PL dos agrotóxicos: aprovação flexibiliza uso e aumenta danos à saúde e meio ambiente


01 de março de 2022 - , , , , ,


Em algumas situações, os agrotóxicos podem causar inúmeros danos à saúde, seja pelo manuseio, contato direto ou através do consumo de água e alimentos contaminados. Mesmo assim, o Brasil ocupa o lugar de maior consumidor de agrotóxico no mundo, além de ser o principal destino dos produtos barrados no exterior. Mas o que já preocupa, pode ficar ainda pior se aprovado o Projeto de Lei 6.299/2002, apelidado como “Pacote do Veneno”. Isso porque o projeto torna as leis ainda mais permissivas para a entrada dessas substâncias no país.

O texto foi aprovado em caráter de urgência na Câmara dos Deputados e agora segue para apreciação no Senado, onde terá o apoio da bancada ruralista. No entanto, as mudanças contrariam alertas da sociedade civil e dos ambientalistas e cientistas sobre os riscos ao meio ambiente e à saúde. 

Para o professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenador do Observatório em Saúde do Trabalhador de Belo Horizonte (Osat), Tarcísio Magalhães Pinheiro, um dos principais problemas do projeto é a retirada do poder decisório da Anvisa e do Ibama.

Além disso, a nova versão determina prazos mais rápidos, de até dois anos, para os registros dos agrotóxicos, o que poderia prejudicar estudos toxicológicos mais robustos. E caso não se tenha uma conclusão nesse prazo, a substância receberá uma autorização temporária.

Ouça a seguir:

Segundo o texto, outros órgãos vão poder mandar análises para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), mas perdem a capacidade de vetar a entrada de um produto ainda que seja comprovado seus riscos.  No entanto, o pesquisador e chefe geral da Embrapa Meio Ambiente (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Marcelo Morandi, argumenta que os outros Ministérios não serão excluídos e a mudança tem respaldo em modelos semelhantes à de outros países.

Morandi também defende outra mudança proposta no Projeto Lei, que é a exclusão de um agrotóxico com base no perigo para a avaliação de risco. O PL estabelece que a proibição do registro de um produto só ocorra se esses produtos permanecerem inseguros mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco.

Atualmente, a lei define a proibição para agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas e causem distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor. Para o professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Tarcísio Magalhães Pinheiro, é difícil falar em avaliação de riscos quando se trata de meio ambiente.

Ainda de acordo com o professor, os trabalhadores rurais também podem ser expostos mesmo com as recomendações de segurança e gestão de risco.

OUTRAS MUDANÇAS

O projeto de lei apelidado de “Pacote do Veneno” prevê também mudança do termo agrotóxico para pesticida e que a propaganda do agrotóxico, que hoje tem controle, deixe de ser regulada. Todas essas mudanças receberam críticas de órgãos como a Fundação Oswaldo Cruz e a própria consultoria do Senado, que aponta para ‘inconstitucionalidade’ e ‘riscos à saúde’ do PL.

TRABALHADORES SÃO OS MAIS AFETADOS

Os trabalhadores e moradores das regiões próximas às áreas de cultivos são o grupo que mais sofrem com os efeitos dessas substâncias tóxicas. O professor Tarcísio Magalhaes Pinheiro explica que os riscos variam de acordo com o tipo de produto e manuseio.

UMA POPULAÇÃO DOENTE

Os danos à saúde causados pelos agrotóxicos podem se estender a uma cidade inteira. E o que não faltam são exemplos desses impactos aqui mesmo, na América Latina, como na vizinha Argentina. O país é um dos maiores produtores mundiais de trigo, milho e soja e mostra como por trás do crescimento da produção agrícola pode estar uma história de doenças e mortes.

É o caso da província argentina Entre Ríos, a mais contaminada com agrotóxicos do país. Das crianças e adultos internados no hospital de referência, 55% são por casos de câncer e malformação. Além do desenvolvimento do câncer por causas hereditárias, outro motivo apontado em estudo é o contato com o glifosato, agrotóxico que também é utilizado no Brasil.

E por aqui também não faltam casos de pessoas que sentem na pele os efeitos da intoxicação por agrotóxicos. Em entrevista concedida ao “Saúde com Ciência”, a trabalhadora rural Júlia Cecília Costa Machado, de 54 anos, conta que começou a trabalhar desde cedo, por volta dos 5 anos, no sítio onde morava com os pais e irmãos. Ela e a família foram contaminadas por uma fazenda que usava agrotóxico na plantação.

Júlia e sua família não receberam qualquer tipo de indenização. Além de lidar com os danos à saúde, ela convive com as ausências provocadas pela contaminação.

Atualmente, Júlia integra o acampamento Marielle Vive, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), local em que se reencontrou com o trabalho com a terra. No acampamento, ela ensina a plantar de forma totalmente agroecológica, longe do agrotóxico modelo que é um dos pilares do movimento.

CONSUMIDOR TAMBÉM É AFETADO

Mas mesmo longe do campo, nos centros urbanos, os efeitos dos agrotóxicos podem ser sentidos, apesar de ser uma relação mais difícil de se comprovar. Quem explica é o professor Tarcísio Pinheiro.

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor informam que resíduos de agrotóxicos são encontrados até em bisnaguinhas, bolachas recheadas, biscoitos de água e sal, cereais, bebidas de soja e salgadinhos. Por outro lado, as empresas alimentícias alegam que esses resíduos estão dentro dos níveis autorizados pela Anvisa e são seguros para consumo humano.

AGROECOLOGIA

Por ano, os agrotóxicos causam de 70 mil intoxicações agudas e crônicas e que evoluem para óbito, em países em desenvolvimento como o Brasil. Outros mais de sete milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais também são registrados.

O Brasil vem sendo o país com maior consumo desses produtos desde 2008, decorrente do desenvolvimento do agronegócio no setor econômico. No entanto, para a agrônoma, mestre em Ciências Agrárias e professora de Agronomia da Faculdade Arnaldo, Ana Júlia Ribeiro dos Santos, existem alternativas para a redução do uso de agrotóxicos, como a agroecologia.

Ana Júlia detalha o funcionamento do sistema agroecológico.

Com o Projeto de Lei 6.299/2002, o “Pacote do Veneno”, o Brasil vai na contramão mundial, onde a produção de alimentos orgânicos é uma crescente. E conta a se pagar é alta.

Saúde com Ciência

“Saúde com Ciência”  é produzido pelo Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG e tem a proposta de informar e tirar dúvidas da população sobre temas da saúde. Ouça na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM) de segunda a quinta-feira, às 5h, 8h e 18h, e nas rádios parceiras. Também é possível ouvir o programa pelo serviço de streaming Spotify.