Portadores da Síndrome de Tourette podem sofrer com visão estereotipada da doença


13 de março de 2019


Síndrome causa tiques motores e fônicos, que se manifestam em diferentes níveis.

Foto: Pixabay.com

Quem é fã de jogos virtuais provavelmente já ouviu falar da Síndrome de Tourette. O transtorno ficou mais conhecido depois que Dilera, streamer brasileiro, postou vídeos em que manifesta sinais do distúrbio, como a vocalização de termos obscenos ou afirmações depreciativas e socialmente impróprias. No entanto, segundo ex-professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina, Arthur Kummer, esse sintoma, chamado coprolalia, não é tão comum em portadores da síndrome, que podem ter manifestações que variam desde as mais leves até as mais graves.

O transtorno neurodesenvolvimental é caracterizado pela ocorrência conjunta de tiques motores e fônicos, que se instalam durante a infância. O professor explica que os tiques são movimentos ou vocalizações involuntárias, repetidos de forma não rítmica e que, de alguma forma, trazem algum tipo de incomodo para a pessoa que os manifesta.

“As manifestações podem variar de intensidade, desde as mais leves, como piscar os olhos, ou fazer sons guturais, até as mais complexas, como saltar, ou proferir frases completas”, conta Kummer. Quando esses tiques se apresentam combinados, por um período de, pelo menos, um ano, é definido o quadro clínico da Síndrome de Tourette.

Embora as causas precisas do transtorno ainda sejam desconhecidas, acredita-se que os fatores genéticos podem estar relacionados. Isso porque, segundo o professor, os tiques surgem a partir de características desenvolvimentais.

“Geralmente estão envolvidas características do circuito cerebral, ou de algumas regiões do cérebro, que de alguma forma tem impacto no desenvolvimento motor”, conta. Isso explica, também, porque a síndrome normalmente se manifesta durante a infância, fase de aprimoramento cognitivo. Alguns fatores ambientais também podem interferir nessa regulação.

Segundo o professor Arthur Kummer , os tiques tendem a sofrer modificações ao longo da vida. Mas, com o acompanhamento adequado, a gravidade normalmente reduz com a chegada da adolescência.

“Na minoria dos casos os tiques diminuem de intensidade e raramente há uma piora”, diz.

Intervenções

Existem duas principais intervenções, uma medicamentosa e outra psicoterápica. O tratamento com medicamentos é feito com os chamados antipsicóticos, mas isso não significa que a pessoa com Tourette seja psicótica. “São medicamentos com especificidades para tratar diretamente a síndrome”, afirma o professor.

Já os tratamentos psicoterápicos utilizam técnicas da terapia comportamental, que segundo Arthur, são comprovadamente eficientes no controle dos tiques. São utilizadas, também, estratégias de prevenção à resposta e outras práticas mais específicas. “Somente em casos muito extremos são utilizados outros tipos de tratamento, como a toxina botulínica e a neurocirurgia”, explica.

Convivendo com a Síndrome

Em alguns casos, há repercussões psicossociais que podem levar a quadros de ansiedade ou depressão. “A criança fica receosa por apresentar os tiques e os amigos da escola começarem a praticar bullying por causa disso. Aí ela pode começar a desenvolver uma depressão, por exemplo”, esclarece o professor. Nesses casos, o tratamento deve ser ampliado, no intuito de contemplar esses efeitos.

Existem, ainda, quadros de tiques mais graves que podem gerar repercussões ainda mais graves, inclusive físicas. “Já vi casos de crianças que mordiam a própria língua, o que gerava lesões graves. Alguém que tenha o tique de torcer o pescoço, pode fazer isso em uma intensidade que gere problemas ósseos, ou na medula”, informa.

Estereótipo e associação com outros transtornos

Em geral, as pessoas têm a tendência de enxergar o Tourette através de um quadro estereotipado.

“A partir de pesquisas na internet e do que é retratado nos filmes, cria-se um imaginário muito dramático da síndrome. Porém, nesses casos mais graves geralmente estão envolvidos outros transtornos”, ressalta.

O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), por exemplo, normalmente se associa à síndrome, bem como outros transtornos de coordenação motora e dificuldade de aprendizado.

Ainda de acordo com o especialista, também é muito raro que os tiques apareçam em outras faixas etárias, como na vida adulta. Se isso acontece é preciso fazer um diagnóstico diferencial, pensando na possibilidade de se identificar outras doenças neodegenarativas. “Se um adulto que nunca teve tique começa a manifestar, é preciso investigar se é só um tique mesmo, ou se a ocorrência pode indicar alguma doença mais grave”, conclui.