Inteligência artificial melhora resultados funcionais de implante coclear


31 de agosto de 2018


Tecnologia mostrou-se mais eficaz do que a colocação manual do implante na maioria dos casos apresentados no Simpósio Franco-Brasileiro sobre audição

Já presente em outras áreas da saúde, a inteligência artificial (AI) pode automatizar e atingir melhores resultados funcionais quando usada em pacientes com implante coclear. Foi o que mostrou a professora da Université Catholique de Louvain (UCL) da Bélgica, Naima Deggouj, na manhã desta sexta-feira, 31, durante o “Simpósio Franco-Brasileiro sobre audição: desafios para Saúde Pública”.

Professora Naima Deggouj. Foto: Carol Morena

De acordo com ela, a AI pode ser usada para dar assistência à colocação manual do implante, oferecendo o ajuste necessário na adaptação para melhores resultados. “Sabemos que o ajuste do implante coclear é muito desafiador por três diferentes fatores: a variabilidade dos resultados funcionais entre os usuários; a complexidade dos parâmetros programáveis do implante; e o aumento do número de pacientes”, apontou.

Segundo a professora, o destaque se deve ao fato da inteligência artificial superar a tomada de decisões humanas em relação ao tempo de colocação do implante coclear, por exemplo, por ser mais focado nos resultados funcionais do que em níveis de conforto pessoal e específico. Para ela, essa é uma justificativa para mudar a atual abordagem cognitiva do paciente, sendo preciso priorizar os resultados do que o conforto. Além disso, a AI pode padronizar a colocação do implante e torna a ação menos dependente das equipes especialistas.

Desafios do implante coclear

Para explicar e discorrer sobre os fatores que desafiam a colocação do implante coclear, Naima Deggouj apresentou algumas pesquisas desenvolvidas pela sua equipe em que mostram, por exemplo, que nos testes de repetição das palavras ouvidas por pessoas com implante coclear houve uma variação grande no percentual do desempenho, como também foi variável o tempo de melhora. “Os resultados dependem do histórico da capacidade cognitiva de cada pessoa e isso é outro desafio para a colocação do implante”, apontou.

“Há mais de 30 parâmetros programáveis e não sabemos quais são todas as interações e as variáveis deles. Saber isso é impossível para o cérebro humano. Quando se muda um, pode mudar o outro parâmetro. Por isso, precisamos de ajuda”, argumentou. “Um estudo retrospectivo e longitudinal mostrou que só o nível C é estatisticamente mutável com o tempo. Alguns parâmetros como o valor Q nunca mudam. Então, acaba sendo complexo demais trabalhar com todos os parâmetros na prática clínica”, continuou.

Na pesquisa multicêntrica que ela realizou, também ficou evidente que não existe uma padronização das equipes sobre os parâmetros de bem-estar dos pacientes quando avaliam e procuram adequar o implante. Há uso de diferentes questionários para investigar se as pessoas se sentem bem e entendem ou não as palavras. Os registros também não são feito de forma padronizada, mas todas as equipes priorizam os elementos de conforto do paciente diante dos resultados.

Sobre o terceiro fator, do número crescentes de pacientes implantados, é impossível acompanhar todos da mesma maneira, de acordo com a especialista. “É preciso de mais técnicos, mais equipe, mais tempo e dinheiro. Mas, precisamos fazer isso mais rápido e de forma mais fácil. Por isso, a ajuda da inteligência artificial para atingirmos o tratamento mais eficaz, com maior eficiência, melhores resultados, com menos pessoas e custos mais baixos”, propôs.

Atual inteligência artificial mostra eficaz em automatizar a colocação do implante coclear

Palestra apresenta uso da inteligência artificial na colocação do implante coclear. Foto: Carol Morena

A especialista apresentou um software, chamado sistema FOX, desenvolvido para automatizar a colocação do implante coclear. Ele utiliza teste psicoacústico para analisar a geometria, a discriminação fonética e utiliza os resultados para incrementar e apresentar um novo mapa otimizado ao paciente. “Há três maneiras de utilizar essa inteligência artificial no implante coclear. A primeira é na colocação. A segunda é melhorar a colocação manual, que nem sempre apresenta bons resultados, utilizando o mapa melhorado pela FOX. Já a terceira é utilizar o software em pacientes com resultados muito limitados, em que cancelam o mapa manual e começamos um novo com o FOX”. Naima chamou a atenção para o fato de que esse mapa adaptado não é específico para um paciente, podendo ser usado por outros.

Após essa fase de aplicação do novo mapa, foi necessário menos tempo para colocação e menos encontros com o paciente, bem como as consultas para check-up foram reduzidas. Além disso, ela disse que a intenção é que, em breve, isso também possa ser feito a distancia para otimizar mais os processo. “A maioria, depois do mapa universal adaptado pelo sistema, apresenta resultados muito interessantes de audiometria e na discriminação de palavras. O que significa que é tão rápido ou mais do que o mapa manual”, contou.

Ainda que o grupo analisado seja pequeno e os resultados não sejam estatisticamente diferentes, os pacientes apresentaram melhores médias com menos variabilidades nos resultados. Por exemplo, na colocação manual são necessárias de 6 a 21 horas dedicadas ao paciente no primeiro ano. Com o sistema FOX, é necessário de 3 a 4 horas e meia. Assim pode-se ganhar tempo e demandar menos médicos e pesquisadores.

Ela comentou que outra aplicabilidade do FOX é em pacientes que o mapa manual apresentou resultados limitados na compreensão de palavras. Com o novo mapa sugerido pela inteligência artificial, mudando diferentes aspectos do implante coclear, a pessoa melhorou sua compreensão de fala. Podendo, então, concluir que o FOX é útil, já que se compara ou apresenta-se melhor do que a colocação humana.

“Obtivemos melhores resultados em todos os grupos que tiveram a colocação por FOX. A compreensão de palavras foi estaticamente melhor em comparação com a colocação manual”, pontuou a pesquisadora. “Inteligência artificial ajuda, mas não substitui o humano. Precisamos continuar melhorando o sistema e adaptá-lo, trabalhando junto para oferecer a melhor solução ao paciente”, defendeu.

A especialista também enfatizou que o FOX é sobre o implante coclear, estando ausente em outras áreas, o que é um problema. “A concorrência ajuda na evolução, então espero que os outros implantes também desenvolvam a colocação pela inteligência artificial. Não podemos ter medo dela. É algo interessante ter a máquina ajudando o homem e o homem ajudando a máquina”, concluiu.

Simpósio 

O “Simpósio Franco-Brasileiro sobre audição: desafios para Saúde Pública” prossegue até 1º de setembro, na Faculdade de Medicina da UFMG. O evento é promovido pelo Departamento de Fonoaudiologia e o curso de pós-graduação em Ciências Fonoaudiológicas da Faculdade de Medicina da UFMG em parceria com a Université Clermont Auvergne (UCA), da França.

Leia mais: Cuidado adequado da família é desafio na intervenção em bebês com deficiência auditiva