Em depoimentos, professores da Faculdade refletem sobre a docência durante a pandemia

Se reinventar, valorizar a presença física e avançar nas metodologias do ensino à distância foram alguns dos pontos citados.


14 de outubro de 2022 - ,


Se reinventar, valorizar a presença física e avançar nas metodologias do ensino à distância foram alguns dos pontos citados por docentes da Faculdade de Medicina da UFMG em depoimentos escritos no primeiro Dia do Professor após a volta ao regime de aulas 100% presencial. 

As consequências da chegada do vírus causador da covid-19 levaram a UFMG a repentinamente suspender as atividades presenciais no dia 18 de março de 2020. Os meses que se seguiram impactaram os cursos da área da saúde de maneira singular, com ações imediatas de pesquisa e extensão para enfrentamento e mitigação da crise sanitária. 

Além das novas iniciativas, a Faculdade de Medicina viveu o retorno às atividades presenciais de forma distinta de outras unidades. Um exemplo disso foram as disciplinas dos internatos (períodos finais do curso de Medicina), que voltaram ainda em 2020. A vacinação permitiu a conclusão do retorno 100% presencial em março de 2022.

A pedido do Centro de Comunicação Social (CCS), 12 professores deram depoimentos sobre como esse processo transformou sua docência.

Leia abaixo:

Stela Maris Aguiar Lemos – Departamento de Fonoaudiologia
O maior desafio de ser professora na pandemia foi acompanhar o processo de ensino-aprendizagem. A distância física impediu a interação constante, o olhar nos olhos e a percepção dos sentimentos vivenciados na rotina universitária. Mais que conteúdos e metodologias, o estar junto é fundamental no ato educativo. A vivência da docência na pandemia acarretou um olhar mais generoso para os desafios enfrentados pelos estudantes no cotidiano. Hoje sigo valorizando os momentos de diálogo coletivo e a criação de momentos de conversas individuais com os estudantes.

Marco Antonio Gonçalves Rodrigues – Departamento de Cirurgia
A pandemia trouxe desafios a todos nós. Para professores de Medicina, os desafios foram especialmente complexos. Em primeiro lugar, foi preciso nos mantermos informados e atualizados sobre um assunto novo, para podermos divulgar os novos conhecimentos e as adequadas orientações para o contingenciamento da crise sanitária. Como formadores de opinião, foi também essencial nos posicionarmos incansável e cotidianamente (por meio de palavras e atos) a favor da Ciência, da Bioética e de seus preceitos, na universidade e, principalmente, extra-muros. 

Como membro do Núcleo Docente Estruturante e Chefe de Departamento, atuamos para ajudar a definir e divulgar as diretrizes que viriam a orientar as atividades remotas e híbridas, nesta fase tão difícil e delicada. Para viabilizarmos o ensino remoto emergencial, precisamos nos desdobrar em criatividade e árduo trabalho para gravarmos inúmeras videoaulas e, em tempo recorde, prepararmos vários casos clínicos bem ilustrados para nossos encontros síncronos com os estudantes, que num primeiro momento não puderam retornar para as atividades presenciais. Como orientadores de internos e residentes, muito antes da chegada das vacinas, precisamos estar nos cenários hospitalares, cuidando dos pacientes, mas igualmente preocupados com a saúde de todos da equipe e de seus familiares. Uma situação inusitada e estressante. 

Um outro desafio, este pessoal e intransferível, foi procurar cuidar da nossa saúde física e mental. Música, leitura, filmes, yoga, aeróbica e alongamentos em casa foram muito importantes, mas não conseguiram evitar uma grave lombalgia, herança das atividades remotas síncronas e das horas e horas que permanecíamos sentados, respondendo correio eletrônico e participando de várias reuniões administrativas. Por fim, posso garantir que todos nós, professores de Medicina, a partir das horas e horas de reflexão e das novas vivências, saímos mais maduros e preparados para a docência, mas mais cientes do que nunca que o contato presencial e a relação professor-estudante-paciente são fundamentais à adequada formação médica.

Sara de Pinho Cunha Paiva – Departamento de Ginecologia e Obstetrícia
Ser professora durante a pandemia foi muito desafiador pra mim, mas houve ganhos importantes:
– Aprender novas tecnologias foi muito bom e eu me alegrei por perceber que sempre podemos melhorar.
– Lidar com a presença virtual foi triste, pois os alunos permaneciam com as câmeras fechadas, mostrando um distanciamento muito importante.
– Estar distante fisicamente dos alunos me fez perceber o quanto eu gosto da PRESENÇA física.
– Apesar do distanciamento, foi importante este momento de PAUSA para o cuidado.

