Evento marca 30 anos de enfrentamento da Aids na UFMG
Reunião será realizada no dia 12 de agosto a partir das 19h, no Salão Nobre da Faculdade de Medicina. Entrada é aberta ao público em geral.
27 de julho de 2015
No dia 12 de agosto será realizado o evento “30 anos de enfrentamento da Aids na Faculdade de Medicina e no Hospital das Clínicas da UFMG”. A reunião será realizada a partir das 19h, no Salão Nobre da Faculdade de Medicina e a entrada é aberta ao público em geral.
No dia serão discutidos o que foram esses 30 anos de enfrentamento e a perspectiva do controle da epidemia daqui para frente. Irão compor a mesa do encontro o diretor da Faculdade de Medicina, Tarcizo Nunes; a superintendente do Hospital das Clínicas, Luciana de Gouvêa; o secretário-geral adjunto da ONU e diretor executivo adjunto do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids, Genebra) , Luiz Loures; o diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita; os secretários de Saúde do Estado de Minas Gerais e da Prefeitura de Belo Horizonte, Fausto Pereira e Fabiano Pimenta; a idealizadora do Projeto Ammor (Ação Multiprofissional com Meninos em Risco), Irene Adams; e uma pessoa vivendo com HIV/Aids, Floriano Leite. O encontro será mediado pelo professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, Dirceu Greco.
A data marca a criação, em 13 de agosto de 1985, de um setor no Serviço de Doenças Infecciosas, no ambulatório Bias Fortes do Hospital das Clínicas da UFMG, o qual em 1991 foi integrado ao Centro de Treinamento e Referencia de Doenças Infecciosas e Parasitárias (CTR DIP Orestes Diniz), em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte. Este setor foi um dos pioneiros no Brasil e o primeiro em Minas Gerais a atender pessoas em risco ou vivendo com HIV/Aids.
Os primeiros relatos de casos de Aids ocorreram no início da década de 1980 e, em 1985, já se antevia sua disseminação por todo o mundo. Por isso, começou uma discussão nacional para que os locais assumissem a possibilidade de acompanhar pessoas infectadas.
Desta forma, o professor e então coordenador do serviço de doenças infecciosas da UFMG, Dirceu Greco, acreditava que era papel da Universidade participar deste esforço nacional para estabelecer atendimento de qualidade, juntamente com ensino, pesquisa e extensão.
Houve muita dificuldade e preconceito quando o setor foi criado, além de muitas dúvidas sobre a transmissão da doença. “Na época eram muito mais pessoas em risco do que infectadas, porque praticamente o vírus ainda não tinha chegado ao Brasil”, conta Greco.
O professor lembra, ainda, que no dia do primeiro atendimento, as três principais redes de televisão de Belo Horizonte estavam presentes e queriam entrar para filmar as pessoas que tinham a doença, o que nunca foi permitido. De acordo com Greco, nos três primeiros meses de atendimento, a maior parte das pessoas que procurou o ambulatório estava ansiosa em relação ao HIV, mas não tinha sido infectada pelo vírus.
“Havia muito pouco conhecimento sobre Aids na época. Mas uma coisa que a gente sabia é que havia uma dramaticidade muito grande, com uma curiosidade muito grande em relação a esse atendimento”, explica o psicólogo Edson Ildefonso de Oliveira, voluntário do ambulatório de 1985 a 1993.
Atendimento
O ambulatório, como parte do serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias, não recebia apenas as pessoas vivendo com HIV, mas com qualquer tipo de doença infecciosa ou parasitária. Aquelas pessoas em risco para o HIV, ou seja, que haviam recebido transfusão de sangue ou que tinham relações sexuais desprotegidas e que poderiam estar infectadas, tinham então um local para atendimento, segundo Greco, “de maneira ética, sigilosa e sem qualquer tipo de discriminação”. Nos primeiros anos, a pessoa podia realizar o pedido do exame no próprio ambulatório. Em caso de diagnóstico positivo, ela era acompanhada e, em caso de negativo, havia orientação sobre prevenção. Atualmente, o ambulatório recebe apenas as pessoas em que o diagnóstico da infecção já foi confirmado.
