Jovens em cumprimento de medida socioeducativa gravam música e resgatam autoestima em projeto de extensão

Convite veio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por meio da Vara da Infância e da Juventude.


12 de janeiro de 2022 - , , , , ,


Clipe está disponível no Youtube. Foto: captura de tela.

Jovens de 14 e 15 anos em cumprimento de medida socioeducativa em regime fechado no Centro Socioeducativo Lindéia (Belo Horizonte), gravaram uma música como forma de encerrar as atividades de 2021 do projeto de extensão “O Sujeito em Relação com a Lei”, realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva Social (MPS) da Faculdade de Medicina da UFMG. A publicação teve apoio da gravadora Grave Online – que não cobrou pelo trabalho – e do Instituto Elo, responsável pela gestão do Centro em parceria com o Governo de Minas Gerais.

O objetivo das ações do projeto no Centro é melhorar a autoestima dos adolescentes infratores e colaborar com a ressocialização, promoção de saúde e qualidade de vida. O projeto contempla, ainda, desenvolvimento de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência (PPG-PSPV) da Faculdade de Medicina. As ações partiram de convite feito pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por meio da Vara da Infância e da Juventude.

A professora Adriana Batista, do Departamento de Anatomia e Imagem (IMA) da Faculdade de Medicina, conta que o convite para atuar no local se deu em 2019. Com a pandemia de covid-19, a maior parte das atividades foram realizadas de forma remota. “O modelo remoto trouxe dificuldades na criação do vínculo com os adolescentes e o que nos ajudou nesta conexão foi ouvir músicas juntos”, conta a professora. “Ouvir juntos foi uma forma de nos aproximar. Ao longo do ano pedimos que eles levassem as músicas que ouviam e, ao final, pedimos que escrevessem uma letra”, explica. Os encontros foram quinzenais, de fevereiro a dezembro de 2021.

A verbalização dos anseios e sentimentos gera a abertura para a fala, com impactos positivos na saúde mental. “A música é uma forma de verbalizar os sentimentos, para si e para os outros, sem julgamento de terceiros. Para eles, era importante se expressar sem o risco do que fosse dito impactar na avaliação feita pelo Estado a respeito do cumprimento da medida socioeducativa”, segue a professora Adriana. As gravações foram feitas por celulares da equipe de pedagogia do Centro e os instrumentos musicais foram inseridos pela gravadora parceira.

Assista ao clipe com a obra coletiva dos adolescentes internos do Centro Socioeducativo Lindéia:

Caminhos de Papel

Além das atividades relacionadas à música, foi feito também um trabalho lúdico, por meio de origamis, no qual os adolescentes planejaram uma trajetória pessoal. Eles também criaram codinomes e títulos diferentes dos usados na rua, para se desvincularem do ambiente onde a infração foi cometida. Os resultados estão em livretos individuais, que foram entregues presencialmente pela equipe, acompanhada pelos profissionais do TJMG.

O mestrando do PPG-PSPV e professor da rede municipal de ensino de Santa Luzia, Marcelo Rodrigues Batista, também atua no projeto. “Eles estão em uma situação de muita vulnerabilidade e o tempo inteiro falam de liberdade. Tentamos contemplar esses anseios da melhor maneira possível. Um deles queria um carro prata, por exemplo. Fizemos de papel alumínio, para ficar cromado como ele queria. No dia da entrega, eles mostravam os origamis entre si”, conta.

Origamis compuseram livretos individuais. Imagem: projeto “O Sujeito em Relação com a Lei”.

A identidade e a individualidade são importantes para evitar o processo de “mortificação do eu”, comum em lugares chamadas instituições totais – residência onde várias pessoas com situação semelhante ficam separados da sociedade e têm a vida formalmente administrada, como orfanatos, conventos, presídios, colônias de reclusão e instituições de longa permanência para idosos. Segundo a professora do IMA e do PPG-PSPV, esse processo pode ser o estopim para a ideação suicida.

Marcelo observa que, muitas vezes, é possível traçar uma jornada linear entre a demonstração da falta de condições básicas na escola, o acompanhamento da assistência social, o abandono dos estudos e a chegada a um centro socioeducativo após uma infração. “Muitas vezes eles relatam necessidade de pagar as contas de casa ou comprar coisas que não tem. São adolescentes com seus traumas pessoais e, alguns, com um ímpeto mais imediatista. Como o Estado acaba negando direitos básicos, eles são conduzidos à criminalidade”, afirma.

As atividades do projeto serão retomadas em 2022, após o período de férias.