-americana de Saúde (Opas) em 2006”, afirma o professor Manoel Otávio, que há décadas atende pacientes crônicos em ambulatório do Hospital das Clínicas da UFMG, serviço referência em Minas Gerais, .
Assim como seu pai, João Carlos Pinto Dias também se dedica há décadas ao conhecimento sobre a enfermidade. Ele é um dos grandes pesquisadores da Faculdade de Medicina da UFMG a colaborar com o entendimento dos desdobramentos clínicos e humanos da doença de Chagas.
Amílcar Vianna e José Pellegrino marcaram a história por suas participações em Bambuí, mas não são os únicos profissionais da UFMG a terem destaque no combate à doença de Chagas. “Eu diria que a Faculdade de Medicina abrigou e continua a abrigar grandes pesquisadores em doença de Chagas. Ao longo dos mais de 100 anos, nossos pesquisadores contribuíram muito, tanto para pesquisa e diagnóstico, como para tratamento”, analisa a professora Rosália Morais Torres, uma das atuais pesquisadoras da Faculdade sobre o tema.
A professora considera João Carlos Pinto Dias um ícone, referência mundial no tema. “É impossível falar em doença de Chagas sem falar dele, graças a seu trabalho incansável como pesquisador na área de epidemiologia, clínica, diagnóstico, vigilância e controle da doença na América Latina”, segue Rosália. “Ele é uma das grandes mentes, não só por conta de seu trabalho, mas também pelo compromisso ético, humano e pelas questões sociais e políticas envolvidas na doença e seus portadores”, lembra.
Entre as colaborações de João Carlos Pinto Dias para o controle da doença, estão a proposta de eliminação do Triatoma infestans dos países do Cone Sul, implementada pela Opas em 1991. Além disso, criou na década de 80 um programa estadual de cadastramento de doadores de sangue em Minas Gerais.
Foto: arquivo pessoal
No plano internacional, João Carlos é membro do Comitê de Doenças Negligenciadas da Organização Mundial da Saúde, desde 2010, além de assessor da Organização Pan-americana da Saúde, desde 1978. “O Brasil tem uma história muito bonita e o João Carlos Pinto Dias, cuja família toda trabalhava com Chagas (pai e avô) tem uma importância grande, já que participou dos esforços junto ao Ministério da Saúde para interromper a transmissão por um dos principais vetores”, completa o professor Antônio Pinho Ribeiro.
Na parte clínica, Antônio cita o professor Zigman Brener, catedrático de parasitologia da UFMG. “Ele estabeleceu as bases do uso do benzonidazol na terapia específica para doença de Chagas. Além de tudo era uma pessoa extremamente elegante, pesquisador da primeira linha”, lembra. Mais recentemente, Antônio também chama a atenção para a professora Maria do Carmo Nunes, escolhida para ser editora da diretriz sobre Chagas da American Heart Association (Sociedade Americana de Cardiologia) e o professor Manoel Otávio da Costa Rocha, que formou boa parte dos atuais pesquisadores na área.
“O professor
A dimensão da importância dos trabalhos feitos na Faculdade fica nítida nas palavras da professora Rosália Torres. “Importante lembrar que Romeu Cansado e Zigman Brener fizeram aqui seus estudos minuciosos para o tratamento com o benzonidazol e nifurtimox na fase crônica da doença. Esses estudos ainda são a base para as atuais pesquisas sobre o tratamento”, afirma.
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Dos frutos das pesquisas desses grandes cientistas, surgiu também a necessidade da assistência em saúde para pacientes com complicações da fase crônica da doença. O Ambulatório de Referência em Doença de Chagas foi criado em 1989, com apoio da Fundação Nacional da Saúde, à época coordenada por João Carlos Pinto Dias, que viabilizou recursos para diagnósticos, como teste ergométrico, holter e ecocardiografia. O ambulatório já tratou e catalogou mais de dois mil pacientes com cardiomiopatia chagásica crônica.
Quem começou esse trabalho foi a professora Eliane Gontijo, que ao trabalhar com doadores de sangue do Hemominas, inaptos à doação por sorologia positiva para a doença de Chagas, despertou professores para o tamanho do problema, devido a enorme quantidade de pacientes com necessidade de atenção continuada. Hoje, o ambulatório segue funcionando no Hospital das Clínicas da UFMG, sob coordenação de Manoel Otávio.
O professor Manoel faz questão de abordar a importância fundamental que os estudos da Faculdade de Medicina tiveram no entendimento e tratamento dessa complicação cardíaca. “O professor Luigi Bogliolo tem trabalhos importantíssimos sobre a cardiopatia chagásica, assim como Washington Luiz Tafuri, também patologista. Outro exemplo é o professor Pedro Raso que descreveu, em detalhes, uma lesão muito importante, que é um aneurisma da ponta do coração”, lista.
O combate à doença avançou muito no século XX, com participação de dezenas de nomes da Faculdade de Medicina da UFMG. Apesar dos avanços, a superação da transmissão vetorial não é o fim da luta, já que ainda existem mais de um milhão de pessoas com a fase crônica da doença no país. “Na minha enfermaria de cardiologia, geralmente tem, no mínimo, dois ou três dos oito pacientes com cardiopatia chagásica. A doença ainda é a principal causa de implante de marca-passo, cardiodesfibrilador e outras causas importantes de internação no nosso Hospital das Clínicas. A situação não está resolvida”, explica o professor Antônio Pinho.
