Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG investiga impactos da episiotomia na qualidade de vida pós-parto
Popularmente conhecido como “pique”, o procedimento cirúrgico realizado durante o parto vaginal, que envolve uma incisão no períneo, surpreende ao não apontar diferenças significativas
04 de novembro de 2024 - Impactos da epsiotomia, qualidade de vida, Vida pós parto
A realização de episiotomia, tem sido um tema de debate entre profissionais de saúde e ativistas pelos direitos das mulheres. Buscando trazer novas evidências para essa discussão, uma pesquisa conduzida na Faculdade de Medicina da UFMG buscou avaliar os efeitos dessa intervenção na qualidade de vida pós-parto e na função do assoalho pélvico de mulheres que deram à luz através do parto normal.
A episiotomia é um procedimento cirúrgico realizado durante o parto vaginal, que envolve uma incisão no períneo – a área entre a vagina e o ânus – para ampliar a abertura vaginal. O objetivo é facilitar a passagem do bebê, prevenir lacerações descontroladas no tecido perineal e em situações de emergência, acelerar o parto.
O estudo, conduzido pela pesquisadora Cláudia Laranjeira sob orientação do professor Henrique Vitor Leite, tem uma abordagem inédita ao investigar os impactos específicos da episiotomia médio lateral na qualidade de vida pós-parto e na função do assoalho pélvico. A pesquisa comparou mulheres que passaram pelo procedimento com aquelas que tiveram parto sem a realização da episiotomia.
Principais resultados
Contrariando as expectativas iniciais, o estudo não encontrou uma diferença significativa de vida entre mulheres que passaram pela episiotomia médio lateral e aquelas que não foram submetidas ao procedimento. Essa avaliação foi realizada por meio de um questionário validado.
“Os resultados finais nos surpreenderam, pois estudos anteriores sugerem que, embora temporários, os sintomas de disfunções do assoalho pélvico após o parto interferem nas atividades rotineiras das mulheres”, revela a pesquisadora Cláudia.
A pesquisa utilizou uma base de dados de um serviço privado na região metropolitana de Belo Horizonte. Por ser um estudo prospecto, todas as participantes eram mulheres que tiveram parto vaginal e foram atendidas durante o período do estudo. “As participantes foram avaliadas uma ou duas vezes após o parto pela mesma equipe médica e responderam a um questionário de qualidade de vida validado na língua portuguesa”, detalha a pesquisadora.
Entre os sintomas relatados pelas puérperas estavam incontinência urinária e fecal, dor perineal e dor durante a relação sexual, todos classificados como de disfunções do assoalho pélvico, conforme terminologias das Sociedades Internacionais de Uroginecologia. É importante destacar que a retomada tardia da atividade sexual, observada em muitas mulheres do grupo estudado, pode ter influenciado a percepção e a análise desses sintomas.
O estudo enfrentou algumas limitações, como o número reduzido de puérperas participantes – totalizando apenas 79 – e o período de coleta de dados, que coincidiu com a pandemia de Covid -19, o que resultou na perda significativa de participantes. Apesar desse obstáculo, a pesquisa conseguiu coletar dados suficientes que contribuíram de maneira relevante ao entendimento sobre o impacto da episiotomia na vida das mulheres.
Impacto na prática clínica e recomendações
A pesquisa foi motivada por uma publicação da Cochrane que indicava que a episiotomia não traz benefícios para a mulher. A pesquisadora Cláudia Laranjeira, que tem experiência próxima com os dilemas da assistência obstétrica, especialmente frente aos novos paradigmas e aos movimentos ativistas contra a violência obstétrica, percebeu a necessidade de investigar os reais impactos da episiotomia médio lateral na vida das mulheres. “Essa experiência consolidou meu compromisso com uma prática obstétrica humanizada e baseada em evidências, sempre buscando a melhor assistência para as mulheres e seus bebês”, afirma a pesquisadora.
Cláudia observou uma mudança positiva nas práticas obstétricas ao longo das últimas décadas, destacando que a taxa de episiotomia caiu cerca de 75% para aproximadamente cerca de 20%. Este é um sinal de evolução na assistência obstétrica em direção a práticas mais restritivas e fundamentadas em evidências científicas.
Com base nos resultados de sua pesquisa, Cláudia recomenda que obstetras e profissionais de saúde continuem a adotar uma abordagem restritiva ao uso episiotomia, realizando o procedimento apenas quando absolutamente necessário. Ela destaca que é fundamental assegurar aos pacientes que a episiotomia, quando realizada de forma seletiva, não compromete a qualidade de vida. “É importante que as gestantes sejam bem orientadas durante o pré-natal sobre os reais impactos da episiotomia médio lateral, realizada de forma restritiva. Além disso, o cuidado pós-parto com equipe especializada, incluindo fisioterapia, deve ser reforçado para mitigar eventuais disfunções”, acrescentou Cláudia.
Próximos passos e implicações para políticas de saúde
Embora o número de participantes tenha sido considerado suficiente para a pesquisa, Cláudia acredita que a ampliação do estudo aumentaria sua robustez e capacidade de generalização. Ela também vê os resultados como uma base sólida para a revisão de políticas de saúde pública, argumentando que a episiotomia, quando realizada de forma seletiva e necessária, não pode ser considerada uma forma de violência obstétrica.
“A episiotomia médio lateral realizada de forma seletiva, sempre que necessário, pode continuar a ser praticada com segurança, sem impacto negativo na qualidade de vida das mulheres, o que é essencial para a prática obstétrica humanizada e baseada em evidências”, conclui Cláudia.
Pesquisa: Impacto da Episiotomia Médio Lateral na Qualidade de Vida Pós-Parto e Função do Assoalho Pélvico em Mulheres Assistidas em um Serviço de Saúde Suplementar de Minas Gerais
Programa: Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Cirurgia e à Oftalmologia
Autora: Cláudia Lourdes Soares Laranjeira
Orientadora: Henrique Vitor Leite
Data de defesa: 17 de junho de 2024