Helian Nunes de Oliveira – Departamento de Medicina Preventiva e Social
Não sabíamos como vencer a pandemia, mas aprendemos juntos. A força da ciência e ética do cuidado em saúde, somadas à cooperação de toda universidade e comunidade foram fundamentais.

Denise Utsch Gonçalves – Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia 
Certamente, a pandemia foi um desafio e mudou a minha forma de ensinar. Os cursos de Medicina sempre tiveram um enfoque no aprendizado presencial. De repente, vem a pandemia como um gatilho para levar o docente a “aprender a ensinar” de um jeito novo. A pandemia trouxe como legado positivo um “pensar diferente” sobre o que é um ensino à distância (EAD) de qualidade. Eu me apoderei de todas as ferramentas de EAD para ensinar bem, minha experiência foi excelente e os alunos me deram um retorno muito positivo. 

Maria do Carmo Barros de Melo – Departamento de Pediatria
Tive a oportunidade de trabalhar em muitos projetos relacionados à covid-19, investindo na educação a distância, divulgação de boas práticas e combate às fake news. A nova ala do Laboratório de Simulação ficou pronta. Tudo isto mudou a minha forma de atuação. Aprimorei a minha prática em educação a distância, ensino baseado em simulação e hoje vejo de forma mais clara a importância do docente assumir o seu compromisso social, defendendo a saúde, a verdade e a vida!

Unaí Tupinambás – Departamento de Clínica Médica
Exercer a docência durante a pandemia foi, sem dúvida, um grande desafio e também um momento de grande aprendizado. Tivemos que aprender a navegar nos espaços virtuais e, assim que possível, voltar para as atividades presenciais, sempre guiadas pelo Comitê da UFMG e Prefeitura. Estando à frente do enfrentamento e atuando em diversas frentes seja nos comitês, pesquisas clínicas e em projetos de extensão pude perceber o quão socialmente relevante é a tarefa do professor. Foi emocionante ver a cooperação entre o corpo docente de toda a Universidade, o empenho e dedicação de nosso corpo discente assumindo diversas tarefas, destaco aqui o Boletim Matinal e as Barreiras Sanitárias (foram inúmeras e seria impossível neste espaço enumerá-las). Fui testemunha também do compromisso dos técnicos administrativos nestas diversas frentes. Fazer parte desta comunidade durante a pandemia foi uma honra. Termino citando nosso patrono Paulo Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.

Críssia C. Paiva Fontainha – Departamento de Anatomia e Imagem
A docência possui desafios diários da “arte de professorar”. Na pandemia, particularmente, tivemos que nos remoldar para apreender novas tecnologias e saberes, a desinibirmos frente às câmeras, e, através das telas nos conectar com cada aluno que ali estava. Após a pandemia, veio-me o agradecimento e a felicidade por podermos nos reconectar presencialmente novamente. A relação professor-aluno nos permite “humanizar” a cada vivência. As ferramentas tecnológicas ficarão, assim como todas as reflexões e aprendizados da prática da docência que suscitaram na pandemia! 

Geraldo Brasileiro Filho – Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal
Na pandemia, os professores enfrentaram muitos desafios e tiveram de se adaptar. A primeira grande dificuldade foi utilizar os recursos computacionais. Adequar as aulas teóricas e práticas foi outra necessidade. A perda do contato pessoal teve enorme impacto; não tínhamos dimensão do quanto as relações humanas são essenciais nas nossas vidas! Garantir um mínimo de aprendizado foi o maior desafio; para os alunos, houve notório prejuízo. Contudo, também houve ganhos. Obrigados a aplicar as ferramentas de comunicação, percebemos que as janelas e o horizonte à nossa frente são muito amplos e que, com sabedoria, podemos avançar. Forçados a nos reunir remotamente, passamos a usar mais as reuniões virtuais: trocamos experiências, mantivemos intercâmbio com colegas do país e do mundo e participamos de eventos acadêmicos, científicos e profissionais. Assim e mesmo com tantas dificuldades e algum sofrimento, a experiência nos ajudou a enxergar mais longe e a dar passos adiante. 