Hoje, mais de 6 mil pessoas vivendo com HIV/Aids estão em acompanhamento. O atendimento é realizado por docentes da UFMG e por profissionais de saúde da Prefeitura de Belo Horizonte. Há médicos de diversas especialidades, dentistas, enfermeiros, assistentes sociais, farmacêuticos, psicólogos, além de um corpo administrativo. Todos os medicamentos para o tratamento são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde. Há ensino, pesquisa e extensão, envolvendo os diversos aspectos da infecção pelo HIV/Aids, com alunos de graduação e pós-graduação. Desde 1989 está também estabelecido um setor de referência para mulheres grávidas infectadas pelo HIV e para o acompanhamento dos recém nascidos.
“A gente se sentia privilegiado de estar trabalhando nessa área, mas com uma responsabilidade muito grande. Queríamos dar a essas pessoas a possibilidade de viver com prazer, ter uma qualidade de vida. O grande investimento era esse”, explica Edson de Oliveira, que hoje é psicólogo do Projeto Horizonte da UFMG.
Dificuldades
Muitas foram as dificuldades enfrentadas durante a criação e a execução destes serviços. Segundo Greco, houve muita pressão para que esse setor não fosse aberto. “Na época, já se sabia que o risco do HIV estava relacionado principalmente às relações sexuais não protegidas, ao compartilhamento de seringas e agulhas, à transfusão de sangue e à transmissão vertical, ou seja, da mãe vivendo com HIV/Aids para o bebê, durante a gravidez, o parto ou a amamentação.
Entretanto, havia um receio infundado de contato com qualquer pessoa vivendo com HIV/Aids, que estava muito ligado ao preconceito, especialmente contra homossexuais, que no início da epidemia foram erroneamente denominados como grupo de risco. Era uma epidemia que estava se alastrando pelo mundo e que começava a atingir o Brasil, mas que as pessoas em geral se diziam não preparadas para recebê-la e pareciam nem querer estar”, lembra. Ainda segundo o professor, “o desconhecimento pode causar medo, mas a informação segura e clara é o remédio único e eficaz para mitigá-lo”. Edson de Oliveira acrescenta: “Essa falta de conhecimento gerou a necessidade de reuniões semanais, discussões, críticas e muita leitura entre a equipe responsável”.
Após a abertura, começaram a aparecer alguns problemas associados. O paciente que chegava ao ambulatório com suspeita da doença precisava realizar exames para a comprovação da infecção. O sangue era colhido no local e encaminhado para o laboratório central. Porém, a alegação era de que o laboratório não estava preparado para receber este tipo de material, já que, por exemplo, ele era descartado de forma inapropriada posteriormente. Dirceu Greco lembra que a única forma para convencê-los a continuar fazendo os exames era um carimbo no pedido escrito “cuidados especiais”, apesar de estar claro, já na época, que qualquer fluido humano deveria ser alvo de precauções universais.
Logo que o número de pessoas infectadas foi aumentando, apareceu outro problema: local para interná-las. Na época não havia tratamento específico, após o diagnóstico era possível apenas tratar as infecções oportunistas. Até que no Hospital João XXIII foram disponibilizados quatro leitos para internação das pessoas infectadas. Greco recorda que o sofrimento desses pacientes era aumentado, pois eram praticamente trancados nessa sala, tinham visitas proibidas, copos e pratos descartáveis e despertavam a curiosidade dos médicos e funcionários.
“Apesar da dificuldade inicial, o processo foi estruturado dentro de uma unidade pública, com todos os pressupostos de pesquisa, ensino e extensão. Se tivesse preparada, por exemplo, a parte da internação mais precocemente, uma estrutura para receber esses pacientes, talvez tivesse sido melhor. Mas do ponto de vista geral, o setor recebeu o suporte e a participação de muitos profissionais de saúde que atenderam o chamado para este enfrentamento. O Serviço DIP contou ainda com o apoio do Ministério da Saúde-SUS e das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde”, explica Dirceu Greco.