Número de brasileiros com 50 anos ou mais em solidão na pandemia foi menor do que antes dela

Estudo também identificou benefício da conexão virtual para redução desse sentimento. Além disso, aqueles que se sentirem mais solitários estavam associados com a busca por contato presencial, contrariando a principal recomendação para prevenção à covid-19.


14 de julho de 2021


Pesquisadores da Faculdade de Medicina da UFMG fizeram a estimativa da prevalência da solidão em adultos com 50 anos ou mais, comparando o período pré-pandêmico e os primeiros meses do surto de covid-19. Além de encontrarem uma taxa menor nos relatos gerais de solidão durante a pandemia, também relacionaram o sentimento com a desconexão, seja a falta de contato presencial ou virtual, identificando potencial benefício das ligações telefônicas e conversas por redes sociais, por exemplo.

De acordo com a autora principal, Juliana Torres, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade, a ideia dessa avaliação surgiu a partir de vários estudos que apontavam uma piora da saúde mental das pessoas idosas durante a pandemia, principalmente devido à falta de contatos sociais, já que o isolamento físico é a principal orientação para prevenção ao coronavírus.

“Desde 2017, a solidão é considerada uma epidemia mundial entre adultos mais velhos. Ainda, durante o período de distanciamento imposto pela pandemia, muitas estratégias para incentivar o engajamento dessas pessoas, como exercício físico, atividades sociais e trabalho voluntário tiveram que ser suspensas”, comenta Torres. Mas, “diferentemente do que se esperava, a prevalência de solidão diminuiu no período da pandemia. Ela foi de 32,8% no período pré-pandêmico para 23,9% no período da pandemia”.

Embora possa ser uma boa notícia, Torres destaca a necessidade de permanecer atentos à representatividade dessa taxa. “Isso é quase um quarto da população estudada. A proporção de pessoas que se sentiam sozinhas ‘sempre’ antes da pandemia ainda continua semelhante durante esse período. Ou seja, esta melhora na solidão foi vista apenas para a solidão mais leve”, alerta.

Para a pesquisadora, esse achado surpreendente pode ser explicados pelo fato dos membros da mesma família que tinham diferentes compromissos no dia a dia terem que cancelá-los ou aderir ao home office, por exemplo, assim tendo maior número de pessoas dentro do domicílio. E ainda há o fator multigeracional comum no Brasil, que pode ter favorecido o convívio dos adultos mais velhos e idosos com crianças e jovens. Mas essas são hipóteses e é preciso mais estudos para confirmá-las.

Dados correspondem a solidão em toda população adulta de meia-idade e idosos

Os resultados desse estudo foram obtidos a partir das respostas dos questionários e da iniciativa do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (Elsi Brasil), que contou com 4.431 participantes com 50 anos ou mais, de todas as regiões do país, sendo, por tanto, uma amostra probabilística de toda a população brasileira com essa idade.

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A coleta no momento da pandemia (26 de maio a 8 de junho) foi feita através de um questionário semiestruturado, respondido por telefone, contendo perguntas sobre comportamentos em saúde, medidas preventivas adotadas e questões subjetivas vivenciadas no momento. Já no período pré-pandêmico (agosto de 2019 a março de 2020) foi avaliado através de um questionário semiestruturado maior, aplicado presencialmente no domicílio do indivíduo por entrevistadores previamente treinados, abordando diversos aspectos relativos à saúde.

Juliana explica que “solidão é um sentimento negativo e subjetivo de isolamento que reflete a discrepância entre o desejo de ter relacionamentos pessoais e o que de fato ocorre na vida do indivíduo”.

E nesse estudo, as questões avaliaram, por meio de uma escala de depressão validada, a frequência que a pessoa se sentia sozinha/solitária. A partir daí, os participantes foram separados em três grupos, os que responderam “quase nunca”, “algumas vezes” e os que “sempre se sentem sozinhos”, que ainda foram comparados com aqueles que responderam que quase nunca tinham esse sentimento.

As características que se destacaram na associação com o status de solidão foram sexo, diagnóstico de depressão, local e região de residência, sendo que os grupos com maior frequência de solidão foram as mulheres; pessoas com depressão; residentes na área rural; e da região Nordeste do Brasil.

Telefonemas e mídias sociais podem contribuir para diminuir a solidão

As outras características que se destacaram na frequência do sentimento de estar solitário foram a conexão virtual de fala e a conexão fora de casa. Para essa análise, avaliou-se os contatos sociais pela frequência dos últimos 30 dias que o indivíduo conversava com familiares e amigos que não moravam com ele. Os que tiveram contatos sociais ainda foram divididos em dois grupos e avaliados separadamente: contatos sociais do tipo virtual, através de telefone, Skype, WhatsApp ou outras mídias sociais; e os contatos sociais do tipo pessoal, feito através de encontros fora do domicílio.

“Vimos que os idosos que sentem solidão em qualquer magnitude tendem a ter menos conexões virtuais, reforçando a importância de se manter esses contatos”

Entretanto, com base nos dados, a professora revela que o incentivo pelas conversas virtuais tem mais impacto para reduzir o sentimento daqueles que relataram solidão só algumas vezes. Isso, porque, mais um resultado chamou a atenção: o grupo de pessoas que tiveram contatos presencialmente com familiares e parentes fora do seu domicílio tiveram maior probabilidade de sentir sozinho sempre.

“Os resultados apontam que, para as pessoas com os maiores níveis de solidão, apenas os contatos sociais do tipo virtual podem não ser suficientes para afastar o sentimento percebido de isolamento, fazendo com que essas pessoas mantenham contatos pessoais mesmo durante as medidas de distanciamento social. Por isso, elas precisariam de outras estratégias de socialização”, pontua.

“Nossa pesquisa reforça a necessidade de se incentivar e manter os contatos sociais do tipo virtual durante o período de distanciamento social nas pessoas com 50 anos ou mais, além de que os profissionais de saúde devem se atentar àquelas pessoas que apresentam os maiores níveis de solidão.
Pois além de poderem piorar sua saúde mental, ainda podem se colocar em risco para a covid-19, já que não aderem fielmente às medidas de distanciamento social”

A pesquisadora lembra que esse incentivo das conexões virtuais para socialização já é um apontamento de alguns estudos internacionais que mostraram os efeitos benéficos do uso da internet e telefone durante a pandemia, principalmente para a saúde mental e para lidar com o período de distanciamento social.

O artigo completo está disponível em inglês no periódico Aging & Mental Health. Além da professora Juliana Torres, participam desse estudo as professoras da Faculdade de Medicina da UFMG, Luciana Braga, do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Maria Fernanda Lima-Costa e Waleska Caiaffa, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, além do pós-doutorando Bruno Moreira, do mesmo Programa.