Estudo revela alta taxa de esplenectomias em crianças brasileiras e aponta desafios no manejo de lesões no baço
Pesquisa de grupo da Harvard Medical School teve participação de aluno de Medicina da UFMG.
23 de agosto de 2024 - Baço, crianças, Esplenectomia, Saúde Pública, sistema imunológico
Embora estejamos familiarizados com as funções do coração, pulmões e rins, pouco se fala sobre um órgão fundamental localizado próximo a eles: o baço. Este órgão, localizado no lado esquerdo do abdômen, desempenha um papel crucial na produção e regulação de anticorpos, além de ser responsável pelo armazenamento e filtragem do sangue. O baço também tem uma função vital no sistema imunológico, embora muitas pessoas desconhecem sua importância.
Lesões no baço podem ocorrer devido a impactos no lado esquerdo do abdômen, seja durante a prática de atividade física, em acidente de trânsito ou devido a doenças. Em casos graves, pode ser necessária a remoção do órgão, procedimento conhecido como esplenectomia. Durante essa cirurgia, o baço é retirado e suas conexões com outros órgãos são cortadas.
Uma pesquisa inédita realizada no Brasil, conduzida por um grupo de pesquisadores ligados a Harvard, com participação de Matheus Faleiro, aluno do sexto período do curso de Medicina na Faculdade de Medicina da UFMG, trouxe à tona dados alarmantes sobre o tratamento de lesões esplênicas em crianças no país. O trabalho, coorientado por Fábio Botelho, ex-Professor da Faculdade e atual cirurgião pediátrico do Hospital das Clínicas da UFMG, revela que 51,8% das crianças internadas em hospitais públicos brasileiros devido a lesões no baço acabam sendo submetidas à esplenectomia. Este índice é significativamente superior ao observado em países de alta renda, como Estados Unidos e Canadá, onde apenas cerca de 5% das crianças com trauma esplênico necessitam de cirurgia.
Diferenças entre serviços pediátricos e adultos
Um dos achados mais relevantes da pesquisa é a disparidade no tratamento das lesões esplênicas entre serviços cirúrgicos pediátricos e adultos. “Em crianças com trauma do baço, admitidas em serviços cirúrgicos destinados a adultos, notamos que há 14,77 vezes mais chances de serem submetidas à esplenectomia em comparação com aquelas admitidas em serviços pediátricos, onde o tratamento conservador é preferido”, afirma Matheus.
O tratamento conservador, que evita a cirurgia, tem sido considerado a abordagem ideal para lesões esplênicas em crianças hemodinamicamente estáveis, conforme evidências científicas recentes. No entanto, a pesquisa mostra que essa prática não é amplamente adotada no Brasil, o que levanta questões sobre as condições do sistema de saúde no país.
Fatores contribuintes
O estudo identificou diversos fatores que explicam a alta taxa de esplenectomias no Brasil:
Ausência de equipes cirúrgicas pediátricas dedicadas: Em muitas regiões, especialmente nas mais pobres, não há equipes dedicadas de cirurgiões pediátricos. “Os hospitais dependem de cirurgiões pediátricos de plantão, que frequentemente têm vários empregos e precisam se dividir entre diferentes hospitais, o que compromete o manejo não cirúrgico, que exige acompanhamento constante”, explica o pesquisador.
Desigualdade na distribuição de cirurgiões pediátricos: A pesquisa também destaca a distribuição desigual desses profissionais entre as regiões brasileiras. Nas áreas com menor número de cirurgiões pediátricos, a taxa de esplenectomias é maior.
Acesso insuficiente a serviços especializados: Mesmo em grandes cidades com um número adequado de cirurgiões pediátricos, o acesso a serviços especializados ainda é limitado, o que contribui para a dependência da cirurgia.
Falta de exames de imagem diagnóstica: Em algumas regiões, a ausência de exames como ultrassom e tomografia computadorizada dificulta o diagnóstico preciso e leva à maior dependência da cirurgia como método diagnóstico e terapêutico.
Ausência de diretrizes padronizadas: Outro ponto levantado pelo estudo é a falta de diretrizes brasileiras padronizadas para o manejo do trauma esplênico em crianças, o que pode estar contribuindo para o excesso de cirurgias.
Cuidados e prevenções para indivíduos Esplênicos
Apesar do baço não ser um órgão vital, a retirada desse órgão exige que o paciente adote cuidados especiais ao longo da vida, devido à sua função crucial no sistema imunológico. Sem o baço, a capacidade do corpo de combater infecções diminui, e outros órgãos, especialmente o fígado, assume parte da função de produzir anticorpos para proteger o organismo.
Para minimizar os riscos à saúde, é fundamental que pessoas que passaram por uma esplenectomia mantenham as vacinas em dia, especial atenção às vacinas específicas que protegem contra contra infecções graves causadas por bactérias. Além disso, é necessário um acompanhamento médico regular para monitorar a saúde e ajustar qualquer tratamento preventivo necessário.
Indivíduos esplenectomizados devem ser particularmente cuidadosos com ferimentos e acidentes. Cortes, mordidas de animais e outras lesões devem ser tratados com atenção imediata, incluindo desinfecção e, em alguns casos, uso de antibióticos para prevenir infecções.
Pensando no futuro
Os resultados deste estudo, conduzido pelos pesquisadores do Team Brazil, grupo colaborativo independente online do Program in Global Surgery and Social Change da Harvard Medical School, levantam uma importante reflexão sobre a necessidade de políticas públicas voltadas para a melhoria do acesso a cuidados pediátricos de qualidade. A pesquisa sugere a importância da adoção de práticas baseadas em evidências no tratamento de lesões em crianças. Além disso, a criação de diretrizes nacionais poderia padronizar o atendimento, promovendo maior segurança e eficácia no tratamento desses pacientes.
Matheus Faleiro, espera que esses dados incentivem uma reavaliação das práticas atuais, com o objetivo de reduzir as altas taxas de esplenectomia no Brasil. A meta é alinhar o país às melhores práticas internacionais no cuidado de crianças com lesões esplênicas, priorizando tratamentos mais conservadores e menos invasivos sempre que possível.
Leia o artigo completo
Atualizado em 28 de agosto.