Desafios e alegrias da gestação na doença falciforme
04 de novembro de 2014
*Matéria publicada na edição 41 do Saúde Informa
“Quando soube, fiquei assustada e comecei a chorar”, diz a jovem Ana Paula Oliveira, de 16 anos, ao relembrar o momento em que confirmou a gravidez. Agora, já com a filha Luiza Vitória no colo, com pouco mais de um mês de vida, Ana Paula está mais tranquila: “Por enquanto está tudo bem, ela não me dá trabalho. O medo já passou”.
Ana Paula foi a primeira gestante do Projeto Aninha, iniciativa do Centro de Educação e Apoio para Hemoglobinopatias (Cehmob-MG) voltada para futuras mães com doença falciforme, que teve a doença diagnosticada pela triagem neonatal. Quando a jovem nasceu, em março de 1998, o diagnóstico precoce, acompanhamento e tratamento para a doença eram iniciados pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais, ação coordenada pela Secretaria de Estado de Saúde e realizada pelo Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad). O Cehmob-MG é uma parceria entre Nupad e Fundação Hemominas.
Considerada uma das doenças hereditárias mais comuns no Brasil, a doença falciforme é uma alteração genética que afeta o sangue e provoca diversas complicações, como a obstrução dos vasos sanguíneos, infecções e crises de dor. A gestação, nestas condições, é considerada de alto risco e requer muita atenção por parte dos serviços de saúde, com atendimento especializado e multidisciplinar.
No caso de Ana Paula, a gravidez só foi conhecida após o quarto mês. “A menstruação dela atrasou, como já havia ocorrido antes, e ela não sentiu nenhuma alteração”, explica a mãe da jovem, Fidelina dos Santos. Após fazer exames e ser encaminhada para o Ambulatório de Saúde Reprodutiva em Doença Falciforme do Projeto Atenção Especializada (PAE), do Cehmob-MG, a gravidez foi confirmada. “Na verdade, a consulta foi transformada como primeira consulta de pré-natal”, observa a professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG e médica do Cehmob-MG, Regina Aguiar.
Cuidados
A gravidez de Ana Paula exigiu diversos cuidados. Segundo Regina, a gestação na adolescência já representa um agravo à saúde pelas possíveis complicações biológicas e consequências ligadas a aspectos sociais e emocionais. Ainda, no caso da jovem, somaram-se as complicações da doença falciforme.
O acompanhamento da gestante foi feito semanalmente com consultas obstétricas e exames variados. “Ela recebeu transfusões sanguíneas, por ter tido um acidente vascular encefálico ainda criança, e teve acompanhamento com hematologista a cada duas semanas”, informa a médica.
Como conta Regina, o fato de a gestação ter sido identificada tardiamente gerou preocupação e angústia na equipe médica: “Essa situação reforça um dos grandes desafios a se enfrentar, que é a organização do cuidado com a saúde reprodutiva dos indivíduos com doença falciforme e que agora chegam à adolescência com melhores condições de saúde, uma vez que foram triados no período neonatal e tiveram acesso a cuidados especializados.”
Atenção Especializada
“Um dos pontos importantes do Aninha é realizar uma medicina preventiva em relação à gravidez na doença falciforme”, explica a supervisora técnica do Cehmob-MG e coordenadora do Projeto, Milza Cintra.
Contudo, como explica Milza, o ideal é que, antes mesmo da gravidez, mulher e profissional possam definir juntos o melhor momento para a chegada do bebê. Nesse sentido, o PAE propõe organizar o fluxo de atendimento das diferentes especialidades envolvidas na atenção à pessoa com doença falciforme, dentre elas, o aconselhamento reprodutivo.
“Temos que pensar numa forma de todas as crianças triadas para a doença falciforme, a partir de 1998, serem encaminhadas para a saúde reprodutiva no nosso projeto. Assim, é possível que a futura mamãe se estruture em termos sociais e físicos para iniciar uma gravidez.”defende Milza.
“Não tive tempo de falar para minha filha como evitar, agora é aceitar, estamos felizes”, diz Fidelina. Daqui para frente, Ana Paula e o pai da criança, José Victor, de 20 anos, enfrentarão novos desafios. “A responsabilidade é maior que cuidar de uma boneca”, brinca a mãe de primeira viagem.