Pesquisa revela que mulheres pretas têm maiores chances de óbito por violência interpessoal

Outra linha do estudo aponta que residir em áreas rurais e municípios de pequeno porte ou ter alguma deficiência também aumenta a chance de óbito.


13 de janeiro de 2023 - , , , , , ,


* Maria Eduarda Andrade Mendonça

Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG demonstrou que o risco de morte após notificação de violência interpessoal é 33% maior para mulheres pretas, pardas, amarelas e indígenas, do que entre mulheres brancas. Além do feminicídio, outros danos à saúde foram observados no trabalho, que analisou mais de 100 mil casos de violência.

Esse estudo foi realizado pela pesquisadora Isabella Vitral Pinto durante seu doutorado no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade. O objetivo da pesquisa foi realizar uma análise epidemiológica da violência interpessoal, com enfoque na Violência por Parceiro Íntimo (VPI) contra mulheres, relacionando as notificações realizadas pelos serviços de saúde com os registros de óbito. 

A VPI é uma modalidade da violência interpessoal e pode trazer diversos prejuízos às mulheres, afetando sua saúde mental, reprodutiva e sexual. “As consequências da VPI acometem a condição de vida e saúde das mulheres, podendo contribuir para o aumento do risco de morte precoce”, destaca Isabella Vitral.  

Além disso, a pesquisadora aponta que a VPI também pode impedir o acesso das vítimas ao sistema de saúde. “A experiência dessa violência pode, por exemplo, afetar o cuidado com doenças crônicas e, ainda, dificultar o acesso das mulheres aos serviços de saúde”, ressalta. 

A violência por parceiro íntimo é entendida como qualquer comportamento que cause danos físicos, psicológicos ou sexuais em uma relação íntima. 

Vulnerabilidades sociais

A pesquisa demonstrou que, apesar de a VPI atingir indivíduos de todas as classes e grupos raciais, mulheres pretas, pardas, amarelas e indígenas têm 33% mais chances de óbito após violência interpessoal do que mulheres brancas. A pesquisadora explica que esse resultado pode ser um reflexo do racismo estrutural presente em nossa sociedade.

“O racismo estrutural e as desigualdades sociais que afetam essa população podem ser barreiras para o acesso das mulheres aos serviços públicos e à rede de enfrentamento da violência, gerando quadros mais agravados e um maior risco de óbito” 

Além disso, a tese também originou um artigo que relaciona alguns aspectos sociodemográficos ao risco de óbito após VPI. Os resultados mostraram que mulheres residentes de áreas rurais, de municípios de pequeno porte (menos de dez mil habitantes) e portadoras de alguma deficiência também tiveram maior chance de óbito. 

Para chegar a esses resultados, a pesquisa relacionou as notificações de violência registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e os dados de óbito registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Os estudos incluíram mais de 100 mil mulheres, de 15 a 59 anos, com notificação de violência interpessoal no período de 2011 a 2016.

Já os fatores associados à mortalidade foram traçados a partir da comparação entre o grupo de mulheres que tiveram óbito, por qualquer causa, com àquelas que permaneceram vivas, sendo que ambos os grupos apresentavam notificação de VPI. 

Qualificação

De acordo com a pesquisadora, a violência por parceiro íntimo deve ser vista como um problema de saúde. Por isso, é necessário que os profissionais da área sejam capacitados para identificar as mulheres em situação de VPI e realizar as notificações. “No caso do setor saúde, a atuação dos profissionais alcança um elenco amplo de ações, desde o acolhimento com escuta qualificada, o cuidado integral considerando os diferentes níveis de atenção, a oferta de tratamentos adequados, a realização de encaminhamentos e o monitoramento dos casos”, ressaltou. 

“A partir da assistência em saúde e dos sistemas de informação é possível estabelecer uma vigilância ativa para a manutenção do vínculo e responsabilização dos casos pelas unidades de saúde” 

Ela sugere que é necessário aprimorar a qualificação dos profissionais quanto à VPI, de forma a evitar a subnotificação dos casos. “Somado a isso, podemos citar a sobrecarga dos trabalhadores e o medo de sofrer ameaças por parte dos agressores. Todos esses fatores podem contribuir para a subnotificação dos casos na saúde”, alertou. 

Pesquisadora do PPG em Saúde Pública, Isabella Vitral, analisou bancos de dados públicos. Foto: Arquivo pessoal.

Além disso, Isabella Vitral destaca a necessidade constante de melhoria da qualidade do preenchimento das notificações, uma vez que algumas variáveis como escolaridade, violência de repetição e orientação sexual possuem alto percentual de não preenchimento. 

Por fim, a pesquisadora realça a relevância do enfrentamento em rede da violência, com uma atuação articulada entre órgãos governamentais, não governamentais e a comunidade. “É urgente que os dados da saúde sejam utilizados para realizar o diagnóstico do perfil das mulheres com notificação de VPI, para articular o trabalho em rede com outros órgãos no enfrentamento do problema, bem como para traçar estratégias específicas para a proteção e garantia de direitos das mulheres com maior risco”, finaliza. 

Pesquisa: Violência por parceiro íntimo em mulheres no Brasil: da notificação ao óbito
Programa: Pós-graduação em Saúde Pública
Autora: Isabella Vitral Pinto
Orientadora: Deborah Carvalho Malta
Data de defesa: 5 de outubro de 2022


* Maria Eduarda Andrade Mendonça – estagiária de Jornalismo
Edição: Vitor Maia