Desigualdade de gênero no bloco cirúrgico: mulheres são minoria entre cirurgiões

Levantamento do Colégio Brasileiro de Cirurgia aponta que as mulheres representam apenas 21,7% dos profissionais da cirurgia geral


01 de agosto de 2022 - , ,


* Maria Eduarda Andrade Mendonça

Foto: Pixabay

As mulheres têm ganhado mais espaço na Medicina durante os últimos anos. Entretanto, algumas especialidades médicas ainda refletem uma desigualdade de gênero significativa, como a cirurgia geral, que tem apenas 21,7% de profissionais do sexo femino, segundo dados do Colégio Brasileiro de Cirurgia (CBC).

De acordo com a professora Soraya Sanches, do Departamento de Cirurgia (CIR) da Faculdade de Medicina da UFMG, “muitas pessoas não acreditam nas mulheres, então quando ela vai pleitear uma vaga junto com os homens, é um processo muito difícil”, conta a cirurgiã. 

Professora Soraya Sanches. Arquivo pessoal

Além da notável desigualdade de gênero na cirurgia geral, outras especialidades cirúrgicas também apresentam essa discrepância. As profissionais representam apenas 8,8% dos neurocirurgiões. Mas é a urologia em que há maior predominância masculina, com as mulheres sendo apenas 2,3%, conforme levantamento do CBC em 2021. 

Soraya Sanches afirma que enfrentou muitos desafios durante a sua carreira, principalmente no período da residência, mas reforça que as profissionais devem persistir.  “Uma coisa que a universidade nos permite é o mérito, se você sabe e faz uma boa prova, ninguém vai conseguir te tirar do lugar que você conquistou. É claro que a gente recebe críticas e, às vezes, um pouco de assédio pelo fato de ser mulher, porém se é isso que eu quero, devo tentar vencer as barreiras do mercado de trabalho”, diz a professora. 

Professora Débora Balabram. Arquivo pessoal

Principais desafios

Dentre os inconvenientes a serem enfrentados pelas cirurgiãs, o questionamento acerca de suas habilidades técnicas e cognitivas é marcante. Segundo a professora Débora Balabram, também do CIR, alguns pacientes já a indagaram se “o médico” não iria avaliá-los. “Na época que eu dava plantão, eu fazia sutura. Depois de orientar os pacientes sobre os cuidados e medicamentos,  era comum perguntarem ‘mas o médico não vai vir me ver?’, sempre no masculino. Eu não sei se era por ser mulher ou por ter cara de mais nova”, conta a cirurgiã. 

Além disso, a responsabilidade em relação à criação dos filhos é uma tarefa secularmente atribuída às mulheres. Por isso, as profissionais que se dedicam a áreas que exigem muito de seu tempo, como a cirurgia, são questionadas sobre a impossibilidade de equilibrar vida profissional e familiar. 

“Qualquer carreira profissional vai ter seus momentos difíceis, mas o ônus da maternidade é da mulher. Hoje, a gente escuta ‘ah o pai ajuda’, mas o que é ajudar?”

Reflete Débora

Para a professora Soraya, equilibrar vida profissional e familiar é totalmente possível, como em qualquer outra profissão. “A gente tem que saber dividir o tempo da gente. Porque a qualidade da relação é melhor que a quantidade de tempo”, afirma ela. 

Perspectivas para o futuro

Apesar da numerosa presença masculina na cirurgia, as professoras têm esperança em um futuro mais igualitário. A docente Soraya, que realizou sua residência na década de 1990, destaca algumas alterações importantes no contexto profissional das mulheres: “Eu vivia em outra época, então naquele período a palavra assédio nem existia. Mas hoje a realidade social e profissional das mulheres está começando a mudar. Atualmente sou coordenadora da residência do aparelho digestivo e, neste ano, tenho três residentes mulheres e um homem”, conta. 

Dentre os motivos que impulsionaram essa recente inserção das mulheres na cirurgia, as docentes do CIR destacam a criação de redes de apoio femininas como uma iniciativa primordial para encorajar as profissionais. Para a professora Soraya, é essencial ter o suporte de quem passa pelas mesmas dificuldades que você. 

Na Faculdade de Medicina

Liga Acadêmica de Mulheres na Cirurgia (LIAMC)

Em 2020, estudantes da Faculdade de Medicina da UFMG fundaram a Liga Acadêmica de Mulheres na Cirurgia (LIAMC), a primeira liga brasileira associada à Association of Women Surgeons, instituição internacional que busca fornecer apoio às cirurgiãs em todos os estágios de suas carreiras, da faculdade à aposentadoria. 

A LIAMC conecta alunas da UFMG que almejam seguir a área da cirurgia com profissionais já atuantes, promovendo workshops, aprimoramento de técnicas cirúrgicas e noções de networking. 

Para as docentes, iniciativas como a LIAMC também são importantes para que as estudantes conheçam mulheres referência na área, sob a perspectiva de encorajamento. “É importante haver cirurgiãs referência para que as alunas possam se espelhar. Se elas tiverem somente preceptores homens, elas não irão nem pensar nessa possibilidade profissional”, defende a professora Débora. 

“Você não pode se abater se uma pessoa te criticar. As mulheres podem fazer o que elas quiserem, basta que elas lutem: trabalhem e estudem, que elas vão conseguir”

encoraja a professora Soraya Sanches

* Maria Eduarda Andrade Mendonça – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro