Médico 24 horas


18 de outubro de 2013


Notícia publicada no Saúde Informa

Eles cuidam da saúde dos pacientes, mas nem sempre têm uma vida saudável

Quem nunca saiu do consultório médico com conselhos para uma vida saudável? Praticar exercícios físicos, alimentar-se corretamente, evitar o estresse e abuso de álcool, não usar drogas nem se automedicar … mas será que o médico que faz as recomendações também as coloca em prática na própria vida?

Uma publicação do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 2007, organizada a partir de pesquisas com profissionais  de todo o país, afirma que os médicos precisam aderir, para si, ao que preconizam para seus pacientes. Mas alerta: nem sempre isso é possível, em virtude das condições muitas vezes adversas no exercício da profissão.

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João Gabriel: “Existem orquestras só de médicos”.

Para o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, João Gabriel Fonseca, o médico é o profissional de nível superior que enfrenta a pior condição profissional, no momento. “Em todo o mundo pesquisas mostram que o médico sofre muito mais pressão, em comparação com outros profissionais de nível superior, como executivos e agentes do judiciário”, afirma.

Um dos fatores citados pelo CFM como preocupante para a saúde do médico é o estresse como fator de adoecimento. Para João Gabriel, são exigidas decisões de alta responsabilidade sem condições ou tempo para tomá-las adequadamente. “A vida do médico tem por natureza tomar decisões. O médico lida o tempo todo com situações inesperadas. O tempo de decisão que ele tem pode ser determinante entre a vida e morte de um paciente”, exemplifica.

Ao mesmo tempo, o estado emocional de um médico após um plantão é comparado ao de uma pessoa alcoolizada. “A privação do sono pode levar à desorientação e alteração na capacidade de decisão”, afirma o professor.

A pesquisa mostra ainda que, quando comparados a outros trabalhadores, os médicos apresentam prevalência maior de quadros de hipertensão, distúrbios mentais, eczema crônico (doença de pele), doenças do aparelho digestivo e dores lombares.

Múltiplos empregos
Uma situação comum ao médico brasileiro hoje, de acordo com João Gabriel, é trabalhar em mais de um lugar. De acordo com o CFM, aproximadamente 60% dos médicos trabalham mais de 41 horas semanais. “Um mesmo médico pode acumular funções em um pronto atendimento, hospital e consultório particular, por exemplo”. Em muitos casos, ele atravessa a cidade para ir de um local ao outro, reduzindo o tempo para sua alimentação, descanso e lazer. “Alimentar-se bem é muito difícil. O médico é, provavelmente, o profissional que mais se alimenta em pé, ou em trânsito”, diz.

Outro problema é a automedicação. “Existe uma dificuldade do médico em lidar com ele mesmo como paciente, e muitas vezes ele não procura um colega para o diagnóstico, por reconhecer os próprios sintomas”, cita. Sobre o uso de drogas e álcool, o professor alerta que o conhecimento sobre os males algumas vezes tem pouca importância para o profissional. “Os médicos são, sobretudo, pessoas como as outras pessoas, que buscam alternativas para frustrações e solidão”. O uso de ansiolíticos, por exemplo, é comum para aliviar as angústias.

Já o sedentarismo chegou a ser maior entre os médicos, mas é possível ver uma mudança de perfil, de maneira geral. “Aumentou o hábito de praticar exercícios físicos, principalmente. Muitos médicos praticam a caminhada, ou jogam futebol, ou optam por outro esporte, como motociclismo e trilhas”, conta.  A opção pela música também é comum: “Existem orquestras só de médicos, e inúmeras bandas de colegas de profissão”.
Saúde mental

O dia a dia estressante devido aos plantões extensos, a necessidade de atualização constante sobre os avanços da Medicina e a intensidade das cobranças acabam afetando a qualidade de vida do médico e sua saúde emocional. Além desse cenário complicado,  o profissional é exposto a situações desgastantes no contato com os pacientes, como o diagnóstico de uma doença sem cura, o erro e, muitas vezes, a morte.

