Pesquisa identifica fatores genéticos associados à hemoglobina fetal na anemia falciforme


17 de julho de 2017


Resultados podem contribuir para melhorar curso clínico da doença.

O aumento da Hb favorece a sobrevida de pessoas com doença falciforme.

Um dos elementos responsáveis por melhorar a condição clínica das pessoas com doença falciforme, a hemoglobina fetal (Hb F) tem sua produção definida por uma soma de fatores genéticos. Para verificar a relação entre um conjunto específico desses fatores e a produção de Hb F na anemia falciforme, forma mais grave da doença, estudo da UFMG avaliou amostras sanguíneas de 233 crianças e jovens com a doença acompanhados pela Fundação Hemominas, em Belo Horizonte. Os resultados da pesquisa, presentes em dissertação defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG, indicaram que sete fatores, existentes nas regiões BCL11A e HBS1L-MYB do DNA, têm ligação direta com a concentração da Hb F em pessoas com anemia falciforme, além de associarem-se a outros elementos hematológicos importantes no curso clínico da doença.

De acordo com a bióloga e autora da pesquisa, Rahyssa Rodrigues, há muitos estudos e evidências clínicas que demonstram a ligação entre Hb F e doença falciforme: “O aumento da Hb F está associado ao aumento de sobrevida dos pacientes, aumento de sobrevida das hemácias (glóbulos vermelhos), diminuição de episódios como a síndrome torácica aguda e outros”. Segundo Rahyssa, isso ocorre porque a Hb F evita o acúmulo (polimerização) da Hb S no sangue. Esse acúmulo da Hb S, hemoglobina variante que predomina nas pessoas com doença falciforme e tende a assumir o formato de foice em condições de baixa oxigenação, é um dos fatores que desencadeia complicações como obstrução dos vasos sanguíneos, crises de dor, anemia e infecções. “A Hb F inibe essa polimerização e pode levar a um fenótipo menos grave da doença”, informa.

A pesquisadora explica que, por uma questão evolutiva, as pessoas com doença falciforme tendem a apresentar uma quantidade maior de Hb F em comparação à população geral. “Normalmente, a Hb F começa a ser produzida a partir do terceiro mês de gestação e predomina no organismo em relação à Hb A (hemoglobina do adulto) até uns três meses após o nascimento. O nível da Hb F estabiliza-se depois com concentração residual por volta de 1%”, declara. Já nas pessoas com doença falciforme, a estabilização da Hb F ocorre apenas por volta dos cinco anos e a quantidade total é muito variável. “E há as estratégias terapêuticas para aumentar essa concentração ao longo da vida, como, por exemplo, o medicamento hidroxiureia e as transfusões sanguíneas”, pontua.

Fatores genéticos e Hb F

Rahyssa Rodrigues avaliou fatores genéticos associados à Hb F na doença falciforme. Foto: Rafaella Arruda.

O estudo buscou avaliar a associação entre fatores genéticos de três principais regiões do DNA envolvidas na regulação da Hb F (BCL11A, HBBP1 e HBS1L-MYB) e a concentração relativa total da hemoglobina. Trata-se do primeiro estudo sobre regulação genética da Hb F em pessoas com doença falciforme de Minas Gerais. “Avaliamos crianças e jovens entre os cinco e 18 anos, diagnosticadas com anemia falciforme a partir da triagem neonatal e acompanhadas no Hemocentro de Belo Horizonte”, cita Rahyssa.

Para cada fator genético estudado, 11 no total, a pesquisa comparou a média de Hb F entre os diferentes genótipos. “Concluímos que sete fatores genéticos, localizados nas regiões BCL11A e HBS1L-MYB do DNA, estão associados à concentração de Hb F na população pediátrica com anemia falciforme de Minas Gerais”, afirma a bióloga. O estudo também encontrou uma média de 13,25% de Hb F no grupo de crianças estudadas. “Os resultados corroboram a maioria dos estudos previamente publicados em outros países”, acrescenta.

Além disso, foram encontradas associações com outras características hematológicas importantes da doença falciforme, como a concentração de Hb total, saturação periférica de oxigênio e contagem de reticulócitos, leucócitos e plaquetas. Um dos fatores genéticos localizado na região HBS1L-MYB, por exemplo, foi significativamente associado ao aumento de Hb F, Hb total e oxigênio e à diminuição da contagem de leucócitos e reticulócitos. Como explica Rahyssa, os leucócitos estão relacionados à resposta inflamatória, portanto, quanto maior a quantidade, maior a tendência de estar ocorrendo inflamação. Já os reticulócitos são precursores das hemácias e produzidos na medula óssea: “É normal a quantidade estar aumentada na doença falciforme para ‘compensar’ a destruição das hemácias”.

Prática clínica
Rahyssa aponta que os resultados da pesquisa são promissores, uma vez que revelou evidências não apenas em relação à Hb F, mas a outros fatores hematológicos importantes da doença: “As associações encontradas podem auxiliar na identificação de crianças com maior ou menor probabilidade de desenvolver a doença falciforme em sua forma clínica mais grave e, assim, serem úteis na conduta clínica dos pacientes por parte dos médicos e responsáveis”.

A perspectiva também é identificar novos alvos farmacológicos e terapêuticos para tratamento da doença. Segundo a pesquisadora, se for possível identificar os mecanismos genéticos e moleculares que aumentam a Hb F, podem ser propostos recursos que elevem a Hb F nesses pacientes para melhoria do curso clínico. “Até o momento só há a hidroxiureia, mas talvez a gente possa fazer isso em uma terapia gênica, por exemplo”, opina. “Em Minas foi um estudo pioneiro, mas precisamos de validação em outras populações”, completa.
Avaliação da modulação dos níveis de hemoglobina fetal em crianças com anemia falciforme triadas pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais e acompanhadas no Hemocentro de Belo Horizonte da Fundação Hemominas

Autora: Rahyssa Rodrigues Sales
Data da defesa: 29/05/2017
Orientação: Marcos Borato Viana
Coorientação: André Rolim Belisário