Desnutrição infantil cresce na pandemia e compromete desenvolvimento de crianças

Obesidade e insegurança alimentar são principais fatores para aumento.


06 de dezembro de 2021 - , , , , ,


*Maria Beatriz Aquino

De acordo com o Relatório realizado pela ONU em 2021, mais de 149 milhões de crianças menores de cinco anos sofrem de desnutrição crônica no mundo. No Brasil, até o mês de setembro foram registradas 3. 061 mortes de crianças com até nove anos também por esse motivo, de acordo com a plataforma do DataSUS, do Ministério da Saúde. A insegurança alimentar que cresce no país – consequência da crise política e econômica -, e o aumento da obesidade neste período de pandemia levam a desnutrição infantil, com impactos no desenvolvimento durante a infância. 

Em entrevista concedida ao programa de rádio Saúde com Ciência (ouça aqui), o  professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Clésio Gontijo do Amaral, observa que em grande período da pandemia as crianças ficaram ociosas, uma vez que passaram mais tempo em casa e longe da escola, o que prejudicou hábitos alimentares. “As crianças passaram a receber mais orientação da internet do que dos professores e isso contribuiu muito para um prejuízo da alimentação”, conta o professor.

E diferentemente do que se imagina, o sobrepeso não é sinal de nutrição. Pelo contrário, ele contribui para maior deficiência de vitaminas e minerais. 

“O obeso, na verdade, tem um excesso de caloria e lipídio e déficit de micronutrientes fundamentais. Isso é muito importante da gente entender, porque ao invés dessas condições parecessem opostas, elas estão no mesmo plano”, esclarece Clésio Gontijo do Amaral, especialista em nutrologia pediátrica. 

Insegurança alimentar 

Levantamento feito neste ano pelo Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estimou que 340 milhões de crianças menores de cinco anos de idade ainda sofrem de deficiências de vitaminas e outros micronutrientes essenciais para o crescimento. 

A insegurança alimentar pode ter vários níveis, como a substituição de alimentos ricos em nutrientes e vitaminas, por alimentos mais baratos, muitas vezes ricos em farinhas e açúcares. Mas no nível mais grave, a família chega a ficar sem alguma das refeições. E esse cenário tem sido cada vez mais comum. 

Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde (SISVAN) mostram que, de janeiro a outubro deste ano, apenas 26% por cento das crianças atendidas nos serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS), entre dois e nove anos, realizavam as três refeições básicas ao dia: café da manhã, almoço e jantar.

A desnutrição leva ao enfraquecimento do corpo, prejuízos no desenvolvimento físico e mental da criança e aumento da probabilidade de doença, uma vez que afeta o sistema imunológico. 

Crianças indígenas 

A desnutrição também tem atingido populações indígenas. Segundo relatório de Violência contra Povos Indígenas, lançado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), somente em 2020, 776 crianças indígenas, com até cinco anos, morreram no Brasil por causas evitáveis. Entre essas causas, está a desnutrição. Outro exemplo é o da população Yanomami, que já atingiu 7% de mortes por desnutrição infantil entre 2019 e 2020. Esse cenário é reflexo, principalmente, do garimpo ilegal nessas terras.  

Para Amaral, o garimpo favorece a contaminação das águas e do meio ambiente, o que interfere diretamente na alimentação e estilo de vida dessa população.

“O garimpo vai levando uma série de prejuízos, não só do ponto de vista de desmatamento, mas também a liberação de produtos químicos e causa intoxicação. Então isso vai gerando uma alteração ambiental bastante comprometedora”, avalia o professor. 

Questionado sobre a representação da criança indígena, Clésio Amaral observa que existe um imaginário no qual essas crianças são fortes e não vulneráveis. No entanto, ele afirma que não há comprovação científica quanto a isso. 

“O problema é justamente essa má distribuição de renda, que não tem a ver com etnia. Alimentação é básica, ninguém deveria ter problema com esse aspecto, mas a gente sabe que existem aspectos que levam a sociedade a não ver o lado do outro mais vulnerável”, analisa. 

Tratamento

É comum supor que o tratamento para casos de desnutrição estaria em aumentar as refeições e porções durante o dia. Mas o professor especifica que é preciso, primeiramente, identificar se o estado é grave e recuperar os sinais vitais: hidratar e controlar a pressão. Somente em um segundo momento pode-se, então, focar em uma dieta hiperproteica, hipercalórica, repor vitaminas e também minerais. Além disso, é fundamental o acompanhamento multiprofissional e familiar.

“O ideal é que tenha um pediatra, uma nutricionista e um fisioterapeuta, porque eles ajudam muito nesse processo de recuperação do desenvolvimento neuropsicomotor. A família também precisa entender o que está acontecendo e se manter engajada no tratamento”, conclui. 

Saúde com Ciência

Para mais informações sobre os efeitos da desnutrição ao longo da vida, confira o programa de rádio Saúde com Ciência desta semana. O progama é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.

*Maria Beatriz Aquino – estagiária de Jornalismo
Edição –
Karla Scarmigliat

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