Estudo identifica prevalência elevada de dor de dente em vítimas da barragem do Fundão

Por meio de uma associação inédita entre a tragédia, saúde bucal e saúde mental dos afetados, a pesquisa aponta a dor como mais um impacto do maior desastre ambiental da história do Brasil. Para a pesquisadora, essa também pode ser uma ocorrência pós pandemia


04 de novembro de 2020


O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Mariana-MG, em 2015, tornou vulnerável a saúde dos atingidos, com relatos de doenças de pele, respiratórias e mentais. Agora um estudo inédito também aponta, como consequência da tragédia, a prevalência elevada de dor de dente entre as vítimas. A análise foi defendida como tese pelo Programa de Pós-Graduação em Neurociências da UFMG, com orientação dos professores da Faculdade de Medicina.

A pesquisadora e cirurgiã-dentista, Paula Mendes, conta que é a primeira vez que um trabalho associa saúde mental, desastres e saúde bucal, usando a dor nos dentes como variável de interesse. “As evidências sugerem uma inter-relação entre saúde bucal, mental e geral. Os indivíduos afetados por desastres são mais propensos a desenvolver distúrbios mentais e doenças bucais. Além disso, estudos anteriores sugerem que a saúde bucal está associada à percepção geral da saúde, autoestima e qualidade de vida”.

De acordo com ela, há uma defasagem na assistência odontológica nas equipes de recuperação das famílias sobreviventes em Mariana, mesmo tendo sido constatado que a saúde bucal é uma das principais queixas dessa população”. No seu estudo, os atingidos do desastre apresentaram prevalência elevada de dor nos dentes quando comparados aos dados da população geral brasileira. E esse sintoma bucal se associava com a satisfação dentária, transtorno de ansiedade generalizada e suporte social.

“A dor nos dentes foi encontrada em 17% da população de estudo, sendo essa porcentagem maior do que os dados nacionais e regionais do nosso país, incluindo a região Sudeste (onde aconteceu o desastre)”, afirma Paula. “Os atingidos que sobreviveram ao rompimento da barragem e foram diagnosticados com transtorno de ansiedade generalizada foram 2,5 vezes mais propensos a apresentar dor nos dentes. E a chance de apresentar dor nos dentes após o desastre aumentou em 4% para cada ponto na escala de satisfação com o suporte social”, pontua.

Com base em seus achados, Paula defende que não deve haver segregação entre saúde geral e saúde bucal, ou seja, que o dentista precisa estar na equipe de suporte das famílias sobreviventes ao desastre, para que sejam assistidos em sua integralidade, inclusive porque a literatura apresenta, enfaticamente, a associação direta entre saúde bucal e mental.

Dessa forma também, a população e profissionais da saúde devem se atentar a esses sintomas durante e após a pandemia do Sars-cov-2, “pois estamos vivendo um momento com estressor coletivo (covid-19) assim como ocorrera no desastre de Mariana”.

“O acompanhamento humanizado e multidisciplinar do indivíduo atingido por desastres é de fundamental importância para sua qualidade de vida. Nossos dados contribuem para demonstrar a situação de vulnerabilidade dessa população. Espero contribuirmos para elaboração de políticas públicas mais inclusivas e capazes de colaborar efetivamente para a reconstrução da vida dessas pessoas”, conclui Paula Mendes.

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