Hipertensão acelera declínio cognitivo e da memória de pessoas adultas

Doença que atinge cerca de 38 milhões de brasileiros é tema do programa de rádio Saúde com Ciência desta semana “Cuidado permanente – por dentro das doenças crônicas”.


17 de fevereiro de 2021 - , , , , ,


A hipertensão, também conhecida como pressão alta, é uma doença geralmente associada ao risco de infartos e outros problemas cardiovasculares. Mas pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da UFMG, por meio do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa Brasil), mostra que essa doença crônica não transmissível também é responsável por acelerar o declínio cognitivo e piorar a memória de pessoas adultas. E esses efeitos pode aparecer mesmo naqueles que conviveram com a hipertensão descontrolada por períodos mais curtos de tempo.

A pesquisa foi publicada na Revista Hypertension, em dezembro de 2020, e utilizou dados do estudo longitudinal e multicêntrico Elsa Brasil, que está em andamento em seis capitais brasileiras e acompanha cerca de 15 mil servidores públicos com idades entre 35 e 74 anos.

De acordo com uma das autoras do estudo e pesquisadora da Faculdade de Medicina da UFMG, Sara Teles de Menezes, os achados dessa pesquisa sugerem que a hipertensão foi associada a um declínio da cognição e da memória em adultos de forma acelerada, isto é, que não faz parte do processo natural de envelhecimento. Já em idosos, essa associação ainda não é tão clara.

A entrevista completa com a pesquisadora pode ser conferida no programa de rádio Saúde com Ciência desta semana. Além da hipertensão, o programa aborda outras doenças crônicas, como diabetes, sofrimentos mentais e doenças cardiovasculares.

“Até o momento, a hipertensão na meia-idade tem sido consistentemente associada ao declínio cognitivo e a demência, enquanto estudos que avaliaram a hipertensão em idades mais velhas mostraram resultados discordantes. Nossos achados, entretanto, sugerem que a hipertensão foi associada a um declínio cognitivo mais rápido em adultos de qualquer idade”, esclarece Sara.

A pesquisadora explica que a hipertensão afeta a estrutura e funções cerebrais através de vários mecanismos fisiopatológico diretos e indiretos, o que contribui para o declínio acelerado de componentes da função cognitiva, incluindo a memória.

A doença também promove o acúmulo de gordura na parede dos vasos sanguíneos, aumenta a rigidez e deteriora essas estruturas, até que se fechem e se rompam. Com isso, a capacidade cerebral de auto regular o fluxo sanguíneo fica comprometida, o que pode levar ao desenvolvimento da demência e acidente vascular encefálico (AVE). Em estágios iniciais, os sintomas da hipertensão são ausentes e imperceptíveis, mas pioram conforme a hipertensão cause mais danos ao cérebro.

“Esses danos são suficientes para interferir na realização das tarefes da vida diária, acarretando perda de funcionalidade e da qualidade de vida. E esses sintomas não são mais naturais do envelhecimento, mas são característicos de um envelhecimento alterado, patológico”, completa a pesquisadora.

O estudo também avaliou o tempo que uma pessoa convive com hipertensão, mas não houve relação. Isso significa que mesmo as pessoas adultas que conviveram com hipertensão por períodos mais curtos de tempo podem ter impacto na cognição devido a essa doença.

Pré-hipertensão

Além da hipertensão, a pré-hipertensão também teve associação com declínio cognitivo acelerado. Esse estágio da doença é definido pela pressão sistólica de 120-139 mmHg ou pressão diastólica de 80-89 mmHg.

“Em nosso estudo, encontramos uma associação da pré-hipertensão com o declínio no desempenho em teste de fluência verbal, um teste que avalia componentes da função cognitiva como: função executiva, memória declarativa, semântica e linguagem”, explica Sara Teles. Entretanto, não foi encontrada associação significativa entre pré-hipertensão e o declínio no desempenho em testes que avaliam, especificamente, a memória.

Segundo a pesquisadora, investigar a pré-hipertensão também é importante porque esse estágio da doença tem o maior potencial de prevenção e reversibilidade. E os resultados da pesquisa mostram que o controle da pressão arterial reduziu o ritmo de declínio cognitivo em indivíduos hipertensos.

Como a pesquisa foi realizada

O Elsa-Brasil é uma coorte contínua estabelecida em 2008-2010 para investigar determinantes da incidência e progressão de muitos problemas não transmissíveis, incluindo declínio cognitivo e demência. De acordo com a pesquisadora Sara Teles de Menezes, após identificar as principais inconsistências e lacunas existentes na literatura internacional sobre hipertensão e cognição, hipótese principal foi refinada. Em seguida, foi realizado uma análise exploratória e escolhido o modelo estatístico mais robusto para nos dados (Mixed Linear Model).

A pesquisadora explica que essa escolha foi motivada por três fatores: desenho longitudinal; objetivo analítico de estimar a variação nas medidas cognitivas basais e as taxas de mudança ao longo do tempo relacionadas à hipertensão e seus componentes; e as características dos dados (dados desequilibrados e / ou espaçados desigualmente ao longo do tempo e estrutura hierárquica).

“Essa estratégia analítica possibilitou inferências mais confiáveis ​​ao permitir que cada indivíduo em nosso estudo apresentasse sua própria curva de declínio especificada pelos coeficientes de regressão. Por fim, após a execução da análise, nossos resultados foram apresentados e discutidos à luz do conhecimento existente”, avalia Sara.

Controle da hipertensão

Esta pesquisa aponta a necessidade de manter a pressão sob controle para evitar diversos problemas para a saúde. No entanto, a pesquisadora afirma que as medidas de controle da hipertensão, em geral, são difíceis de implementar individualmente, pois dependem não apenas da força de vontade das pessoas, mas também do contexto socioeconômico e cultural em que vivem.

A obesidade, sedentarismo, estresse, tabagismo e quantidades excessivas de álcool ou sal na dieta podem desempenhar um papel no desenvolvimento da hipertensão arterial em pessoas que têm uma tendência hereditária. O tratamento leva em consideração mudanças dos hábitos alimentares e mudança do estilo de vida para todos os pacientes, independentemente do risco cardiovascular. Já o tratamento medicamentoso pode variar conforme o estágio da hipertensão.

Pandemia e doenças crônicas

Os cuidados com as doenças crônicas não podem ser esquecidos durante a pandemia. Estudos mostram que enfermidades como diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão e sofrimentos mentais crônicos têm aumentado neste período, seja por dificuldade de acesso aos serviços de saúde, mudanças em hábitos de vida ou ansiedade e estresse causados pela crise sanitária e socioeconômica no país.

Por isso, o Saúde com Ciência apresenta a série “Cuidado permanente – por dentro das doenças crônicas” e traz especialistas para falar sobre essas doenças, quais os cuidados necessários e o cenário atual.

Sobre o programa de rádio

O Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify