Estudo inédito avalia obesidade e doença hepática gordurosa não alcoólica em adolescentes com fenilcetonúria

O desafio nas restrições alimentares dos pacientes com fenilcetonúria leva ao consumo de opções calóricas. Isso significa que eles têm mais risco ou prevalência de obesidade e comorbidades associadas? É o que uma pesquisa da Faculdade procurou responder


02 de setembro de 2020 - , , , , , , ,


*Giovana Maldini

Pela primeira vez uma pesquisa verificou a associação entre a obesidade e a doença hepática gordurosa não alcoólica em adolescentes com fenilcetonúria. O risco da prevalência dessas comorbidades no grupo se deve a dieta restritiva que os pacientes devem seguir para evitar complicações, o que os levam a opções de alimentos calóricos.

A análise está na tese da nutricionista Adriana Márcia Silveira, defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG, e contou com a participação de cerca de 80% dos adolescentes com fenilcetonúria do estado de Minas Gerais.

Adriana explica que a doença hepática gordurosa não alcoólica é associada, na literatura, com o aumento de peso, maior consumo de calorias do que o necessário, sedentarismo e fatores genéticos. Além disso, a pesquisadora ressalta que há relação com a alta ingestão de açúcar presente em refrigerantes, sucos artificiais, doces e outros alimentos ultraprocessados, por exemplo, que são opções liberadas na dieta de pessoas com fenilcetonúria.

Texto: Eles usam uma fórmula metabólica que tem todos os aminoácidos que precisam, exceto a fenilalanina, sendo rica em vitaminas e minerais. O uso dessa fórmula torna a dieta hiperproteica (mas o consumo alimentar é pobre em proteínas naturais).

“Esses pacientes precisam ter uma dieta com baixo teor proteico*, o que se torna uma dieta rica em carboidratos e gorduras. Embora recomendamos que controlem esse consumo devido ao risco de sobrepeso e obesidade, os refrigerantes ou sucos artificiais, por exemplo, entram no grupo de alimentos permitidos, porque não têm proteína”, comenta Adriana.

“Então questionamos: o aumento de sobrepeso e obesidade nos pacientes reflete à população de forma geral, que vem aumentando o peso nas últimas décadas, ou seria característico dessa dieta da fenilcetonúria?”, acrescenta.

O primeiro resultado do seu estudo, com 101 adolescentes entre 10 e 20 anos incompletos (19 anos e 11 meses), mostrou a presença da obesidade em 27,7% daqueles com fenilcetonúria, taxa semelhante aos adolescentes sem o distúrbio, segundo a nutricionista. Além disso não apontou a predominância em algum sexo e chamou a atenção para as respostas em relação a divisão por idade e a associação com a doença hepática gordurosa não alcoólica.

Uma análise multivariada inédita

Foto da  nutricionista Adriana Márcia Silveira, autora de um estudo inédito sobre  fenilcetonúria, obesidade e  doença hepática gordurosa não alcoólica
A nutricionista Adriana Márcia Silveira, autora de um estudo inédito sobre fenilcetonúria, obesidade e doença hepática gordurosa não alcoólica

De acordo com Adriana, não há estudos que relacionam a doença hepática gordurosa não alcoólica à fenilcetonúria ou que analisem a fenilcetonúria exclusivamente em adolescentes. Além do ineditismo da sua pesquisa, a relevância dos resultados também se dá pela amplitude das análises, já que foram feitos diversos exames para coletar os dados dos pacientes. Entre eles, exame de sangue, ultrassom hepático, avaliação alimentar por meio de questionário e avaliação antropométrica de peso e altura para o cálculo do IMC. Uma coleta de dados que durou dois anos (2017-2018).

Com essas informações, ela dividiu seu estudo em dois, um para analisar a obesidade e sobrepeso e outro para analisar a doença hepática gordurosa não alcoólica, comparando os dados de adolescentes com e sem fenilcetonúria. No primeiro ainda foi organizado um subgrupo de acordo com a idade, com 46 adolescentes de 13 a 17 anos, faixa etária escolhida para equiparar à mesma utilizada na Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PeNSE), já que o objetivo era comparar a obesidade entre jovens sem fenilcetonúria com os adolescentes que têm a doença.

“Eram analisados dois pacientes por semana. Foi um tempo bem considerável. Um dos principais desafios foi a marcação com esses adolescentes, pois 68,3% deles eram do interior do estado e, muitas vezes, não conseguiam o contato, porque residiam na zona rural. Então precisei do agente comunitário de saúde (ACS) dos centros de saúde para ir até a residência da família e solicitar que fossem até o posto de saúde, para eu entrar em contato e explicar a pesquisa”, lembra.

Resultados X Literatura

Além do fato de os pacientes com fenilcetonúria não estarem mais propensos a desenvolver sobrepeso ou obesidade do que os sem o distúrbio, a nutricionista aponta outro achado importante:

“Os níveis elevados de fenilalanina no sangue e de colesterol LDL (colesterol ruim), junto ao indice homa aumentado (o que reflete a resistência a insulina), foram fatores que predispunham os adolescentes ao sobrepeso e obesidade. Já a idade mais velha dos adolescentes eram um fator protetor porque a gente observou que a obesidade era mais frequente nos adolescentes mais novos”

Do mesmo modo, a idade menor desses adolescentes era um fator de risco para ocorrência da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA). Outro fator associado encontrado foi sobre o consumo em excesso de carboidrato, aumentando em 20 vezes o risco de adolescentes com fenilcetonúria desenvolverem a DHGNA em relação aos com consumo adequado.

O consumo de proteína em excesso apresentou cerca de 9 vezes mais chance do desenvolvimento da DHGNA comparado com os adolescentes que não tinham o consumo proteico elevado; e em relação ao lipídeo, os adolescentes com menor consumo tiveram maior risco no desenvolvimento da DHGNA.

Adriana conta que outro resultado que chamou a atenção foi não haver correlação da doença hepática gordurosa não alcoólica com a obesidade. “Os resultados sobre a doença hepática gordurosa não alcoólica podem indicar que não teve diferença na ocorrência dessa doença entre os indivíduos com sobrepeso e obesidade, e entre os indivíduos eutróficos (peso adequado), diferente do que a gente encontra na literatura, a qual destaca a obesidade como fator de risco”, afirma Adriana.

Por mostrar que os principais fatores de risco para a doença hepática gordurosa não alcoólica estão relacionados ao consumo em excesso de carboidratos ou proteínas e baixo consumo de lipídeos, a pesquisadora acredita que o estudo é importante para conscientizar os jovens com fenilcetonúria a seguir o tratamento de forma adequada, com dieta equilibrada.

“É importante orientá-los a seguir a dieta adequadamente, sem exagerar no consumo alimentar, e os profissionais da saúde terem conhecimento desses resultados facilita na conscientização sobre a importância desse controle nutricional e metabólico, que previne a obesidade e complicações. De certa forma, também protege contra a doença hepática gordurosa não alcoólica, como sugerem os resultados”

Adriana Márcia Silveira

Com a pesquisa, foram produzidos dois artigos, e por meio deles, Adriana acredita que outros estudos sobre o assunto vão surgir. “Possivelmente, esse trabalho abriu portas para outras pesquisas. E elas deverão ser feitas, para conhecer mais os fatores associados da doença hepática gordurosa não alcoólica, relacionado à fenilcetonúria, que são diferentes da população de forma geral”, conclui.

Nome do trabalho: Sobrepeso/obesidade e doença hepática gordurosa não alcoólica em adolescentes com fenilcetonúria
Autora: Adriana Márcia Silveira
Nível: Doutorado
Programa: Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Saúde da Criança e do Adolescente
Orientador: Professor Marcos Jose Burle de Aguiar
Coorientadora: Rocksane de Carvalho Norton
Data da defesa: 30 de junho de 2020


*Giovana Maldini – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro