[Opinião] Desempenho acadêmico de estudantes de Medicina reafirma a relevância da Lei de Cotas
19 de novembro de 2025 - Ações afirmativas, cotas, dados, Diretoria, estatística, Estudantis, graduação, Opinião, reserva de vagas, UFMG
Cristina Gonçalves Alvim *
Resultado de luta histórica travada pelo movimento negro, as políticas de ações afirmativas para ingresso e permanência de estudantes negros na educação superior brasileira tem como um de seus marcos a Lei n° 12.711/2012, conhecida como Lei das Cotas. A finalidade da reserva de vagas é buscar reparar as desigualdades e outras práticas discriminatórias, marcas do processo de formação social do nosso país. No dizer do professor Rodrigo Ednilson (Faculdade de Educação da UFMG): “A política de reserva de vagas é o reconhecimento de que esses estudantes têm direito a estar na universidade. Esse reconhecimento já produz uma mudança simbólica, pois esses estudantes chegam e são recebidos sabendo que têm direito de estar ali”.
A Lei de Cotas foi implementada gradualmente pelas universidades federais, com início em 2012. A lei preconiza que metade das vagas ofertadas seja reservada para estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. Dentro desse percentual, metade das vagas devem ser destinadas a alunos de famílias com renda inferior a 1,5 salário-mínimo, com subdivisões para estudantes negros (pretos ou pardos) e indígenas (PPI). Posteriormente foi acrescida a reserva de vagas para pessoas com deficiência (PCD). A porcentagem de vagas reservada para cada um desses critérios é definida de acordo com a proporção de pessoas identificadas como PPI ou PCD na unidade de federação em que se encontra a universidade, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 2014, a UFMG aderiu ao SISU (Sistema de Ingresso de Seleção Unificada), utilizando o processo seletivo do ENEM e gradualmente aumentando a porcentagem de vagas oferecidas pelo sistema de cotas. Em 2016, a UFMG consolidou a distribuição de vagas exigida pela Lei de Cotas. O curso de Medicina da UFMG oferta 320 vagas anuais, sendo o maior número de vagas para ingressantes em universidade pública do Brasil.
O Setor de Estatística da Pró-Reitoria de Graduação da UFMG, a pedido da diretoria da Faculdade de Medicina, analisou o desempenho acadêmico da turma de estudantes que ingressou no primeiro semestre de 2016 e se graduou entre 2021 e 2022. O objetivo foi comparar o rendimento acadêmico por meio da Nota Semestral Global (NSG) ao longo dos seis anos do curso e verificar se havia diferenças na permanência e conclusão do curso entre os estudantes que entraram pela ampla concorrência ou por meio das cotas. A NSG é obtida por meio da média das notas obtidas pelos estudantes nas atividades curriculares do semestre letivo.
No edital do SiSU UFMG em 2016, as vagas estavam distribuídas da seguinte forma: ampla concorrência: 160 vagas; reserva de vagas para estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escola pública: 160 vagas. Essas 160 vagas foram distribuídas em 4 modalidades:

Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre desempenho acadêmico dos alunos que ingressaram por qualquer modalidade de cotas e aqueles que ingressaram por ampla concorrência. Esse padrão se manteve durante todo o percurso curricular dos alunos. Além disso, a análise da situação dos ingressantes em 2016 após seis anos de curso também não evidenciou diferença estatisticamente significativa entre os desfechos de conclusão ou evasão.
A mediana dos valores de NSG dos estudantes ao longo de todo o curso foi de 87,6, conforme exibido na tabela 1. O valor mediano de NSG ao longo do curso não apresentou diferença significativa entre as modalidades de reserva de vagas e a ampla concorrência, variando entre 86,6 e 87,7. A Tabela 2 apresenta os percentuais obtidos para a situação dos alunos 12 semestres após o início do curso de medicina: 13,5% dos ingressantes ainda se encontravam em curso, 81,20% concluíram o curso no tempo regular e 5,2% apresentavam vínculo inativo com a instituição de ensino, sem diferença estatística entre as modalidades.
A divulgação desses dados é importante para combater preconceitos que persistem em relação ao novo perfil de estudantes que fazem parte da nossa faculdade. A relevância de ações afirmativas que promovem a equidade no acesso, a partir de trajetórias de vida e lugares sociais e históricos diferentes deve ser destacada. Entretanto as desigualdades não desaparecem durante o percurso na universidade e políticas de apoio e permanência são fundamentais para estudantes em situação de vulnerabilidade social. Por fim, ressaltamos que os resultados mais significativos não se expressam por meio de números e notas, mas na dinâmica da vida em nossos espaços e nos serviços de saúde, gradualmente mais coloridos, inclusivos, democráticos. A beleza de formar médicos e médicas que representam e compreendem nossa sociedade, plural e diversa.


* Professora do Departamento de Pediatria (PED) e vice-diretora da Faculdade de Medicina da UFMG.
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