Opinião: “Saúde dos adolescentes na pandemia: quando deixará de ser negligenciada?”


16 de setembro de 2021 - ,


Foto: Camila Batista/Secretaria Municipal de Saúde de Manaus

À medida que a vacinação dos grupos prioritários e da população acima de 18 anos foi alcançada, era elevada a expectativa de que se iniciasse a vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades até 15 de setembro, pois a Anvisa já aprovou a utilização da vacina da Pfizer nesta faixa etária e isso tem sido feito em diversos países há mais tempo, inclusive com outras vacinas, e também em diversas cidades brasileiras.

Em 02 de setembro de 2021, o Ministério da Saúde recomendou vacinar a população de 12 a 17 anos, iniciando pelos grupos mais vulneráveis e com comorbidades, e incluindo adolescentes sem comorbidades. A Nota Técnica dizia que “há a necessidade de vacinação de 85% ou mais da população para redução considerável da doença, a depender da efetividade da vacina, em prevenir a transmissão.” Isso certamente inclui a população de 12 a 17 anos. 5 Relatava ainda que 50% dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por covid-19 e 70% dos óbitos por covid-19 na população de 15 a 19 anos possuem ao menos um fator de risco. Olhando pelo lado inverso: metade da SRAG e 30% dos óbitos ocorreram em adolescentes SEM comorbidades.

Entretanto, em 15 de setembro, fomos surpreendidos com outra Nota Técnica da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Nota Técnica nº 40/2021-SECOVID/GAB/SECOVID/MS) que revisou a recomendação para imunização contra COVID-19 em adolescentes de 12 a 17 anos, restringindo o seu emprego somente aos adolescentes de 12 a 17 anos que apresentem deficiência permanente, comorbidades ou que estejam privados de liberdade, apesar da autorização pela Anvisa do uso da Vacina Cominarty (Pfizer/Biontech).

A justificativa apresentada se baseia em seis argumentos, que são, no mínimo, questionáveis:

  1. A Organização Mundial de Saúde não recomenda a imunização de criança e adolescente, com ou sem comorbidades.
  2. A maioria dos adolescentes sem comorbidades acometidos pela COVID-19 apresentam evolução benigna, apresentando-se assintomáticos ou oligossintomáticos.
  3. Somente um imunizante foi avaliado em ECR
  4. Os benefícios da vacinação em adolescentes sem comorbidades ainda não estão claramente definidos.
  5. Apesar dos eventos adversos graves decorrentes da vacinação serem raros, sobretudo a ocorrência de miocardite (16 casos a cada 1.000.000 de pessoas que recebem duas doses da vacina).
  6. Redução na média móvel de casos e óbitos (queda de 60% no número de casos e queda de mais de 58% no número de óbitos por covid-19 nos últimos 60 dias) com melhora do cenário epidemiológico.

Sobre a premissa 1, a OMS recomenda, com toda razão, que seja feito um esforço global para a vacinação com duas doses dos grupos prioritários em todos os países do mundo. Essa recomendação visa combater a desigualdade gravíssima em que vemos alguns países fazendo terceira dose e outros sem ter acesso à primeira dose.

Sobre as premissas 2 a 5, em 14 de setembro de 2021, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou excelente revisão sobre vacinação em crianças e adolescentes. A SBP, pelo Departamento Científico de Imunizações recomenda a aplicação da vacina COVID-19 de RNAm da Pfizer para todos os adolescentes maiores de 12 anos de idade, tendo como base os estudos clínicos desenvolvidos com esta vacina neste grupo etário, o licenciamento pela Anvisa para uso da mesma no Brasil e a experiência de uso em outros países. O documento destaca que, embora apresentem, na sua maioria, formas clínicas leves ou assintomáticas, crianças e adolescentes não estão isentos da ocorrência de formas graves, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e a Síndrome Inflamatória Multissistêmica (SIM-P). Relata que foram confirmados no Brasil 1.204 casos de SIM-P, com letalidade de 6,1%. A carga da doença em pediatria abrange também a persistência de sintomas (COVID longa): fadiga, cefaleia, sonolência, perda de concentração e anosmia. A SBP informa que mais de 2.000 crianças e adolescentes perderam a vida para a COVID-19 desde o início da pandemia, o que supera a soma de mortos por todas as doenças imunopreveníveis na infância em nosso país. Portanto, a carga da doença não é negligenciável na população pediátrica. Fatores sociais, econômicos, demográficos e a presença de comorbidades têm também sido associados a um risco maior de gravidade. vacinação de adolescentes permitirá que eles se reintegrem à sociedade e retomem o aprendizado presencial com segurança, que são resultados especialmente importantes, dados os graves efeitos da pandemia de COVID-19 na saúde mental dessa população.

Por fim, a premissa 6 reforça a efetividade da vacinação e a possibilidade de realizar a ampliação da cobertura para adolescentes, grupo de menor risco.

Como questionou Pedro Curi Hallal, epidemiologista, professor da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil, no Twitter hoje: “100% errada a decisão de suspender a vacinação em adolescentes. Até quando vão tratar a pandemia com abordagem clínica, e não coletiva? É verdade que a maioria dos adolescentes não terá caso grave, mas quanto mais gente vacinada, mais difícil para o vírus circular.”

