Grito por empatia: pessoas com deficiência e atitudes individuais que as excluem


21 de setembro de 2018


Atitudes que têm origem em preconceitos e estereótipos dificultam a inclusão dessas pessoas na escola e no trabalho.

A falta de acessibilidade na infraestrutura não é a única barreira para a inclusão das pessoas com algum tipo de deficiência. Se você ainda não ouviu falar em barreiras atitudinais, é preciso saber que elas podem construir muros invisíveis que reforçam a exclusão dessas pessoas. O conceito se refere a atitudes que têm origens em preconceitos e estereótipos que levam à discriminação. Alguns exemplos? Rejeição, depreciação da capacidade do outro, negligência e assédio moral na escola ou no trabalho. Para derrubar esse muro interior, socialmente construído, é preciso se informar e estar disposto a conhecer melhor o outro.

E, não se engane: a maioria de nós tem preconceitos. Eles são reflexos de uma constituição histórica acostumada a fechar os olhos para as pessoas com deficiência. “Não as enxergamos (pessoas com deficiência), porque não fomos preparados para identificá-las e atendê-las”, diz o professor aposentado da Faculdade de Medicina da UFMG, Mauro Ivan Salgado.

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Mas essas pessoas com deficiências estão muito próximas de todos nós. No Brasil, 23,9% da população têm algum tipo de deficiência, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para aproximar ainda mais à nossa realidade, na UFMG, cerca de 700 das 6.339 vagas ofertadas neste ano são ocupadas por pessoas com deficiência. Na Faculdade de Medicina, há 31 estudantes com alguma deficiência –  aparente ou não visível – que ingressaram na instituição por meio da lei de cotas (Leis 9.394, de 20 de dezembro de 1996; 13.146, de 06 de julho de 2015; e Portaria Normativa MEC nº. 9, de 05 de maio de 2017).

Sensibilidade e empatia

A estudante de medicina Raquel Lemos é uma delas. Ela cursa o primeiro período do curso de graduação da Faculdade de Medicina e tem visão monocular. Apesar de não ser aparente, sua deficiência, caracterizada pela perda de uma das vistas, é reconhecida pela Classificação Internacional de Doenças (CID). Para ela, o medo do desconhecido dificulta a aproximação entre pessoas sem e com deficiência. A informação, segundo Raquel, é a principal forma de quebrar barreiras atitudinais.

“Perguntar como podemos ajudar uma pessoa com deficiência é a principal dica para se aproximar delas. Cada tipo de deficiência tem uma necessidade específica”, explica a estudante.

A psicóloga da Assessoria de Escuta Acadêmica da Faculdade de Medicina, Maria das Graças Santos, também ressalta a importância de se colocar no lugar do outro antes de fazer qualquer julgamento. “Isso é necessário para entender que cada um tem a sua jornada e sua necessidade, e temos que ter isso em mente no momento que vamos interagir com essa pessoa”, completa.

Ensino superior

Nas universidades federais, o acesso às pessoas com deficiência por meio de cotas é recente, com a primeira entrada de alunos nessas condições este ano. Os estudantes passaram por perícia médica no ato do registro presencial e apresentaram laudo médico indicando o tipo e grau de deficiência, nos termos do artigo 4º do Decreto 3.298/99. Porém, nem todas as deficiências contempladas na lei de cotas são visíveis fisicamente, mas nem por isso são menos importantes ou deixam de ter os mesmos direitos ou especificidades que as demais.

Foto: Carol Morena

“Por isso, aqui na Faculdade, temos feito contato com esses estudantes para sabermos como auxiliá-los e, também, para que se sintam acolhidos e à vontade. Eles precisam de apoio, e não se trata de dar privilégio, pois isso não cabe a eles, mas, sim, é preciso garantir o que eles têm por direito”, afirma a professora Taciana de Figueiredo Soares, coordenadora do Colegiado de Medicina da Faculdade.

De acordo com a coordenadora, a entrada dos alunos é um desafio para instituição, que não está completamente preparada para recebê-los. “O importante é que estamos dispostos a fazer o possível para que esses estudantes tenham condições de seguir no seu percurso acadêmico ao lado dos demais colegas de curso”, completa.

O professor Mauro Ivan Salgado avalia que a entrada desses alunos poderá revolucionar a educação médica. “A pessoa deficiente nos ensina muito sobre as suas dificuldades e será um instrumento vivo de aprendizado. As pessoas têm medo da deficiência, bem de perto, não há como fugir do grande ensinamento da convivência próxima”, conclui.

Minientrevista: Romerito Nascimento

O servidor da UFMG, Romerito Nascimento, é pessoa com deficiência visual e

Romerito Nascimento. Foto: Foca Lisboa.

membro da equipe do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da UFMG. Em entrevista, ele fala sobre a importância da lei de cotas, seus impactos e o respeito às pessoas com deficiência.

Quais os impactos da entrada das pessoas com deficiência na universidade?

Os impactos imediatos são nas adaptações físicas e arquitetônicas. A Universidade vai precisar se movimentar de alguma maneira, mesmo com o contingenciamento de verbas, para fazer com que a estrutura seja modificada.  Concomitantemente a isso, é necessário adaptar metodologias de ensino, os objetos de aprendizagem, e isso vai demandar bastante da gente, como NAI, junto aos professores e colegiados para trabalhar essas questões. Não dá para a gente trabalhar como se tudo fosse igual, sendo que nem todo mundo é igual. Além disso, a gente precisa modificar a ideia que se tem da universidade atualmente para uma ideia de universidade para todos. Os impactos disso é que vai gerar certo estranhamento das pessoas, mas ele é necessário para que possamos entender quais os processos da deficiência, quais as questões que estão relacionadas a ela e entender que as cotas são uma forma de fazer inclusão das pessoas no ensino público e gratuito.

Existe um tipo de deficiência que deve ser priorizada?

Toda deficiência é deficiência e está legalmente reconhecida. É preciso considerar que a entrada da pessoa com deficiência na universidade é fruto de um processo social, de lutas de pessoas com deficiência, que quiseram dizer: ‘olha, não dá mais para ser da forma que é, nós precisamos ser considerados pelas políticas públicas e as políticas públicas precisam nos ver’. Nós estamos em situação de desigualdade, na medida em que a sociedade não se organizou e não considera os nossos corpos, as nossas deficiências. É por isso que não se prioriza as deficiências. É aquela velha história, eu preciso dar suporte para quem precisa, eu preciso dar apoio para quem precisa. Para quem não precisa, vai conviver com aquele que precisa. Mas eu preciso fazer com que aquele que precisa fique no mesmo patamar daquele que não precisa, porque, infelizmente, é desigual mesmo. A cota funciona dessa forma para pessoas com deficiência.