Pesquisa revela aumento na incidência de sífilis em gestantes e alerta para subnotificação dos casos

Estudo da Faculdade de Medicina da UFMG adverte sobre o risco do aumento de casos e da subnotificação de uma doença que pode causar malformação congênita, prematuridade e mortalidade de bebês.


19 de setembro de 2022 - , , , , , ,


Madu Mendonça*

Somente em 2020 foram registrados mais de 22 mil casos de sífilis congênita no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. Mas esses índices podem ser ainda maiores devido à subnotificação da doença. Um exemplo desse cenário foi apresentado em uma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina da UFMG, que identificou aumento progressivo das taxas de detecção da sífilis em gestantes e a incidência em crianças. Ao mesmo tempo, também apontou falta de notificação em 40,9% dos quadros de sífilis congênita em Betim (MG), um município de referência no tratamento da doença. 

Esse estudo foi desenvolvido durante o doutorado da epidemiologista Cristiane Campos Monteiro no Programa de Pós-Graduação em Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade. Ela relacionou a incidência de sífilis congênita, sífilis em gestantes e óbitos causados pela doença com base em dados dos sistemas de informação em saúde, a fim de analisar a situação da infecção e subnotificação dos casos.

Na análise realizada com 411 gestantes e 289 crianças, além da subnotificação dos quadros de sífilis congênita, não foram notificados 33,3% dos óbitos infantis pela doença. E no caso da sífilis em gestantes, esse número chegou a 17,2%

De acordo com Cristiane Monteiro, esse é um dado preocupante, já que a identificação precoce é fundamental para o sucesso do tratamento e redução das diversas consequências que a sífilis pode causar à saúde da mãe e do bebê. Ela comenta que a mortalidade do feto, durante a gestação, pode afetar 40% nos primeiros meses de vida.

Cuidado conjunto

O diagnóstico da sífilis em gestantes deve ser realizado durante o pré-natal e, para os resultados positivos, o tratamento está disponível nas Unidades Básicas de Saúde. No entanto, a pesquisa revelou que 97,9% das gestantes diagnosticadas nas consultas de pré-natal não completaram o tratamento, o que é fundamental para a cura da doença e interrupção do ciclo de transmissão, ou não foram incluídas nas notificações, segundo Cristiane. Por esse motivo, ela chama atenção para a necessidade do aumento na qualidade da assistência médica e preenchimento adequado da notificação. 

“Também é importante haver mais qualidade de assistência no pré-natal, desde o preenchimento de dados no cartão da gestante, na notificação até a abordagem do parceiro. ”

Destaca Cristiane Campos

Outro alerta da pesquisadora é que os parceiros sexuais também devem fazer o tratamento para não reinfectar a gestante. Mas, seu estudo apontou que 88,2% deles não se trataram. “É preciso tratar o parceiro no mesmo momento. O não tratamento do parceiro pode levar a uma reinfecção da gestante. Mesmo quando ela faz o tratamento correto, se reinfectada, precisará tratar novamente”, explica Cristiane. 

Subnotificação em todo o território nacional

Cristiane Campos Monteiro na 10ª Conferência Científica Regional das Américas, promovida pela Rede de Programas de Treinamento em Epidemiologia e Intervenções em Saúde Pública (TEPHINET). Foto: Anselmo UBL

O estudo relacionou dados retrospectivos de 2010 a 2018 sobre a sífilis em três sistemas de vigilância epidemiológica: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) do município de Betim, cidade referência no atendimento de gestantes e crianças na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Apesar dos dados serem específicos desse município, Cristiane destaca que a subnotificação é um problema que se expande a todo o Brasil. E que os resultados da pesquisa só reforçam a importância de uma assistência à saúde de qualidade à gestante, ao parceiro e à criança.

A pesquisadora aponta que essa subnotificação prejudica o tratamento e o controle da sífilis no Brasil. 

“É preciso conhecer a real situação da doença, o número de casos e óbitos, para assim estabelecer estratégias precisas e eficientes em busca da prevenção de casos de sífilis, mortes neonatais e fetais. É necessário colocar a sífilis como prioridade na gestão em saúde

Defende Cristiane Campos

Além disso, ela enfatiza que ações governamentais são relevantes para a diminuição dos casos de sífilis congênita e em gestantes, “É preciso conduzir a sífilis com a mesma importância que se dá a uma epidemia de dengue ou que se deu à pandemia de covid-19”, completa.

Por fim, a pesquisadora acrescenta que “para eliminar a sífilis congênita no Brasil é preciso fortalecer a vigilância epidemiológica, a gestão, a assistência, a educação em saúde e a comunicação social”. 

Serviço:

Tese: Epidemiologia da sífilis congênita, sífilis em gestantes e fatores associados ao óbito infantil pela doença, Betim, Minas Gerais, 2010 a 2018
Programa: Infectologia e Medicina Tropical 
Autora: Cristiane Campos Monteiro
Orientadora: Mariangela Carneiro
Coorientadora: Eliane de Freitas Drumond
Data da defesa: 28 de abril de 2022


 * Madu Mendonça – estagiária de Jornalismo
Edição: Deborah Castro