Metas de ano novo ajudam a renovar esperança

Especialistas dão dicas de como começar 2021 de forma mais positiva e fazem balanço dos impactos de 2020 para a saúde mental


28 de dezembro de 2020 - ,


Até o final de 2019, já existia um ritual pré-estabelecido: primeiro, era feito um balanço do que houve de bom e ruim no ano que chegava ao fim e se estabelecia metas para os próximos 365 dias. Mas, em 2020, pode parecer difícil estabelecer os objetivos e até mesmo aceitar a passagem do tempo.

Mas por que isso ocorre?  A psiquiatra e professora do Departamento de Saúde Mental, Tatiana Mourão, fala em uma mudança no tempo. “É como se nosso sistema nervoso não tivesse exatamente a percepção de tempo cronológico que a gente vê no calendário. Então, o tempo é, muitas vezes, percebido como fatos. No começo de 2020, nós tivemos muitos fatos: chegou uma doença desconhecida, com um mundo desconhecido e novos hábitos. O tempo parecia um turbilhão. Mas, à medida que o ano foi passando, a nossa percepção de tempo está muito diferente”, explica Tatiana.

Para ela, é um desafio pensar em como vão ser nossos desejos para o próximo ano. Isso porque ela percebe que é como faltasse sentido para nossas intenções. “A sensação que me ocorre, principalmente escutando pessoas na prática clínica, é que dá uma sensação de falta de sentido como nós tínhamos ano passado, como a meta de emagrecer no ano novo. Aonde estão nossos desejos agora, à medida que nossa percepção de tempo está um pouco desintegrada e nossos valores estão em constante revisão?”, questiona.

A docente destaca, ainda, que tem percebido uma diferença nos desejos das pessoas, uma vez que estão menos voltadas ao consumismo e a grandes metas e realizações materiais.

“Eu diria que, hoje, a pessoa pensa mais sobre o consumo. No caso de um emprego, qual emprego nós desejamos: é o que ganha mais ou o em que eu vou ter um grupo que me deixa mais feliz trabalhando? Acho que muita coisa vai mudar”

aponta Tatiana Mourão

Como a pandemia impacta a saúde mental?

Várias pesquisas investigam a relação entre saúde mental e a covid-19. Estudo da Universidade de Oxford indica que pacientes com transtornos mentais têm 65% mais chances de contraírem a doença. A pesquisa também indicou aproximadamente 18% dos pacientes que foram diagnosticados com a covid-19 apresentaram algum distúrbio psiquiátrico, como depressão e insônia. Mas, os impactos para a saúde mental vão além de quem teve a doença e atinge a população brasileira em diferentes níveis.

Em primeiro lugar, o psicólogo, mestrando em Medicina Molecular e professor convidado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Victor Polignano Godoy, avalia que é perceptível o aumento dos atendimentos devido a transtornos mentais que começaram a se manifestar na pandemia ou que foram piorados nesse período. Ele cita os principais grupos que estão mais suscetíveis a malefícios à saúde mental nesse período:

“Primeiro, o medo, principalmente, daquelas populações mais vulneráveis (pessoas que têm hipertensão, diabetes, obesidade, idosos). Isso já é um potencial fator de risco para terem mais comportamentos ansiogênicos ou depressivos. O segundo fator, especialmente para essas populações que estão se blindando ou que deveriam se blindar, é o isolamento social. Nesse processo de isolamento, elas perdem as interações sociais, perdem vários reforçadores importantes ou até deixam de fazer atividades físicas”, aponta o professor em relação a populações mais vulneráveis.

“Outro fator, que não é necessariamente ligado a quem teve a covid-19 ou está em um grupo mais vulnerável, é aquele medo que a gente sempre pode ter de alguém amado contrair a doença. Isso também pode afetar. Você pode ter medo das consequências da pandemia para o seu trabalho e também provavelmente você teve algum grau de afastamento dos seus entes queridos. Outro grupo que acho relevante ressaltar são aquelas pessoas que perderam o emprego ou foram economicamente impactados. E, por último, os familiares que perderam entes queridos ou têm parentes internados”, enumera.

“É muito importante olhar para essas pessoas com cuidado e carinho.”

completa Polignano Godoy

Outra maneira que mexe com nossa saúde mental é a exposição a notícias, especialmente aquelas de maior impacto, como as que mostram as UTIs lotadas ou valas abertas. Estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul avaliou que os entrevistados que acessam mais informações sobre mortos e infectados possuem mais chance de apresentarem transtornos mentais. Outra pesquisa, dessa vez chinesa, avaliou que a exposição frequente a mídias sociais e notícias sobre a pandemia estaria a associada a maior risco de sintomas de ansiedade e depressão. Esse fenômeno, chamado trauma indireto, ainda não é um consenso entre especialistas, já que é muito difícil a comprovação empírica.

“Mesmo assim, é inegável que existe uma relação entre a quantidade de horas que a pessoa passa lendo sobre aspectos de morte, adoecimento e agravamento e o impacto na saúde mental. Isso tem sim uma contribuição para o estado mental”

finaliza o especialista

Com todos esses percalços, olhar para o futuro, que é materializado no ano novo que está chegando, pode parecer desanimador e temeroso. Por isso, é importante olhar de forma positiva para o ano que se passou e pensar nas suas ações individuais. “Quero ressaltar a importância de pensar positivo, reavaliando sempre o que você foi capaz de fazer para se manter bem durante um ano tão difícil. Também é importante diferenciar o que você consegue e o que não consegue controlar, para, assim, focar no que é capaz de ser modificado e ter paciência com aquilo que a gente não é capaz de mudar”, aconselha Maryana Moraes, psicóloga clínica pela UFMG e pós-graduada em Estudos Psicanalíticos.

Hora de olhar para a saúde mental

A campanha Janeiro Branco existe desde 2014 e nos convida a aproveitar o momento de renovação do ano novo para nos dedicar ao cuidado da nossa mente, pensar no poder das nossas emoções e no quanto é necessário o acesso a serviços de saúde mental. Que tal entrar nessa? Informações no site ou no instagram.

Saúde com Ciência

Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou o aumento dos casos de covid-19 como uma pandemia, a vida mudou. E a virada de ano não ficou de fora: 2021 já chega com um sentimento de ansiedade pelo fim da pandemia e até mesmo pela falta de metas para o ano novo. No último Saúde com Ciência do ano, confira dicas de como encarar a chegada do ano e de como melhorar a saúde mental em 2021:

:: Adeus ano velho
:: Feliz ano novo
:: Palavra da vez: autocuidado
:: Meta: desconectar
:: Janeiro branco

Sobre o Programa de Rádio

O Saúde com Ciência é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.