Pesquisa relaciona Fica Vivo e redução de homicídios em bairro de BH
10 de março de 2015
“O programa Fica Vivo tem dado certo”. Essa foi a conclusão que a aluna Ângela Nogueira Souza chegou, ao defender sua dissertação junto ao Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG. “O programa quer reduzir a violência que o tráfico tem capitalizado, e os homicídios de jovens diminuíram desde que ele entrou na comunidade da Cabana do Pai Tomás”.
A pesquisa, realizada no aglomerado, teve como objetivo estudar como são estabelecidas as relações dos jovens atendidos pelo programa Fica Vivo, da Secretaria de Estado da Defesa Social, com a criminalidade violenta. Ângela analisou relatórios dos atendimentos psicossociais oferecidos e entrevistou cinco jovens, entre 18 e 29 anos, que participam ou já participaram das atividades do programa de controle de homicídios e do tráfico de drogas.
“Os jovens mais antigos que eu entrevistei me disseram que os grupos eram mais violentos, porque era pela violência que eles obtinham reconhecimento. Os mais novos, dos jovens que vieram das oficinas, dizem estar formando um grupo diferente, que resolvem os conflitos de outra forma, e buscam reconhecimento não através do trafico ou violência, mas através de festas que realizam na comunidade”, explica a autora.
Em 2004, quando a iniciativa estadual chegou à Cabana, o cenário era de guerra, segundo moradores da comunidade. Dados do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) apontavam a região como uma das mais violentas de Belo Horizonte, tendo sido registrados 37 homicídios naquele ano. A queda desses números foi gradativa ao longo dos anos, passando para 11 em 2012.
A proposta inicial do programa era de repressão à criminalidade, ou seja, prender os jovens que cometiam crimes de homicídios e ofertar algo para quem desejasse sair das redes do tráfico de drogas. “Os profissionais tinham uma idéia formal de que o jovem ia para oficina, depois escola e trabalho, como se fossem problemas apenas de oferta destes serviços; mas os jovens nos ensinaram que suas saídas não são construídas nesta lógica gradual, porque suas trajetórias na criminalidade são complexas e, portanto suas saídas também são acompanhadas de progressos e retrocessos e alguns nem vão ingressar nestas políticas públicas que lhes são ofertados”. Por isso, o programa modificou-se, e cedeu espaço à liberdade e à participação dos jovens, para que eles construíssem suas próprias alternativas. “E podemos dizer que a criminalidade do tráfico de drogas está se dando com menos violência naquela comunidade, porque os jovens estão mediando os conflitos pelo diálogo”. Mas ainda “existe o equívoco de que o programa é para tirar o jovem do tráfico, e por isso não é bem isto. O objetivo principal do Fica Vivo é diminuir os homicídios entre os jovens”, conta Ângela.
A orientação do programa é de não se repetir a lógica que vigora no senso comum, segundo a qual a única prevenção, com chances de sucesso, deve ocorrer antes de o jovem entrar para a criminalidade. As ações visam não condenar a conduta dos jovens, nem transformá-lo em vítima, mas interferir no contexto local, nas relações sociais estabelecidas pelo jovem na comunidade, sendo esta uma mudança de cultura, que é um trabalho conseguido ao longo prazo.
Fica vivo
Além de oferecer cerca de 600 oficinas voltadas para o esporte, a arte e a cultura, o programa faz atendimentos psicossociais, “muito importantes para acolher, dialogar e fazer vacilar as certezas sobre a racionalidade da competição e sobrevivência de guerra dos jovens”, segundo a autora da pesquisa. Eles também relataram à Ângela que, no tempo que eles estão nas oficinas, suspendem a criminalidade da vida deles.
“O resultado mais expressivo é a diminuição dos homicídios. Os jovens disseram ter aprendido a dialogar. Não digo que eles se preocupam com a vida do outro, porque estão ainda aprendendo a preservar a própria vida e esse também é um dos efeitos”, conclui.
Título: Entrelaçamento dos saberes: as alternativas construídas pelos jovens participantes do programa Fica Vivo
Nível: Mestrado
Autora: Ângela Maria Dias Nogueira Souza
Orientadora: Andrea Maria Silveira
Coorientador: Walter Ernesto Ude Marques
Programa: Promoção da Saúde e Prevenção da Violência
Defesa: 28 de junho de 2013