Estudo revela prevalência de limitação no trabalho dos professores por problema de voz

Distúrbio vocal é principal fator para ausência ao trabalho dos professores. Prevalência do relato de ruído intenso nas escolas entre os participantes também chama a atenção


14 de dezembro de 2020 - , , , , , , ,


*Giovana Maldini

O Brasil tem cerca de 1,4 milhão de professores atuando somente no ensino fundamental, de acordo com o Censo Escolar da Educação Básica de 2019. É uma categoria ocupacional representativa no país e que está adoecendo cada vez mais no ambiente de trabalho, tendo os problemas na voz como principal queixa. De acordo com a tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, 1 em cada 3 professores relata limitação no trabalho por distúrbios vocais.

A pesquisa teve como metodologia o estudo “Educatel Brasil: análise dos condicionantes de saúde e situação do absenteísmo-doença em professores da educação básica no Brasil”, pesquisa desenvolvida entre 2015 e 2016, pelo Núcleo de Estudos Saúde e Trabalho (Nest), da Faculdade de Medicina da UFMG.

Segundo a fonoaudióloga e autora da tese, Bárbara Antunes Rezende, a partir da amostra de 6.510 professores da pesquisa Educatel, constatou-se que os educadores brasileiros estão expostos a condições de trabalho inapropriadas. Cerca de 33% dos entrevistados relataram prevalência de ruído elevado nas escolas no Brasil.

Aprofundando no problema

Bárbara conta que esse trabalho com foco na saúde vocal e condições de trabalho dos professores possibilitou e teve como grande diferencial “o aprendizado dos fatores associados à percepção de ruído intenso e a limitação no trabalho por causa da voz”.

A percepção de limitação das atividades docente devido ao distúrbio da voz, por exemplo, foi mais frequente por docentes que usavam medicamentos ansiolíticos ou antidepressivos; perdiam o sono por preocupações; que relataram alta exigência no trabalho e presença de violência verbal praticada pelos alunos. Além disso, a pesquisa apontou que os professores da região Norte e Nordeste do país têm mais chance de relatar limitação no trabalho por problemas na voz, comparados aos educadores da região Sudeste.

A prevalência de ruído intenso nas escolas brasileiras também mostra outro dado que merece atenção. O barulho intenso foi mais percebido por educadores que trabalhavam em escolas localizadas na região urbana; escolas com mais de 30 professores; por profissionais que trabalhavam com mais de uma etapa de ensino e que relataram piores condições organizacionais do trabalho como ter sofrido violência verbal pelos alunos e trabalhar sob alto nível de exigência.

De acordo com a autora, já era esperado que os resultados apontassem para condições de trabalho inapropriadas, considerando estudos prévios sobre a temática. No entanto, foi a prevalência disso que surpreendeu Bárbara. “A percepção do ruído intenso nas escolas brasileiras foi alta. Um terço dos professores perceberam a limitação do trabalho por problemas de voz.  A prevalência dos professores expostos à piores condições de trabalho foi elevada para cada evento de interesse e isso é um achado importante. Era uma hipótese que tínhamos e, com o estudo, comprovou ser real”, ressalta.

Ela acredita que esses resultados podem contribuir para a elaboração de políticas públicas que auxiliem os professores. O Distúrbio de Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT), por exemplo, foi incluído na lista de doenças ocupacionais neste ano. “Isso é um avanço, porque o professor que adoece devido às condições desfavoráveis no ambiente de trabalho vai ter respaldo legal”, comenta Bárbara.

Mesmo que o estudo Educatel revele condições de trabalho baseado em dados coletados entre 2015 e 2016, Bárbara afirma que, segundo a literatura, não tem havido melhoras ao longo do tempo. Pelo contrário, os profissionais estão passando por novos desafios, como lidar com problemas familiares de alunos e mudanças do ensino presencial para o remoto, devido à pandemia da covid-19.

“O professor não está dentro da escola, mas está lidando com muitos novos desafios, como as aulas virtuais e a preocupação com o processo de aprendizagem dos alunos. E nenhum professor se preparou para isso. Mesmo que não estejam expostos a ruídos no ambiente de trabalho, possivelmente tem a sobrecarga de tarefas. As pesquisas, daqui a algum tempo, vão apresentar os resultados desse novo contexto de aulas virtuais”, comenta Bárbara Antunes Rezende.

Como reverter esse quadro

Segundo a fonoaudióloga, existem projetos locais focados na saúde do professor, com estratégias individuais, como capacitação de docentes para cuidados com a voz, ou ações coletivas para evitar o adoecimento desses profissionais.

“Os resultados da tese trouxeram maior esclarecimentos sobre as condições de trabalho e as limitações que os problemas de voz podem acarretar na prática docente. Desta forma, o adoecimento não deve ser analisado apenas no aspecto individual, sendo necessário reforçar a ideia das questões do contexto social e do trabalho. É importante pensarmos em estratégias para redução e conscientização do ruído nas escolas, além da construção de projetos arquitetônicos ou reforma nas instituições de ensino, por exemplo”

Bárbara Antunes Rezende

Ela ainda argumenta que “estudar a saúde e condição de trabalho dos professores é importante, pois o adoecimento dessa categoria traz impactos negativos nas relações interpessoais, no desempenho profissional além do absenteísmo”. “Evidenciamos isso no Educatel: os professores brasileiros faltam mais ao trabalho por problema de voz, seguido dos problemas respiratórios e emocionais”, conclui.

Leia também: Problemas de saúde afastam mais da metade dos professores da educação básica

Nome do trabalho: Condições de saúde vocal e do trabalho dos professores brasileiros: Educatel, 2015-2016
Autora: Bárbara Antunes Rezende
Nível: Doutorado
Programa: Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública
Orientadora: Adriane Mesquita de Medeiros
Coorientadora: Mery Natali Silva Abreu
Data da defesa: 6 de dezembro de 2019.


*Giovana Maldini – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro