Pesquisa identifica intervenção que reduz sintomas depressivos em mães vulneráveis


30 de outubro de 2018


Estudo propôs intervenção que aproxima mães e recém-nascidos por meio de método que traduz a “linguagem” dos bebês. Os benefícios foram maiores entre mães em situação de vulnerabilidade.

*Raíssa César

A ideia de uma maternidade perfeita, na qual será a experiência mais empolgante da vida da mulher, nem sempre se concretiza na realidade. A depressão pós-parto acomete uma em cada quatro mães, de acordo com a pediatra Juliana Goulart Dias da Costa. Para diminuir a prevalência dessa depressão na mulheres, ela desenvolveu um programa de intervenção intergeracional durante seu mestrado, defendido pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade.

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A intervenção intergeracional é responsável por envolver mãe e bebê por meio da observação dos recém-nascidos e de conversas entre grupos de mães sobre suas crianças. “Tratar apenas a mãe pode ajudar na melhora dos sintomas de depressão, mas isso não significa que a relação com o filho vai melhorar. Essa intervenção constrói uma ponte entre a relação mãe-filho”, explica a pediatra.

A intervenção foi realizada durante o primeiro ano de vida do bebê. Inicialmente, os profissionais de saúde aplicaram método que consiste na observação de 18 itens nos recém-nascidos. Entre eles, foram observadas as respostas autonômicas dos bebês, como cor da pele e padrão respiratório, e as respostas motoras, como tônus de braços, pernas, ombro e pescoço.

A observação ocorreu antes da saída da maternidade e aos dois meses de idade. O objetivo foi mostrar para esse grupo de que maneira a criança é capaz de responder ao ambiente. É como se fosse uma “tradução” de uma língua estrangeira, para facilitar comunicação entre mãe e bebê.

No segundo momento, foi realizada uma reunião em grupos de mães e cuidadores, mediados por um profissional de saúde, aos dois, quatro, seis, nove e, novamente, aos 12 meses de idade. Nesses grupos, as mães conversavam sobre o desenvolvimento da criança, além de confeccionarem o Livro do Bebê.

“Fizemos um livro em formato de fichário, que era montado ao longo desse um ano de acompanhamento”, afirma Juliana. Segundo ela, as folhas que compunham o livro tinham orientações sobre o desenvolvimento, dicas de como estimular o bebê, o que a família poderia fazer para se aproximar dele e uma página livre. “Ele acabou se tornando, também, um registro do primeiro ano dos filhos”, continuou.

Bolsa família 

Os efeitos da intervenção foram analisados no grupo total, que continha todas as mães, e também apenas nas mães que recebiam o bolsa família. O programa governamental foi usado como marcador de vulnerabilidade social.

Na análise das mães que recebiam o bolsa família, a intervenção resultou em uma redução de mais de duas vezes da chance de apresentar os sintomas depressivos. Juliana defende que essas famílias vivenciam com maior frequência muitos fatores de estresse, que configuram o denominado estresse tóxico. O conceito remete aos fatores estressantes que levam a mudanças físicas no organismo.

Livro traz orientações sobre o desenvolvimento dos bebês e dicas de como estimula-los, contribuindo para a interação entre mães e filhos.

De acordo com a literatura, relações interpessoais seguras e afetivas adequadas podem proteger as crianças desses fatores estressantes. “Se formos capazes de fortalecer e dar condições para as famílias cuidarem das crianças, é possível minimizar esses fatores de estresse. Foi o que buscamos fazer na intervenção, atuando tanto nas mães quanto nas crianças”, argumenta a pediatra.

No entanto, o impacto da intervenção com o grupo total de mães não se mostrou estatisticamente significativo. Segundo a pesquisadora, esse resultado pode estar relacionado ao tempo de intervenção. Isso porque a última avaliação em grupo foi feita aos nove meses, antes que a intervenção acabasse. “É possível que isso tenha acontecido porque o período analisado foi curto. Os dados demonstraram uma pequena queda na prevalência dos sintomas depressivos, então, se a avaliação fosse feita ao final da intervenção, após os 12 meses, era provável que apresentasse diferença estatística”, esclarece.

Vulnerabilidade 

A pesquisa demonstrou que os grupos em maior vulnerabilidade são mais beneficiados pela intervenção. “Nosso grande desejo é que a depressão pós-parto seja reconhecida como algo que traz muito sofrimento e muitas consequências negativas, e que nós tenhamos políticas públicas para combater esse problema”, disse Juliana. “Seria interessante começar implementando essa política pública nesses grupos que vão ter um maior benefício, que são os mais vulneráveis”, concluiu.

Cuidar e Crescer Juntos

O estudo de Juliana faz parte do Projeto Cuidar e Crescer Juntos, uma parceria entre a Faculdade de Medicina da UFMG, o Hospital Sofia Feldman, o Hospital das Clínicas da UFMG e a instituição canadense Saving Brains, que financia trabalhos na área de desenvolvimento infantil. Idealizado pela professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Cláudia Regina Lindgren Alves, o projeto agrega diferentes pesquisas voltadas para a avaliação, estimulação e promoção do desenvolvimento em crianças que nasceram nas instituições participantes.

Nome do trabalho: Impacto de um programa de intervenção psicossocial intergeracional na prevalência de sintomas depressivos maternos no primeiro ano após o parto

Autora: Juliana Goulart Dias da Costa

Nível: Mestrado

Programa: Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Saúde da criança e do adolescente

Orientadora: Cláudia Regina Lindgren Alves

Data da defesa: 27 de março de 2018

*Redação: Raíssa César – estagiária de Jornalismo
Edição: Mariana Pires