O tema deve seguir no radar de pesquisadores e gestores públicos. “Nós não devemos baixar a guarda, já que é uma doença que está relacionada com a desigualdade, que leva à desigualdade e a sofrimento das pessoas que têm menos recursos. Então é uma obrigação da Universidade e da sociedade cuidar disso”, defende Antônio. O professor entende que, por enquanto, podemos nos orgulhar do fato de estarmos vencendo esse combate. “Espero que a minha geração seja a última a lidar com essa doença”.
O contato direto com os triatomíneos já não é o foco principal de preocupação. Em 2006, o Brasil recebeu a certificação da interrupção da transmissão vetorial, pela Organização Pan-americana de Saúde. Hoje, o país contabiliza casos agudos por transmissão oral, principalmente nos estados do Norte, por consumo de frutas não pasteurizadas (em especial o açaí), moídas junto com o inseto. Em números menores, ainda há a transmissão vertical, de mãe para filho, durante a gravidez.
Nas últimas décadas, os métodos de diagnóstico e tratamento da principal complicação da doença de Chagas - a cardiomiopatia chagásica crônica - evoluíram e permitem uma melhoria na qualidade de vida de pacientes que chegam ao sistema de saúde. “Hoje, podemos dar mais assistência a essas pessoas, por meio da ecocardiografia, do holter e outros métodos cardiológicos, que nos permitem intervir mais precocemente do ponto de vista terapêutico. Assim, podemos avaliar melhor o prognóstico da doença , atuar na prevenção e detecção de trombos e, mais agressivamente, nas arritmias”, conta a professora Rosália Torres.
Em outros países, a situação epidemiológica é distinta, devido a instabilidade política e questões socioeconômicas. É o caso do norte da Argentina, Bolívia e alguns países da América Central, que são focos de transmissão ativa do protozoário. “A Bolívia hoje é o país que tem prevalência mais alta da doença e que essa é uma população mais jovem. As estimativas apontam que 5% a 6% dos bolivianos têm a doença de Chagas, o que é um grande problema para o país como um todo”, analisa Antônio Pinho.
Dados epidemiológicos apontam para um cenário global ainda assustador. Passados 111 anos da descoberta, as estatísticas estimam que menos de 10% recebem o diagnóstico oportuno e apenas 1% recebe o tratamento adequado. “Os números são muito baixos. Assim como outras doenças tropicais negligenciadas, Chagas está associada à pobreza. O dia mundial dá visibilidade à doença e a necessidade de combatê-la, junto ao sofrimento dessas pessoas, que vivem no silêncio social e político”, explica a professora Rosália Torres. De acordo com a OMS, 65 milhões de pessoas vivem com risco de contrair essa infecção.
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A luta pela criação do dia mundial partiu dos próprios pacientes, pelas associações de portadores da doença, instituições científicas e pesquisadores da área. No Brasil, houve mobilização de pesquisadores para coleta de assinaturas, o que fez com que a demanda fosse levada a Assembleia Mundial da Saúde. A professora Rosália conta que a mobilização teve início em 2009, durante a reunião anual de pesquisa aplicada em Chagas, realizada em Uberaba (MG). Nesse evento, foi realizada a primeira reunião de pessoas afetadas das Américas, Europa e Pacífico e, a partir das reflexões, foi criada a Federação Internacional das Pessoas com Doença de Chagas. A partir de 2010, a Federação passou a buscar o reconhecimento do dia junto a OMS. A data de 14 de abril foi escolhida por ter sido o dia em que Carlos Chagas, em 1909, identificou o parasita causador da infecção na paciente Berenice, de dois anos, moradora de Lassance.
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A situação de outros países e os milhões de casos crônicos no Brasil mostram que ainda há muito o que ser feito. “Existe um pensamento coletivo de que não existe mais doença de Chagas. Temos que ressaltar que ela existe sim, que ela mudou seu perfil epidemiológico - com os casos agudos por contaminação oral, na região amazônica e muitos casos crônicos nas demais regiões do país. Esses pacientes foram infectados na década de 1970 e hoje são pessoas mais velhas, com outras comorbidades”, afirma Rosália.
“Os pacientes chegam aos hospitais com outras queixas e, muitas vezes, não são questionados pelos profissionais de saúde ao fato de serem portadores da doença, apesar de ter uma epidemiologia positiva e, muitas vezes, até já diagnosticadas anteriormente. Os quadros cardiológicos se confundem, por isso é preciso que tenhamos em mente que a doença crônica persiste, acomete boa parte da população brasileira - quase toda ela nas periferias das grandes cidades e nas regiões rurais”, esclarece a professora.
A negligência associada à doença ainda é uma barreira a ser vencida. O papel da ciência brasileira é, ainda, central para a busca de soluções. “A doença tem décadas de evolução e há o fato de que ela fica obscurecida pela pobreza dos pacientes, pela situação socioeconômica de quem está acometido. Mais uma vez, nesse sentido, o Brasil aparece com uma grande importância”, pontua Antônio Pinho.
“Sem esse compromisso social, a universidade perde o sentido. Então, na parte assistencial, de extensão, de formação de recursos humanos e na produção do conhecimento, o foco preferencial deve ser as necessidades sociais. Procurar solução para aquilo que é específico ou que é característico do nosso meio e que, infelizmente, ainda é negligenciado. Esse é o papel da universidade pública.”- Manoel Otávio Costa Rocha