Custo dos alimentos afeta consumo de dietas saudáveis para população mais vulnerável

Dietas saudáveis e sustentáveis beneficiam a saúde e o meio ambiente, mas seu custo pode acabar impactando diretamente na escolha alimentar dos consumidores.


07 de abril de 2025 - , , , ,


Foto: Arquivo / Faculdade de Medicina da UFMG

De acordo com uma tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, os preços dos alimentos saudáveis são um fator crucial na escolha alimentar, especialmente para populações mais vulneráveis. Entretanto, existem diversos fatores que podem afetar os preços e automaticamente, o consumo desses alimentos, como por exemplo, as mudanças climáticas. 

“Podemos falar de diversos fatores que vão influenciar essa produção. A questão das mudanças climáticas, observada hoje, vai interferir diretamente na produção desses alimentos. Por exemplo, a seca ou uma chuva em excesso vai causar problemas na produção, vai afetar a distribuição e os alimentos não vão chegar no consumidor. Quando chega, chega com um preço mais alto”, apresenta a pesquisadora responsável pelo estudo, Thaís Cristina Marquezine Caldeira.

Trata-se de um estudo ecológico que utilizou dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/18, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A POF é uma pesquisa periódica e transversal que avalia o consumo, os gastos e a renda das famílias, fornecendo informações sobre as condições de vida da população brasileira.

Foram analisadas dietas baseadas no consumo atual da população, dietas  baseadas nas recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira (GAPB) e dietas baseadas nas recomendações do EAT-Lancet. Notou-se que grãos e vegetais ricos em amido (25,4%), alimentos ultraprocessados (22,5%), alimentos proteicos – como aves, frutos do mar, ovos, leguminosas e oleaginosas – (13,8%) e carne vermelha (10,5%) representaram aproximadamente 70% das calorias na dieta atual.

Um dos  estudos presentes na tese mostra que famílias de baixa renda, especialmente em áreas rurais e em regiões menos desenvolvidas do país, enfrentam barreiras financeiras significativas para adotar dietas mais saudáveis, como as recomendadas pela Comissão EAT-Lancet. Esses desafios são agravados pelo aumento do custo dos alimentos minimamente processados e frescos, pela crescente dependência de produtos ultraprocessados e pela distribuição desigual de recursos entre as regiões.

A pesquisa identificou que o custo médio da dieta foi de R$0,65/100 kcal para a população total, com variações observadas entre os níveis de renda, regiões geográficas e áreas domiciliares. Um custo menor foi observado no território de menor renda (R$0,60/100 kcal) em comparação com o território de maior renda (R$0,70/100 kcal).

Regionalmente, o Nordeste apresentou o menor custo (R$0,58/100 kcal) em comparação com o Sudeste (R$0,71/100 kcal), e as áreas rurais tiveram um custo menor (R$0,53/100 kcal) do que as áreas urbanas (R$0,69/100 kcal). 

Dietas saudáveis e sustentáveis são aquelas dietas que são saudáveis para o corpo e para o planeta. Ela baseia-se no consumo de frutas, hortaliças e alimentos de origem vegetal, como grãos e leguminosas, além da redução do consumo de alimentos ultraprocessados.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os preços globais dos alimentos aumentaram 11% em 2022, tornando uma dieta saudável inacessível para 2,83 bilhões de pessoas. 

No Brasil, o alto custo da dieta EAT-Lancet em comparação com dietas típicas apresenta desafios substanciais para sua adoção, especialmente entre famílias de baixa renda. O aumento dos preços dos alimentos minimamente processados e frescos dificulta o consumo, o que evidencia a interseção entre a insegurança alimentar global e as disparidades socioeconômicas locais.

O custo da dieta está diretamente relacionado à sua composição. Ou seja, dietas de menor custo tendem a incluir menos carnes, laticínios, hortaliças e frutas, no qual o aumento do preço torna-os menos acessíveis para grupos de baixa renda, e um aumento no consumo de carne vermelha, açúcar e alimentos ultraprocessados.  

“A transição para um padrão alimentar mais saudável e sustentável pode resultar em um aumento no custo médio da alimentação, especialmente para famílias de baixa renda. No Brasil, o custo para aderir à EAT-Lancet vai aumentar devido ao maior preço de certos alimentos recomendados, como frutas, hortaliças, e ainda peixes e nozes e castanhas, que são menos acessíveis em algumas regiões”, pontua. 

