Mortes por covid-19 são associadas a disfunção de células reguladoras

Em estudo com resultados inéditos, cientistas do ICB UFMG deixam claras disfunções das chamadas Treg que levam a superinflamação nos pulmões de pacientes graves.


16 de novembro de 2022 - ,


Imagem: Cedidas pelos autores do artigo.

Pacientes com COVID-19 grave que evoluem para óbito apresentam células T reguladoras (Treg) disfuncionais no pulmão e no sangue, quando comparadas com células Tregs de pacientes com COVID-19 grave que sobrevivem. As Tregs de pacientes que morrem de COVID-19 apresentam baixa produção de IL-10 (um fator importante para sua função de controlar a inflamação) e alta produção de IL-17ª (um fator que contribui com a inflamação), invertendo sua função, antes reguladora para pró-inflamatória. Essa alteração está associada a fatores que ajudam a Treg na sua função (como o TNF) e contribui para que a inflamação saia do controle e o paciente evolui para óbito. As células Tregs disfuncionais apresentam a expressão de uma molécula, PD-1, que pode servir como marcador de prognóstico em futuros exames. Esse trabalho abre a perspectiva para o desenvolvimento de terapias para estimular a função correta das Tregs no tratamento da COVID-19 graveEm estudo com resultados inéditos, cientistas do ICB UFMG deixam claras disfunções das chamadas Treg que levam a superinflamação nos pulmões de pacientes graves

Um estudo realizado por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas e da Faculdade de Medicina da UFMG mostra as disfunções das células reguladoras do sistema imunológico (Treg) que levam à inflamação grave nos pulmões e estão associadas aos casos de morte por covid-19. Os resultados, inéditos, foram publicados na última quarta-feira pela revista Immunology, periódico internacional reconhecido como um dos principais do mundo em seu campo.

O médico Helton Santiago, professor associado do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB UFMG, afirma que os achados colocam uma célula fundamental no cenário da covid-19 grave. “Nós observamos que as células Tregs dos pacientes que morrem entraram em disfunção profunda”, explica. Os cientistas coletaram e analisaram amostras de sangue e secreções dos pulmões de 40 pacientes adultos (18 anos ou mais) com quadros graves de covid-19, submetidos à ventilação mecânica nas primeiras 24 horas de internação na UTI e até 7 dias depois. Todos foram acompanhados até a alta hospitalar ou morte.

Por outro lado, relata Helton Santiago, os cientistas perceberam que as células reguladoras dos pacientes que foram a óbito começaram a produzir uma outra interleucina chamada de IL-17, que é pró-inflamatória. “A Treg que estava lá para regular a resposta imunológica acaba contribuindo com o processo inflamatório, aumentando ainda mais as consequências para o paciente. Então, ele desenvolve uma inflamação que sai do controle, uma hiperinflamação que o leva a óbito”, complementa.

Embora não tenham aprofundado o estudo sobre o mecanismo que leva à disfunção das Tregs, os pesquisadores encontraram alguns fatores que podem estar contribuindo para a disfunção das células reguladoras e que têm a ver com o funcionamento do sistema imunológico: a ausência de outra interleucina, a IL-2, e do Fator de Necrose Tumoral (TNF) ou o excesso de IL-6, que induz a Treg a uma leitura equivocada do microambiente e a se tornar pró-inflamatória.

As descobertas descritas no artigo publicado na Immunology impactam as pesquisas sobre a covid-19 realizadas até o momento. Na opinião de Helton Santiago, ”esse trabalho traz a célula reguladora para o entendimento de como a covid-19 grave evolui e abre as portas para o desenvolvimento de novos testes prognósticos e para o uso de terapias que vão estimular a retomada da função adequada das Tregs”.

Trabalhos anteriores já sugeriram disfunções nas células reguladoras de pacientes graves, mas o professor ressalta que os novos resultados deixam as informações muito mais claras, ajudando a explicar os dados de outras pesquisas. “Ela mostra quais disfunções estão ocorrendo e é o primeiro a realmente associar essas disfunções à mortalidade”, argumenta.

De acordo com Helton Santiago, as Tregs são células passíveis de serem estimuladas. Ou seja, na visão do professor, “a pesquisa pode retornar para a sociedade como uma nova terapia, não apenas para a covid-19, mas também para outras doenças infecciosas que evoluem com hiperinflamação”.

O sistema imunológico precisa fazer o seu trabalho de forma equilibrada. Se entrar em desequilíbrio, pode ocorrer uma inflamação muito deletéria. Para evitar que uma inflamação saia do controle, o sistema imunológico dispõe de mecanismos que a mantém dentro de certos limites. Um dos fatores que mantém a inflamação sob controle é uma célula especializada, a célula T reguladora (Treg), que o sistema imunológico tem para manter a inflamação em níveis saudáveis. Em quem morre de covid-19, a Treg entra em disfunção. Ela para de funcionar adequadamente e, ao invés de manter a inflamação sob controle começa a contribuir com o processo inflamatório causando uma hiperinflamação que está associada com a morte.

Toda infecção precisa de uma resposta inflamatória do sistema imunológico. É assim que o organismo se defende. Ele cria uma inflamação e mata o organismo, nesse caso o vírus. Se o organismo não consegue montar uma resposta imunológica, a infecção sai do controle e pode levar o paciente a óbito. Por outro lado, a resposta inflamatória tem um limite. Ultrapassando esse limite, ela pode trazer sérias consequências para a saúde do paciente e também pode levá-lo à morte. É o que acredita-se que acontece com a covid-19 grave.

Dysfunctional phenotype of systemic and pulmonary regulatory T cells associates with lethal COVID-19 cases
Autores: Marcela Helena Gonçalves-Pereira, Luciana Santiago, Cecilia Gomez Ravetti, Paula Frizera Vassallo, Marcus Vinícius Melo de Andrade, Mariana Sousa Vieira, Fernanda de Fátima Souza de Oliveira, Natália Virtude Carobin, Guangzhao Li, Adriano de Paula Sábino, Vandack Nobre, Helton da Costa Santiago
Immunology, Volume 167, Edição 3, Novembro de 2022

https://doi.org/10.1111/imm.13603


Dayse Lacerda/Instituto de Ciências Biológicas da UFMG
Imagens: Cedidas pelos autores do artigo