Estudo avalia fatores associados ao tromboembolismo venoso em brasileiros internados com covid-19

Análise conta com uma das maiores amostras dentre os estudos sobre o tema. Dados contribuem para a identificação de um grupo com maior risco trombótico, possibilitando atenção mais qualificada ao paciente, por contribuir para o diagnóstico e tratamento precoces do tromboembolismo venoso.


28 de setembro de 2022 - , , , ,


O tromboembolismo venoso (TEV), formação de coágulos na corrente sanguínea, está associado ao risco aumentado de morte na infecção pelo coronavírus. Entender quando há maior probabilidade de ocorrer esse quadro permite o melhor monitoramento pela equipe de saúde, além das tomadas de decisão para ações de prevenção do agravamento. Por isso um grupo de pesquisadores, coordenado pela Faculdade de Medicina da UFMG, analisou dados de pacientes adultos internados com covid-19, em busca de compreender quais fatores de risco clínicos e laboratoriais influenciam a ocorrência dos eventos tromboembólicos.

De acordo com Warley Silveira, pesquisador responsável pela análise, feita em seu mestrado na Faculdade de Medicina, apesar da elevada incidência de tromboembolismo venoso em pacientes com covid, ainda há muitas incertezas sobre os fatores de risco determinantes para que essa complicação ocorra em alguns pacientes internados e em outros não. Portanto, seu estudo, ao integrar o corpo de evidências disponíveis, contribui para atenuar essas incertezas.

Encontrando padrões nos quadros de tromboembolismo

Nesse estudo observacional, Warley avaliou os dados de pacientes adultos internados em 16 hospitais dos 37 que integram o Registro Hospitalar Multicêntrico Nacional de Pacientes com Doença Causada pelo SARS-COV-2. 16 centros foram selecionados por apresentarem uma taxa menor de perdas de dados em relação à dosagem de D-dímero, o preditor de TEV que tem aparecido mais consistentemente nos estudos sobre o tema em pacientes com covid-19.

“Todos os dados foram coletados por equipe treinada e lançados na plataforma eletrônica do REDCap, sendo incluídos apenas dados referentes à admissão hospitalar, já que o intuito era identificar pacientes em maior risco de TEV da maneira mais precoce possível, possibilitando o diagnóstico e tratamento precoces dessa complicação”, comenta Silveira.  

Além de avaliar a taxa de TEV sintomático, confirmado por imagem, e os potenciais preditores de sua ocorrência, o estudo analisou o impacto prognóstico do tromboembolismo sobre a mortalidade, necessidade de ventilação mecânica invasiva e terapia de substituição renal.

Warley ressalta que um dos principais diferenciais desse estudo foi a combinação da estatística tradicional com métodos de aprendizado por máquina. “Diferente dos estudos disponíveis sobre o tema, além da regressão logística – tradicional técnica para apontar a probabilidade das ocorrências-, essa análise estatística foi realizada também por machine learning – um método de aprendizado automatizado que consegue reconhecer padrões-. Assim, com esses métodos complementares, foi possível obter uma identificação mais ampla dos preditores de risco”, acrescenta.

Foi confirmado tromboembolismo venoso em 274 pacientes, 6.7% dos 4.120 incluídos no estudo.

Dentre os preditores de risco de TEV identificados pela regressão logística, seis foram confirmados pela análise baseada em aprendizado automatizado: elevação de D-dímero, temperatura axilar, proteína C reativa (PCR), neutrófilos e lactato. Por outro lado, uma maior razão entre a saturação periférica de O2 sobre fração inspirada de oxigênio (SF ratio) foi fator de proteção para não desenvolver o quadro.

“Tanto a mortalidade, quanto a necessidade de ventilação mecânica invasiva e de terapia de substituição renal, bem como a taxa de sangramento, foi maior em pacientes com tromboembolismo venoso”,

Aponta pesquisador

O D-dímero foi o principal preditor identificado independentemente do tipo de análise realizada, reforçando os achados de outros estudos sobre o tema”, destaca Warley. “Para quem não está familiarizado, D-dímero é um produto da degradação da fibrina, ou seja, há um aumento desse componente na destruição natural dos trombos formados. Além disso, a elevação do D-dímero já é reconhecida como um importante marcador da citada coagulopatia associada à covid-19”, explica.

De acordo com Warley, os resultados podem ser usados tanto para orientação à prática clínica quanto como gerador de hipóteses para novos estudos.

“Por exemplo, uma grande dúvida é quando anticoagular o paciente internado por covid de maneira profilática, ou seja, usar a dose plena ou terapêutica, de anticoagulante antes de a trombose ocorrer, com intuito de preveni-la. Coincidentemente um estudo randomizado publicado no JAMA em outubro de 2021, sugeriu que a anticoagulação plena profilática pode ser benéfica em pacientes internados com D-dímero maior ou igual a 4 vezes o valor de referência, mesmo corte encontrado em nosso estudo como preditor de TEV”



afirma Warley Silveira, também médico do Hospital das Clínicas da UFMG e Hospital Metropolitano Odilon Behrens.

Outra possibilidade é ter como base os preditores identificados como orientação em caso de suspeita de tromboembolismo, o que, segundo Warley, “é um diagnóstico desafiador, já que há grande sobreposição de sintomas entre a pneumonia viral e a embolia pulmonar”. “Por isso é fundamental um baixo limiar de suspeição e a presença de algum ou alguns desses preditores podem nos auxiliar a, justamente, reduzir esse limiar”, conclui.

Este estudo faz parte do Registro Hospitalar Multicêntrico Nacional de Pacientes com Doença Causada pelo SARS-COV-2 (COVID-19), um projeto que inclui 37 hospitais brasileiros, localizados em Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Pernambuco, sendo coordenado pela professora Milena Marcolino, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Há apoio científico da Fapemig, IATS, CNPq e Capes. Os dados correspondem ao período de março a setembro de 2020.

Acesse o artigo em pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35648280.