Envelhecer com síndrome de down: desafios vão além da infância
21 de março de 2019
No Dia Nacional da Síndrome de Down, entenda como a condição influencia a vida de adultos e idosos
*Guilherme Gurgel
“Não sou criança. Trate quem tem síndrome de Down como adulto”, pede Luisa Camargos, 25 anos, estudante de Relações Públicas e com a condição. Assim como ela, a representatividade de pessoas com Down, principalmente na fase adulta e idosa, é um grande desafio. Isso ainda hoje, com o aumento da expectativa de vida dos indivíduos.
Para o professor aposentado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, Mauro Ivan, essa evolução se deve aos cuidados durante a primeira fase da vida, essenciais para que a pessoa possa desenvolver toda sua capacidade, somados aos avanços da medicina e da genética. “Há algumas décadas, a média de idade estava abaixo de 40 anos. Atualmente, já está acima de 60 anos”, aponta. “É importante que façam brincadeiras, atividades físicas e intelectuais, idealmente com acompanhamento de uma equipe de saúde multiprofissional”, enfatiza.
Luisa acrescenta que, com esse estímulo, as pessoas com a síndrome podem se desenvolver dentro de seus limites e realizar todas as atividades de uma vida adulta comum. “É preciso acreditar no potencial das pessoas com síndrome de Down, eles podem fazer tudo: trabalhar, estudar, namorar e muito mais do que isso. São pessoas normais”, afirma.
O envelhecimento com Down
Com o aumento da expectativa de vida, também vem outras especificidades. O professor Mauro Ivan conta que, apesar das dificuldades durante a terceira idade serem as mesmas da população em geral, as pessoas com a distinção tem um envelhecimento mais pesado.
Acrescentando, a professora do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade, Érica Brandão, informa que esta questão está relacionada a uma diminuição precoce das capacidades cognitivas das pessoas com Síndrome de Down. “Os sinais se assemelham a um processo demencial, que se inicia entre 70 a 80 anos nas pessoas sem a síndrome, em média. Enquanto para quem tem Down, geralmente, acontece por volta de 50 anos de idade”, explica.
Esse fato também influencia até em relação às instituições de longa permanência, locais de acolhimento a idosos, que não são públicas. “Muitas vezes não aceitam indivíduos com síndrome de Down, por não saberem lidar com a deficiência intelectual. Na verdade esses idosos tem características muito semelhantes a quem tem doença de Alzheimer, por exemplo”, esclarece.
Educação, trabalho e família
“A partir da fase adulta, o indivíduo com a síndrome tem um ritmo de aprendizagem mais lento. Mas eu acredito que não há uma finitude. Sempre são estimulados pela adaptação a novos ambientes e aprendem muito com isso”, esclarece Erika. De acordo com ela, a capacidade de cada um é muito diferente. Alguns têm deficiência cognitiva mais severa, que pode impedir a realização de certas atividades. Enquanto outros têm a plena capacidade de levar uma vida como qualquer outra. “Existem alguns casos de pessoas com Down que se formam, trabalham e constroem família. Mas esses casos não são a regra, são exceção”, reconhece.

A vida de Luisa é uma dessas exceções: a estudante está no último semestre de sua graduação em Relações Públicas. Ela conta que, desde a infância, teve acompanhamento de fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo. Mas reconhece que, muitas vezes, os pais tem medo de deixar o filho com Down ter experiências e acabam infantilizando os filhos depois de adulto “Eu não senti nenhuma diferença por ser Down, mas tive que me dedicar mais, acreditar mais em mim”, lembra. “Eu aprendi vivendo muitas coisas. Trabalho desde os 18 anos de idade, vou a festas e faço viagens”, relata.
Entretanto, ela já passou por algumas dificuldades no mercado de trabalho por ter seu potencial subestimado e demorou a conseguir uma atividade profissional condizente à sua capacidade. Por muito tempo a colocaram para exercer funções que ela considerava muito simples.
Incluir é mais do que aceitar
A professora Érica acentua que as políticas públicas ainda têm muito a avançar para incluir pessoas com síndrome de Down. “Acredito que deveria ser priorizada a inclusão social, ao invés de um cuidado individualizado. Deveria ser concomitante, já que a própria inclusão desenvolve muito o indivíduo. Inclusive, as pessoas com Down tem essa característica de serem sociáveis, o que já facilita”, declara.
Na área da educação, por exemplo, o professor Mauro Ivan comenta que as escolas, principalmente as públicas, não conseguem incluir os estudantes com a condição. “Simplesmente colocá-los numa sala junto a dezenas de outros alunos não é inclusão. Essas instituições, principalmente as públicas, não costumam ter um preparo para receber alunos com deficiência intelectual, e nem qualquer outro tipo de deficiência”, comenta.
Pensando nessa questão, a estudante Luisa, junto a sua irmã, está desenvolvendo um projeto para que jovens adultos com síndrome de Down possam ser verdadeiramente incluídos na vida social. “A gente se reúne com essas pessoas e vamos aos bares, eventos, assim como os jovens em geral”, comenta. Ela conta que se sente muito bem acolhida pela sociedade, mas percebe que a aceitação ainda não significa inclusão e está movendo esforços para quebrar os preconceitos com a condição.
*Guilherme Gurgel – estagiário de Jornalismo
Edição: Deborah Castro