A pesquisa do CFM mostra que essas situações de estresse e a vulnerabilidade a crises pessoais levam a sentimentos de solidão, depressão, ansiedade, insônia, problemas com álcool ou drogas psicotrópicas, assim como outras manifestações físicas.

Acesse a pesquisa completa do CFM

Apoio na graduação

Para lidar com todas as questões que afetam a saúde emocional do médico e, consequentemente, seu desempenho profissional, algumas escolas de medicina oferecem serviços de apoio psicológico e psiquiátrico, dando suporte ao aluno durante sua formação. A Faculdade de Medicina da UFMG presta esse serviço por meio do Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina (Napem).

Segundo o coordenador do núcleo, o psicólogo Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis, o apoio oferecido prepara os estudantes para encarar o dia a dia do médico. “Nós tentamos fazer com que o aluno desenvolva padrões de amadurecimento para que ele aproveite plenamente o curso, já que eles lidam com um cenário da condição humana, que às vezes é muito difícil”, alerta. A relação entre médico e paciente também é trabalhada. “A função é fazer com que o estudante e o jovem médico desenvolvam competências de envolvimento e, ao mesmo tempo, de autopreservação, para que assim, eles possam ter uma vida plena e saudável”, completa Gilmar.

O Napem presta atendimento exclusivo aos alunos, mas Gilmar defende um núcleo que preste apoio também ao profissional. “Médicos já me procuraram, e de vez em quando cai um residente aqui pra gente atender. Não é o objetivo do Napem, mas se for uma situação mais emergencial nós atendemos. Eu atendo muitos médicos no meu consultório particular, e é por situações como essa que você percebe claramente que a demanda pra esse tipo de profissional também existe”, analisa Gilmar.

24 horas

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Alamanda Kfouri já teve que atender duas pacientes em trabalho de parto

Receber ligações de pacientes fora do horário de atendimento, fazer cirurgias de madrugada ou cancelar eventos em função de alguma emergência: em certas especialidades médicas, o tempo dedicado aos pacientes é ainda maior.

É o caso da Obstetrícia. A gestante pode entrar em trabalho de parto e precisar da ajuda do profissional a qualquer momento. A professora da Faculdade de Medicina da UFMG, Alamanda Kfoury, conta que o obstetra não tem uma rotina. “Nós fazemos uma previsão, uma possibilidade de fazer um agendamento de consultas ou atividades cirúrgicas, mas boa parte da atividade é imprevisível”. Isso porque os partos normais correspondem a quase metade dos partos realizados no Brasil (48%) – embora o percentual ainda esteja abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde, de 85% . Nesses casos, não há como ter uma previsão exata do dia e horário em que a mulher entrará em trabalho de parto.

Em 26 anos como obstetra, Alamanda relembra a história que ela considera uma “situação muito angustiante”. “Era final do ano, a semana entre o Natal e o Ano Novo. Tive uma paciente que a bolsa rompeu e ela foi para o hospital. Ela me ligou à meia-noite e eu fui fazer a cesariana dela. Só que quando eu estava começando a operação, uma outra paciente me ligou dizendo que estava em trabalho de parto e que também estava indo para o hospital. Um colega terminou a cesariana por mim e eu fui para o outro hospital e acompanhei o outro parto. Quando se tem boa vontade, no final dá tudo certo”, diz.

Outra especialidade que demanda tempo e dedicação do profissional é a Pediatria. A professora associada do Departamento de Pediatria, Jussara Fontes, reconhece que há uma preocupação excessiva dos pais com seus filhos. “Meu marido também é pediatra e antes de me formar via os pais ligando o tempo todo e eu achava desnecessário. Porém, quando minha filha teve a primeira febre, fiquei muito preocupada e percebi o que aquelas pessoas sentiam”, relembra.

Ainda de acordo com Jussara, essa preocupação é comum, ainda mais quando os pais são de primeira viagem. Por isso, a importância de mostrar a eles que esse profissional está à disposição. “Ao passar o número do nosso celular, os pais se sentem mais seguros e percebem que estaremos ali para o que precisarem”, ressalta.