Especialistas avaliam uso de ventilador compartilhado em situações extremas

Estudo experimental sugere uso durante seis horas e se baseia em situações de desastres.


02 de abril de 2020 - , , ,


Imagem: Divulgação/Freepik

O pico da pandemia de coronavírus no país ainda está por vir. E para evitar a escassez de estrutura básica de atendimento – uma realidade cruel em alguns países – várias iniciativas criativas estão surgindo. Uma delas é o uso compartilhado de ventiladores para atender até quatro pessoas. A ideia traria uma vantagem significativa no processo, aliviando a saturação de equipamento nos grandes centros. Porém, especialistas advertem que é preciso avaliar bem as variáveis da ação proposta, antes de colocá-la em prática, sob o risco de agravar situações na busca soluções.

O ventilador mecânico é usado para tratar os casos mais graves da covid-19, quando o paciente apresenta síndrome respiratória grave, quadro que compromete o funcionamento dos pulmões. “O pulmão fica encharcado por líquido, o que dificulta respiração e a troca gasosa no pulmão (que leva oxigênio e elimina o gás carbônico). Como o esforço para manter essa troca é muito grande, o paciente precisa desses respiradores artificiais”, explica a professora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Maria Aparecida Camargos Bicalho.

Os aparelhos normalmente ficam disponíveis em leitos de unidades de terapia intensiva (UTI). Mas se houver grande procura antes que o sistema de saúde esteja preparado, é possível que falte. Esse foi o caso da Itália, que chegou a registrar 969 óbitos em apenas um dia. Boa parte deles, por falta de respiradores.

Compartilhamento

Foi na Itália também que se teve relato do uso compartilhado de ventiladores, numa situação extrema de escassez. Mas a professora Maria Aparecida Camargos Bicalho alerta que o compartilhamento não é aprovado e, por isso, pode ser uma saída apenas para situações de catástrofes, quando todos os recursos foram exauridos e não houver mais possibilidade de respiradores.

“Não temos estudo aprovando a eficácia; o estudo que temos é experimental e com pulmões artificiais”, destaca a professora.

O estudo experimental foi publicado em 2006 e se baseia em situações de desastres, como terremotos que ocorrem na costa americana e no desastre de 11 de setembro. No estudo, seria possível ventilar até quatro pessoas com o uso de tubos e conexões, durante quase seis horas, até que outro respirador chegue.

“Não sabemos qual o risco de contaminação e não seria possível realizar em pulmões com tamanhos muito diferentes (de uma criança e de um adulto, por exemplo) e nem individualizar parâmetros para ventilação”, aponta Maria Aparecida.

São considerados parâmetros, por exemplo, o volume de ar ofertado ao paciente, pressão, frequência respiratória e quantidade de oxigénio, que variam de acordo com a necessidade de cada paciente.

“Por isso, seria um uso em situação extrema e, mesmo assim, uma decisão difícil de tomar, que deve se embasar em parecer das sociedades médicas e com autorização das famílias. Espero que nunca precisemos disso”, deseja a professora.

Preocupação

Porém, o clima entre as autoridades de saúde é de preocupação. Em coletiva de imprensa nessa quarta-feira, 1º de abril, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, alertou sobre a dificuldade para a aquisição dos respiradores. Segundo ele, os equipamentos já tinham sido comprados, na Argentina, mas os fornecedores alegam não ter como entregar.

“Nós estávamos comprando, tínhamos quando começamos a pedir, entregaram a primeira parte, na segunda parte, mesmo com eles contratados, assinados, com o dinheiro para pagar, quem ganhou falou ‘eu não tenho mais os respiradores, não consigo te entregar’”, disse.

“Pode ser que, dependendo da demanda, se o número de casos for muito maior que o de respiradores, exista uma situação na qual os equipamentos não sejam suficientes. Mas ainda não sabemos”, comenta Maria Aparecida Camargos Bicalho.

Para enfrentar esse cenário de escassez,  Mandetta disse ser preciso redobrar os cuidados com isolamento social.

Parecer técnico

Do ponto de vista mecânico, o compartilhamento do respirador seria viável e com custo reduzido, de acordo com o professor da Escola de Engenharia da UFMG, Rudolf Huebner. “É uma peça muito simples, que chamamos de divisor de fluxo. Mas não é uma solução eficiente e nem de longe a ideal. Os pacientes teriam que ter quadros muito parecidos, além de ter o acompanhamento de um médico e um engenheiro mecânico”, afirma. 

Para o Huebner, estratégias como a criação de novos equipamentos ou o compartilhamento devem ser desenvolvidas com muito cuidado, para que a segurança dos pacientes seja garantida.

“A universidade tem o papel de nortear decisões e somar esforços para enfrentar o problema. Por exemplo, é possível fazermos protótipos para a construções de ventiladores, mas temos que lembrar que é preciso verificar várias variáveis e submetê-las a aprovação antes para garantir a segurança, o que pode levar bastante tempo”, avalia.

Em Minas

Por isso, o professor conta que neste momento coordena grupo de professores, técnicos e profissionais da UFMG para reparos nos ventiladores que estão parados em Minas Gerais.

“O que estamos tentando fazer, em parceria com o Senai e outras indústrias, é ver o que temos de ventiladores e ver quais estão funcionando e quais estão parados para que possam voltar com eles para os hospitais”.

Conforme dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, dos 6.289 ventiladores mecânicos que existe em Minas Gerais, 5.950 estão em uso em hospitais públicos, particulares e ambulâncias. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), a manutenção dos equipamentos é de responsabilidade do estabelecimento de saúde, ou seja, do hospital.

No último sábado, 30 de março, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), anunciou em rede social que o Estado vai produzir válvulas para a montagem de respirador artificial, que também serão repassadas para outros estados brasileiros e até para o exterior. Segundo Zema, três empresas que recebem investimentos da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) vão produzir as peças.

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