Má comunicação do diagnóstico pode prejudicar quadro clínico

Emoções do paciente no momento da comunicação do diagnóstico de doenças que levam à deficiência visual irreversível podem prejudicar ainda mais saúde dos olhos.


03 de julho de 2020 - , ,


Perda de visão e respostas emocionais andam de mãos dadas. Essa afirmativa vem de estudos no campo da psicossomática, ramo que estuda como emoções afetam a saúde não só dos olhos, mas de diversos sistemas no corpo humano.

Alguns fatores causam predisposição. “Eventos precoces no desenvolvimento de uma criança no início da vida podem afetar o seu futuro. Modelos animais mostram  que separação prematura da mãe resultaram consistentemente em modificações psicológicas, como aumento da ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Estes eventos podem tornar o indivíduo mais vulnerável aos efeitos do estresse no futuro”, explica o professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Luiz Carlos Molinari.

A psicossomática é uma ciência interdisciplinar que envolve diversas especialidades da Medicina e da Psicologia para estudar os efeitos de fatores sociais e psicológicos sobre processos orgânicos do corpo e sobre o bem-estar das pessoas. 

Outra relação observada é a associação de abuso físico e sexual na infância com distúrbios como dor crônica e síndrome do intestino irritável. “História de maus tratos na infância é associada com várias consequências adversas, por exemplo, incapacidade funcional e maior número de comportamentos de risco para a saúde”, aponta Molinari, que também atua no Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos Estudantes da Faculdade de Medicina (Napem) e no programa de tutoria da Faculdade.

Durante a pandemia de covid-19, o atendimento do Napem foi adaptado para funcionar à distância. A manutenção do serviço visa continuar o amparo aos alunos e ajudar na prevenção de problemas emocionais. Saiba mais. Outros integrantes da comunidade acadêmica podem contar com Rede de Saúde Mental da UFMG.

Duplo fardo psicológico

Ao contrário dos erros de refração causados ​​por doenças da córnea ou do cristalino e que podem ser corrigidos por meios ópticos ou cirurgias, várias doenças que afetam o sistema nervoso visual (retina, nervo óptico, cérebro) podem ser consideradas irreversíveis. A estimativa é de cerca de 285 milhões de pessoas deficientes visuais em todo o mundo, incluindo 39 milhões de cegos.  

O diagnóstico de doenças que levam à perda irreversível da visão podem acarretar em impacto emocional grave, levando a preocupações, ansiedade, medo, depressão e isolamento social. A falta de cuidado nesse momento pode acarretar em uma carga psicossocial e socioeconômica duradoura. “Está comprovado que ao dar a notícia a um paciente que apresenta uma doença ocular cuja deficiência visual é irreversível, você pode piorar mais ainda a situação emocional e a deficiência visual do paciente”, explica o professor. “Isso ocorre através de descargas hormonais, por exemplo, o cortisol”, segue. 

É o chamado duplo fardo psicológico. Além de lidar com a perda de visão e as consequências sociais e econômicas, a pessoa ainda é submetida a acometimentos psicológicos.

Para evitar esse tipo de dano, a orientação é ter uma relação médico-paciente bem construída. “Tudo depende de como você irá desenvolver uma empatia com o paciente. Procure colocar-se no lugar dele, e tentar ver com os olhos dele, como ele ‘enxerga’ sua doença. Os medos são muitos e a história que cada paciente traz de sua vida é muito diferente da sua e de outros pacientes”, orienta o professor.

Prevenção e tratamento

A redução desse duplo fardo pode ser feita por meio técnicas de relaxamento, por exemplo, meditação, treinamento autogênico, treinamento para controle do estresse e psicoterapia. “Essas terapias devem ser recomendadas não apenas como complementar aos tratamentos tradicionais de perda de visão, mas também como meio preventivo para reduzir a progressão da perda de visão”, avalia Molinari.

“Em segundo lugar, os médicos devem fazer o possível para inculcar positividade e otimismo em seus pacientes, fornecendo a eles as informações às quais os pacientes têm direito, principalmente em relação ao importante valor da redução do estresse”, continua. “Sempre que o profissional detectar esta situação, o paciente deverá ser acompanhado pelo seu médico e ainda por uma equipe multiprofissional – fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogos, psiquiatras, entre outros”. Essa equipe pode ser encontrada nas esferas do SUS.

“É muito importante que o paciente não se descuide do controle de suas patologias crônicas: glaucoma, retinopatia diabética, acompanhamento de catarata, etc”

O cenário atual da pandemia de covid-19 pode ser um complicador para novos diagnósticos de problemas oftalmológicos, mas também no agravo de doenças pelo duplo fardo psicológico. “Nossa mente trabalha muito acuada, com medo constante de adquirirmos a doença… Isto nos predispõe a mais doenças”, reflete o professor. Dessa forma, os cuidados com a saúde mental não podem ser deixados em quarentena.