Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG traça perfil de crianças hospitalizadas com covid-19

Número de óbitos de crianças no Brasil é maior do que observado em outros países; maior risco foi para grupos de crianças indígenas, de regiões mais pobres, com comorbidades, adolescentes ou menores de dois anos


11 de junho de 2021 - , , ,


Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG, publicada nesta quinta-feira (10 de junho) na revista The Lancet Child and Adolescent Health, traçou o perfil das crianças brasileiras hospitalizadas com covid-19. Entre os principais achados, fatores como a vulnerabilidade social e menor acesso à saúde pesaram tanto quanto comorbidades para o pior prognóstico das crianças brasileiras quando comparadas aos estudos publicados na literatura internacional (7,6% de mortalidade no Brasil contra 1% em estudo feito com mesmo grupo no Reino Unido).

O estudo foi conduzido pelos professores do Departamento de Pediatria (PED) da Faculdade, Eduardo A. Oliveira, Ana Cristina Simões e Silva e Maria Christina Lopes, com a participação do professor Enrico Colosimo do Departamento de Estatística (UFMG), dos pesquisadores da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Hercílio Martelli-Júnior e Daniella Barbosa Martelli, do pesquisador Robert Mak, da University of California, San Diego, e da aluna da Faculdade de Medicina e bolsista da iniciação científica pelo CNPq Ludmila R. Silva.  

O estudo traçou o perfil das crianças brasileiras hospitalizadas com covid-19. Foram analisados dados de mais de 80 mil crianças internadas em hospitais brasileiros em 2020 com suspeita da doença. Destas, 11.613 tiveram comprovação laboratorial da infecção pelo SARS-CoV-2 e foram incluídas na análise. Esta é a maior coorte pediátrica de covid-19 já publicada até este momento. O estudo contou com recursos da FAPEMIG e do CNPq.

Em primeiro lugar, a alta taxa de mortalidade no Brasil chamou a atenção dos pesquisadores. Enquanto uma coorte prospectiva no Reino Unido com crianças hospitalizadas apontou para mortalidade de 1% (todas com comorbidades), no estudo feito com dados do Brasil o número foi de 7,6%. “Entendemos que os poucos recursos disponíveis para a  assistência à saúde, incluindo a pouca disponibilidade de UTI pediátricas, pode ter impactado nessa realidade”, destacam os professores. Os pesquisadores ressaltam ainda que o estudo analisou dados de crianças hospitalizadas, ou seja, com formas moderadas e graves, não incluindo dados sobre as formas leves.

Entre os fatores de risco para maior mortalidade foram identificadas a idade, a etnia, a macrorregião geográfica de origem e a presença de comorbidades. No fator idade, a mortalidade foi maior entre menores de 2 anos e em adolescentes (entre 12 a 19 anos). Pacientes da região Nordeste ou Norte do país também tiveram maior risco de um desfecho adverso comparado aos da região Sudeste. Crianças indígenas tiveram pelo menos o dobro de risco de morte em relação às de outras etnias. Outro ponto observado foi o aumento progressivo da incidência de mortes a partir do número de comorbidades, ou seja, o risco do desfecho negativo é maior a cada doença pré-existente a mais que a criança tenha. 

Para os pesquisadores, a pesquisa revela como as desigualdades sociais pesam nos desfechos de covid-19 tanto quanto as comorbidades na faixa etária pediátrica. “Os resultados mostram o perfil das crianças hospitalizadas e estabelece os fatores de risco de forma bastante consistente. Nenhum outro estudo sobre o tema utilizou uma população pediátrica tão grande. Com isso, vemos as precariedades da saúde de regiões mais pobres e as diferenças nas condições de cuidado e acesso às UTIs no Brasil”, afirmam. 

The Lancet é uma revista científica sobre medicina com revisão por pares, publicada semanalmente. É uma das mais antigas e conhecidas revistas médicas do mundo. A publicação é feita pela editora Elsevier, no Reino Unido.

Dados

Os dados foram coletados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), que é um banco de dados nacional com pacientes dos sistemas público e privado. “O SIVEP foi criado na época da epidemia de H1N1 e, com a pandemia de covid-19, foi convencionado que deveria ser o sistema para registro de todos os casos da doença evoluindo com desconforto respiratório”, explicam os professores.

Os dados são de domínio público e incluem internações tanto em hospitais públicos quanto privados, de todo o país. A equipe da pesquisa extraiu do sistema todos os casos confirmados de covid-19 referentes à população pediátrica (menores de 20 anos), entre 16 de fevereiro de 2020 e 9 de janeiro de 2021. Nesse contexto, os pesquisadores fazem um agradecimento especial no artigo para todos os profissionais de saúde da linha de frente pela coleta sistemática de dados para o banco de dados SIVEP-Gripe em condições adversas e para seus esforços para enfrentar a pandemia COVID-19 no Brasil.

Dos 82.055 pacientes pediátricos relatados no SIVEP-Gripe durante o período do estudo, 11.613 (14,2%) tinham dados disponíveis mostrando infecção por SARS-CoV-2 confirmada em laboratório e foram incluídos na amostra. 

Entre esses pacientes, 886 (7,6%) morreram no hospital (em uma média de 6 dias após a admissão hospitalar), 10.041 (86,5%) pacientes receberam alta do hospital, 369 (3,2%) estavam no hospital no momento da análise e 317 (2,7%) não tinham informações sobre o desfecho. A probabilidade estimada de morte foi de 4,8% durante os primeiros 10 dias após a internação, 6,7% nos primeiros 20 dias e 8,1% ao final do seguimento. 

A principal conclusão do estudo, ressaltam os professores, é que, como observado em estudos nacionais e internacionais de pacientes adultos, desigualdades sociais e nos cuidados de saúde podem contribuir para aumentar o impacto negativo da doença em crianças e adolescentes mais vulneráveis e socioeconomicamente desfavorecidos no Brasil. “Fatores sociais e biológicos parecem estar intrinsecamente interligados e podem agir sinergicamente para aumentar o impacto da doença para esta população mais vulnerável”, entendem.

Os pesquisadores esperam que os dados possam ser utilizados pelo poder público. “Vimos que os desfechos foram melhores nas regiões Sudeste e Sul, que têm maior acesso à UTI. Outro ponto é que a população indígena é muito vulnerável à covid-19, tanto em termos de tratamento como na prevenção. Com o apontamento dessas peculiaridades podemos orientar políticas públicas”, defendem. Eles salientam que as necessidades específicas de pacientes pediátricos mais suscetíveis devem ser consideradas no contexto de futuras direções para medidas preventivas e estratégias terapêuticas para esses grupos. 

Clique aqui para ler o artigo completo.

Além da publicação do artigo, a professora Ana Cristina Simões e Silva participou de um podcast da revista Lancet, com comentários sobre o estudo. Clique aqui para ouvir (em inglês). Além do artigo e do podcast, também foi publicado um comentário editorial por pares, feito pelos pesquisadores Cesar Victora e Oscar Mujica.

Após a publicação sobre pacientes pediátricos, a equipe espera explorar mais dados do sistema. “Estamos trabalhando nos dados para avaliarmos o impacto da covid-19 em pacientes com doenças e comorbidades específicas, tais como indivíduos transplantados ou com doenças crônicas”, antecipam os professores.