Jovens negros têm 2,7 mais chances de serem assassinados que os brancos

Homicídios são sintoma de sistema que exclui jovens negros, segundo especialista


10 de agosto de 2020 - , , , ,


A morte de George Floyd, em maio, por policiais brancos levou milhares de manifestantes às ruas no mundo inteiro. O caso do norte-americano negro se assemelha ao do menino João Pedro, brasileiro, de 14 anos e morto durante uma ação policial no Rio de Janeiro e de muitos outros jovens negros que sofrem com a violência. Para se ter uma ideia, entre jovens de 15 a 29 anos, a taxa de homicídios de brancos é de 34 a cada 100 mil habitantes. O número é quase três vezes menor que o dos jovens pretos e pardos: são 98,5 assassinatos por 100 mil. Os dados são do DataSUS.

Para a professora do Departamento de Pediatria e coordenadora dos projetos “Janela da escuta” e “Brota – juventude, educação e cultura” da Faculdade de Medicina da UFMG, Cristiane de Freitas Cunha Grillo, é preciso falar do racismo. “O primeiro tema que vem à minha cabeça para relacionar juventudes e violências é o racismo, o genocídio da juventude negra no Brasil, que foi até tema de dissertação no Programa de Promoção à Saúde e Prevenção à Violência, que mostrou que o risco de um jovem negro morrer exterminado é cinco vezes maior que um jovem branco em Belo Horizonte”.

Essa diferença no número de mortos, segundo a professora, é parte de um sistema racista. “Não é exagero falar em genocídio dos jovens negros. Existe uma ação sistemática e orquestrada pelos governos. Esse é um tema antigo. Quando falamos que policiais matam jovens negros, esse é um sintoma de uma sociedade que permite isso, que explora esse jogo e que marca crianças, adolescentes e jovens negros com processo segregatório a vida inteira”.

“A morte concreta e cruel é precedida por uma morte simbólica. Professores avaliam pior os alunos negros, 80% da evasão escolar é de jovens negros. Antes mesmo de falar em genocídio, é possível falar do racismo, dessa violência que nós, enquanto sociedade, praticamos contra os negros no Brasil. Tem todo um alicerce que sustenta essa prática genocida”

Black lives matter

O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português) foi criado em 2013 por três ativistas norte-americanas e, hoje, é uma fundação global que visa erradicar a supremacia branca e intervir na violência à comunidade negra. A organização foi a responsável pela onda de protestos, que ocorreu em maio, a favor da luta antirracista e da cobrança a autoridades pela segurança de negros. Os atos foram convocados após o assassinato de George Floyd.

Para quem afirma que o movimento deveria se chamar todas as vidas importam, a professora Cristiane explica. “Toda vida importa, mas se a gente pensar num processo histórico, numa dívida histórica – nós somos o país que mais escravizou, tanto em termos de tempo quanto em número absoluto de escravos –, é uma política de reparação. É isso: toda vida importa, mas, hoje, umas importam mais que as outras”, ressalta. “A Rejane [autora da dissertação sobre genocídio da juventude negra] conta que toda dissertação teve origem quando ela estava num plantão e ouviu uma senhora gritando e chorando. Quando ela perguntou o que estava acontecendo, responderam que não era nada, só mais um bandido morto.O bandido era um jovem negro”, lembra.

“Ele era bandido? Não sabemos. Mas ele tinha que estar ali morto? Não. E aquela senhora era uma mãe. Tem um movimento muito bonito que começou como Mães de Luto e hoje é Mães de Luta. Só nesse processo simbólico, elas transformaram luto na luta”

Desigualdade

A desigualdade socioeconômica também contribui para as mortes de jovens negros. A professora Cristiane esclarece que, geralmente, as desigualdades têm cor e raça. “Quem são os mais ricos e os mais pobres? É uma questão gravíssima e muito ligada ao racismo. Porque pessoas negras têm menos emprego e, quando têm emprego, ganham menos. A mulher negra sofre uma segregação dupla. São questões estruturais”, esclarece.

Somos tão jovens

Mais da metade dos brasileiros tem entre 0 e 34 anos e um quarto da população é considerada jovem, ou seja, tem de 15 a 29 anos. Os dados são do Censo 2010 do IBGE. Na semana em que é celebrado o Dia Mundial da Juventude, o Saúde com Ciência apresenta série sobre a população jovem brasileira. Confira a programação:

:: Juventude e participação social
:: Jovens em busca de um emprego
:: Juventude e saúde mental
:: Genocídio da juventude negra
:: Uso de drogas

Sobre o Programa de Rádio

Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.