Taciana de Figueiredo Soares – Departamento de Propedêutica Complementar
Durante esta pandemia, no seu pior momento, enfrentei um grande desafio, nunca imaginado, nem nos piores sonhos. Como professora desta casa e, na ocasião, também Coordenadora do Colegiado do curso de Medicina, busquei atender a todas as orientações da nossa Instituição no sentido de manter alunos e docentes unidos, fortes, confiantes de que teríamos as melhores respostas e proposições para atravessar aquela situação única. O sentimento de medo e de solidão, que por vezes se abatia sobre mim, era logo substituído pela sensação de que não estava sozinha e que a Ciência estava ao nosso lado organizando nossos pensamentos. Aprendi muito e certamente o resultado para a minha vida profissional é a sensação de que sigo mais forte e apta para superar adversidades. Espero ter me tornado uma pessoa e uma docente melhor. 

Cristina Costa Duarte Lanna – Departamento do Aparelho Locomotor
Em um primeiro momento, o desafio foi a interrupção do curso por quatro meses. Tínhamos muitas incertezas de quanto tempo ficaríamos em isolamento e como retornar remotamente. Tivemos que aprender a produzir material didático para as aulas remotas… Ao mesmo tempo, como médica e preceptora dos residentes de reumatologia do Hospital das Clínicas, continuei orientando alguns atendimentos presenciais no ambulatório, casos mais graves cujas consultas já agendadas não deveriam ser desmarcadas.

A partir de agosto de 2020, voltamos com o ensino remoto apenas. Em novembro de 2020, voltamos com aulas presenciais alternando com o ensino remoto. No ano de 2021, em agosto, voltamos com o ensino presencial. Cito os seguintes desafios:
– Tivemos que ficar atentos com as medidas de proteção para não adoecermos, cuidando também da proteção dos alunos, orientando os pacientes.
– Aulas remotas: preparação de casos clínicos.
– Vários alunos mantinham/mantêm as câmeras desligadas, tivemos que nos acostumar a dar aula para uma tela “preta”, ou a usar dois monitores. O contato visual é sempre muito importante para a docência. 
– Ausência de aulas práticas, o que impactou negativamente o aprendizado, pois o aluno aprende muito atendendo o paciente, estudando os assuntos do caso do paciente, interagindo com o paciente e os demais colegas. 
– Desenvolver novas e diferentes estratégias de ensino: produzimos material didático para o aluno como videoaulas, roteiros de estudos que ficaram disponíveis para consulta como uma pré-aula na página da Medicina, no nosso Departamento (Aparelho Locomotor). 
– Nosso compromisso com os pacientes estimulou a implantação das teleconsultas no HC em algumas especialidades. A nossa foi uma delas, para algumas consultas de retorno, facilitando para os pacientes do interior, diminuindo o movimento dentro do ambulatório.

Essa experiência mudou a minha forma de viver a docência, pois tivemos que nos adaptar ao ensino remoto. Aprendemos e desenvolvemos habilidades que não conhecíamos para preparar os materiais didáticos para uso remoto. Este foi um ganho, pois os materiais estão disponíveis no Youtube ou no site da Medicina, na aba do Departamento. A experiência não mudou o meu comprometimento, nem o amor e a alegria que dedico à docência. Usamos caminhos diferentes para atingir o mesmo objetivo: o ensino para a graduação, pós-graduação e para os residentes, e o cuidado dos pacientes.

Rodrigo Nicolato – Departamento de Saúde Mental
A pandemia pegou-nos de surpresa. Como médicos, professores, cidadãos, tentamos estudar os temas, se haveria algum agente terapêutico, consultando colegas e revistas científicas médicas para que pudéssemos nos orientar e para que enviássemos algum dado clínico significativo, para ajudar, de alguma forma, os que padeciam, diante do quadro infeccioso, ou dos que se preocupavam consigo mesmo, ou com seus familiares diante da possibilidade de infecção, sobretudo os mais frágeis, torcendo para que pesquisadores trouxessem vacinas e/ou anticorpos, no menor prazo possível. 

As assembleias do SAM eram diferentes, virtuais, mas com tantas dúvidas em como ensinar em momentos de pandemia, era um momento esperado e com possibilidade de reencontro, mesmo virtual. Muitos dos professores foram alunos ou meus professores também, em residência médica e pós-graduações, invertendo-se e horizontalizando as relações e favorecendo o dinamismo do ensino. As primeiras aulas, à distância, foram psicoterápicas para mim – eu queria falar sobre situações amenas, sobre atividades esportivas e sobre psiquiatria, também logicamente – eram ótimos momentos – mimetizavam-se situações reais de ensino e psiquiatria prática – talvez eu precisasse mais dos alunos do que eles de mim… 

Leia o texto completo no artigo de opinião “Conflitos de um professor em tempos de pandemia: muito mais que Covid – em busca de resiliência”, que será publicado no site da Faculdade na semana que vem.