Cientistas debatem zika vírus, microcefalia e pesquisas na área

Conferências fizeram parte da 69ª Reunião Anual da SBPC, na UFMG.


20 de julho de 2017


Conferências sobre o tema fizeram parte da programação da 69ª Reunião Anual da SBPC, que acontece até sábado na UFMG

* Ives Teixeira Souza e Jayne Ribeiro

Eleita em 2016 pela revista científica Nature como um dos dez maiores destaques da ciência, Celina Martelli, da Fiocruz de Pernambuco, apresentou em conferência na 69ª Reunião Anual da SBPC, na manhã de terça-feira, 18, a cronologia dos estudos de zika no Brasil, que resultaram na comprovação da associação entre o zika vírus e a microcefalia.

“Todo o interesse dos grupos de pesquisa até 2015 estavam focados na dengue já que, até então, era o nosso marcador mais importante de arbovirose”, explicou a cientista. O alerta que existia da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) era sobre a febre chikungunya, já que se tinha o conhecimento que gerava inflamação nas articulações. Mesmo quando apareceu, o zika não foi motivo imediato de preocupação, já que eram inexistentes informações científicas que o vinculasse à doenças graves.

Somente em agosto de 2015, quando nasceram crianças com microcefalia e outros sintomas congênitos, houve uma associação preliminar com a possibilidade do zika ser o causador da síndrome. “O Ministério da Saúde decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) em novembro de 2015. Esse reconhecimento do problema que possibilitou a agilidade dos processos de pesquisa”, declarou Celina.

A pesquisadora coordenou o grupo de cientistas do Grupo de Pesquisa da Epidemia de Microcefalia, com estudiosos de Pernambuco e do Reino Unido, que realizou a associação, após analisar o líquido cefalorraquidiano (líquor) e o sangue do cordão umbilical de bebês, buscando a infecção congênita por zika.

A associação não foi encontrada em nenhum dos participantes do grupo controle. “Foi preciso estudar a criança ao nascimento, já que só assim era possível provar que a transmissão era vertical, de mãe para filho”, explicou.

Síndrome congênita
Também discutindo o tema, o ginecologista e geneticista da Universidade de São Paulo (USP), Thomaz Gollop, falou sobre os desafios da síndrome do zika congênita, em conferência ministrada na manhã da quarta-feira, 19 de julho. Gollop desfez a simplificação de relacionar, de modo imediato, o zika vírus e a microcefalia.

“É extremamente importante entender alguns conceitos. Microcefalia é uma terminologia inadequada quando se fala do feto ou bebê afetado pelo vírus zika”, acentuou. O professor explicou que as suturas cranianas, conhecidas como moleiras, se fecham prematuramente em bebês com zika, o que não significado que o bebê, necessariamente, tenha microcefalia, condição neurológica na qual a circunferência do crânio da criança é menor do que dois desvios-padrões abaixo da média específica para o sexo e a idade gestacional.

“Microcefalia na zika é um sinal clássico, entre vários outros, que pode estar presente ou não. Os bebês vítimas de zika têm uma síndrome, um conjunto de fatores secundários causados por um fator conhecido”, explica Gollop.

Entre os sinais presentes nas crianças, o especialista destacou a dilatação ventricular do sistema nervoso central, calcificações intracranianas, problemas auditivos as complicações oftalmológicas severas, como lesões no nervo óptico que podem levar à cegueira.

“O vírus atravessa a placenta e atinge o cérebro do bebê, sendo que a infecção por zika no primeiro trimestre de gestação causa mais danos ao feto”, contou. De acordo com o professor, isso ocorre porque nesse período de gestação a placenta possui receptores que estimulam a adesão e a entrada do vírus. Em casos mais graves, inclusive, o vírus pode gerar a morte do feto.

Gollop afirmou ainda que desde 2016 há a certeza de que o vírus zika é a causa da Síndrome congênita de zika. O que ainda é desconhecido, segundo o geneticista, é o motivo de algumas crianças terem sequelas e outras não. Mas já há pesquisas tentando desvendar isso, como a organizada por geneticistas da USP, feita, a partir de um casal de gêmeos, em que um foi afetado pelos sintomas e o outro não.

Estrutura biológica do vírus

Glaucius Oliva: pesquisa do vírus para desenvolvimento de novos fármacos. Foto: Carol Morena

Na conferência “Zika: biologia estrutural e desenvolvimento de novos antivirais”, nesta quinta-feira, 20 de julho, o conferencista e presidente da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq), Glaucius Oliva traçou panorama geral do vírus explicando os desafios do desenvolvimento de novos fármacos.

O conferencista decorreu sobre as principais características estruturais dos vírus em geral, tais como terminologias, componentes e escalas biológicas. Glaucius explicou as estruturas do zika, destacando aspectos de transmissão, linhas do tempo e sintomas da doença. “O vírus dazZika é um arbovírus, que é a denominação que usamos para definir os vírus que são transmitidos aos homens por insetos”, reforçou.

Glaucius afirmou que para entender a biologia do vírus da Zika é importante comparar as estruturas biológicas desse vírus com a dos vírus de doenças com características semelhantes, como é o caso da dengue.  “Parte do nosso trabalho foi analisar as sequências proteicas do vírus da dengue e zika, destacando o que era semelhante, o que era igual e o que era diferente, com o intuito de descobrir qual deveria ser a enzima alvo”, explicou o pesquisador.

Ele também relatou os desafios de se desenvolver antivirais para combater a doença. “Desenvolver um novo fármaco é estarrecedoramente difícil e complexo. Precisamos identificar uma molécula alvo, criar cadeias de enzimas e depois transformar isso em um inibidor do vírus, e ainda fazer com que esse antiviral atravesse várias barreiras biológicas dentro do organismo”, descreveu Glaucius.

O presidente do SBBq participa, ainda, de equipe de pesquisadores do Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Estudamos cadeias de enzimas, alteramos temperaturas, fizemos experimentos em hospedeiros alternativos, ou seja, mudamos os sistemas estruturais, para dessa forma, tentar identificar a molécula alvo para inibir o vírus”, contou. “Nós conseguimos descobrir uma enzima alvo, uma estrutura de cristal. O próximo passo é procurar por moléculas que se encaixem nessa enzima”, concluiu o pesquisador.

Reunião Anual da SBPC
A 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) é maior evento científico do hemisfério sul, com o tema “Inovação – Diversidades – Transformação”, começou ontem na UFMG.

O evento vai até o sábado, 22 de julho. A programação científica inclui 69 conferências, 82 mesas-redondas, 16 sessões especiais e 57 minicursos. Também integram a agenda cinco assembleias, duas reuniões de trabalho e seis encontros de sociedades científicas e entidades, sessão de pôsteres e lançamento de livros. A reunião conta, além disso, com atividades culturais, voltadas para o público jovem e discussões sobre os povos afro indígenas, respectivamente na SBPC Cultura, SBPC Jovem e SBPC Afro e Indígena. A participação como ouvinte é gratuita.

Mais informações na página da SBPC e no hotsite SBPC na UFMG.

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 Redação: * Ives Teixeira Souza e Jayne Ribeiro – estagiários de jornalismo
Edição: Mariana Pires