Impacto no meio-ambiente

Sabe-se que a produção de alimentos hoje é responsável por até 35% das emissões globais de gases de efeito estufa e impacta diretamente a biodiversidade e o uso da água. Além disso, mudanças no padrão alimentar, como o aumento no consumo de ultraprocessados e proteínas animais, elevam esse impacto, especialmente em países de baixa e média renda. 

A fabricação de alimentos ultraprocessados envolve processos industriais intensivos, que consomem muita energia e recursos naturais, além de ingredientes comumente utilizados nesses alimentos, como milho, soja e cana de açúcar, estarem associados ao desmatamento e a perda de biodiversidade. 

“Muitas vezes, estes alimentos dependem de embalagens plásticas e outros materiais que geram resíduos e demandam energia para produção e descarte. O transporte desses produtos, muitas vezes em longas distâncias, também contribui para as emissões”, completa a pesquisadora.

Já para a produção de proteínas animais, considera-se a pecuária como uma das maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa, especialmente o metano, que é liberado durante a digestão dos ruminantes, como as vacas. Além disso, a criação de animais requer grandes áreas de terra para pastagem e cultivo de grãos para a ração, o que frequentemente leva ao desmatamento. Para Thaís, “quando temos esses fatores combinados, temos um grande desafio para a sustentabilidade ambiental”.

Consumo de alimentos saudáveis x consumo de ultraprocessados

O consumo de frutas, hortaliças, grãos e leguminosas diariamente traz diversos benefícios para a saúde, como o aumento de nutrientes e vitaminas no organismo. Além disso, este consumo está diretamente ligado à prevenção de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) e uma melhora geral na qualidade de vida. “Alimentos que são de origem vegetal, como grãos integrais, as frutas e hortaliças, são essenciais”, afirma.

Fotos: CCS / Faculdade de Medicina da UFMG

Apesar disso, existe um aumento no consumo de alimentos ultraprocessados entre a população e, quando consumidos em excesso, trazem malefícios para a saúde, como a obesidade. Já quando se fala do consumo de carnes vermelhas, alguns estudos mostram que pode levar ao aumento do colesterol e até uma chance maior de desenvolver doenças como câncer, quando consumido de forma excessiva. 

“Quando consumidos em excesso (alimentos ultraprocessados, como os refrigerantes, salgadinhos,), vão estar associados a uma maior quantidade de calorias vazias, ou seja, eles vão ter uma alta concentração calórica e quase nada de nutrientes. A gente fala que é um consumo sem necessidade, porque quando é consumido não nutre o corpo, às vezes está alimentando momentaneamente, trazendo uma saciedade, mas que rapidamente ela é perdida”, pontua Thaís. 

Políticas públicas de saúde: como ajudar a população mais vulnerável a comer saudável?

Pesquisadora Thaís Cristina Marquezine Caldeira Foto: Arquivo Pessoal

A pesquisa concluiu que o menor custo dentro de cada dieta esteve relacionado ao menor impacto ambiental. Ao destacar as possíveis conexões entre saúde, sustentabilidade e economia, é possível contribuir para o debate contínuo sobre a construção de sistemas alimentares mais responsáveis e resilientes.

Dessa forma, é preciso desenvolver políticas públicas que incentivem a saúde e a sustentabilidade da alimentação no Brasil. Essas políticas são essenciais, como a rotulagem de advertência em alimentos processados já implementada. Além disso, esforços adicionais, como a implementação de incentivos fiscais para alimentos saudáveis simultaneamente à taxação de produtos não saudáveis poderiam promover uma dieta mais saudável, sustentável e justa para a população brasileira. 

“Acho que parte principalmente do poder público, da política, fazer uma mudança nesse cenário do preço dos alimentos para que todos possam acessá-los. Hoje está muito difícil consumir frutas e hortaliças, porque pesa muito no bolso da população”, conclui Thaís. 

Pesquisa: Custo de dietas saudáveis e sustentáveis no Brasil
Programa: Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Autora: Thaís Cristina Marquezine Caldeira
Orientadora: Rafael Moreira Claro
Data da defesa: 23 de janeiro de 2025

Saúde Com Ciência

No programa de rádio Saúde com Ciência desta semana, vamos conversar sobre dietas saudáveis e sustentáveis. Iremos investigar o que compõe uma dieta saudável, o custo de se alimentar adequadamente no Brasil e como as dietas saudáveis e sustentáveis se relacionam com a sociedade brasileira.

Ouça o programa na íntegra:

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelas principais plataformas de podcasts.