Os adolescentes apresentam riscos semelhantes de adoecimento e óbito pela COVID-19 quando comparados aos jovens adultos. Pesquisadores da UFMG demonstraram que o número de óbitos em crianças e adolescente no Brasil foi sete vezes maior do que no Reino Unido, em decorrência de situações de vulnerabilidade socioeconômica. E ocorreu especialmente em adolescentes na faixa etária em que a vacina foi autorizada, com e sem comorbidades.¹

Existem evidências de que as vacinas previnem a transmissão do SARS-CoV-2. Um estudo feito no Reino Unido mostrou que adultos que se infectaram três semanas ou mais após receber a primeira dose da vacina da Pfizer-BioNTech ou da AstraZeneca, eram 38 a 49% menos prováveis de transmitir o vírus para aqueles que moravam na própria casa e não estavam vacinados. Vacinar adolescentes, portanto, representaria uma provável diminuição na transmissão do vírus nos ambientes que eles frequentam, como suas casas, escolas e comunidade. A vacinação desse grupo também possibilitaria redução nos riscos de surtos em escolas e da necessidade de isolamento de contatos no ambiente escolar.²

Assim incluir a vacinação de adolescentes contribui para reduzir a circulação do vírus e protege também toda a população!

Uma carta publicada por famílias e cientistas britânicos, observando o que está acontecendo nas escolas por lá, recomendou fortemente que se ofereça vacinas a todas as crianças acima de 12 anos, com distribuição nas escolas para maximizar o acesso e a adesão. ³

É preocupante a divulgação da aplicação da terceira dose em idosos sem nenhum planejamento da vacinação de adolescentes sem comorbidades em BH. Recomendar a terceira dose significa uma mudança significativa no planejamento da vacinação, uma mudança de regime de doses. Na sequência, poderá ocorrer a indicação da terceira dose para trabalhadores da saúde, educação, etc., resultando em adiamento indefinido da vacinação de crianças e adolescentes. É possível caminhar em paralelo e não de forma a simplesmente excluir adolescentes.

O dilema entre vacinar a primeira dose em adolescentes ou fazer terceira dose naqueles que já receberam a segunda dose há seis meses não é simples de responder. E para contribuir, consideramos que é importante apresentar a visão de pediatras, que trabalhamos durante toda a pandemia atendendo crianças e adolescentes. Infelizmente, temos diagnosticado diversos adolescentes com grave comprometimento da saúde mental. Sentimentos de insegurança, incerteza frente ao futuro, com o agravamento da crise econômica e política, associados ao isolamento social e ao adoecimento e óbito de amigos e familiares os tem levado a transtornos de depressão e ansiedades severos. Vacinar os adolescentes, em conjunto com a aplicação das medidas sanitárias, permitiria atividades na escola com maior segurança e um encontro com os pares, reduzindo sentimentos de ansiedade, insegurança e tristeza.

A argumentação de aumento da proporção do número de hospitalizações em idosos parece apresentar um problema de interpretação estatística. Como explica o pesquisador Mauricio Nogueira, livre docente e virologista da USP, esse efeito é esperado à medida que se amplia a cobertura vacinal da população adulta. Com a população totalmente vacinada, retorna-se à distribuição proporcional das internações e óbitos observados no início, sabidamente maior em idosos. Se não houve aumento do número absoluto de mortes, isso não significa necessariamente falha da vacina. E mesmo o aumento absoluto se refere ao aumento da incidência de casos decorrente principalmente do relaxamento das medidas preventivas e do surgimento da variante delta. Ainda há muitas dúvidas sendo estudadas em relação à necessidade e efetividade da terceira dose para pessoas sem deficiência imunológica.⁴

Crianças e adolescentes não vacinados podem se tornar o nicho de novas variantes e poderão surgir inclusive variantes mais adaptadas e nocivas a eles. Na visão de pediatras que se sentem no dever de dar voz aos direitos e promover a saúde de crianças e adolescente, achamos temeroso esperar a situação se agravar nos adolescentes para pensar em protegê-los. 

Por todos estes motivos defendemos que a vacinação dos adolescentes a partir de 12 anos, com e sem comorbidades, deve ser uma prioridade, enquanto política de saúde coletiva.

Por: Cristina Gonçalves Alvim (professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG) e Aline Almeida Bentes (professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG e médica da Rede de Médicas e Médicos Populares).

Referências:

  1. (www.thelancet.com/child-adolescent Vol 5 August 2021)
  2. Link: https://bit.ly/3yA6DNJ
  3. (https://blogs.bmj.com/bmj/2021/09/03/englands-schools-must-be-made-safe-an-open-letter-to-the-education-secretary/)
  4.  (https://youtu.be/ZSTrrVb-5l4)
  5. Nota Técnica No 36/2021-SECOVID/GAB/SECOVID/MS, do Ministério da Saúde, Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à COVID-19, de 02 de setembro de 2021

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