Ana Cristina Côrtes Gama

Entrei para a docência sabendo que a Universidade estimulava a pesquisa. Então já vim para a Faculdade com esse desejo, sabendo que teria um ambiente propício para isso

Professora Titular do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Ana Cristina Côrtes Gama foi a primeira fonoaudióloga a entrar para o corpo docente da Instituição. A visão diferenciada da especialidade a fez acompanhar de perto o desenvolvimento do curso de Fonoaudiologia e, especialmente, a criação do curso de pós-graduação em Ciências Fonoaudiológicas da Faculdade, o qual já coordenou, e mais a criação do Ambulatório de Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da UFMG, onde coordena um Ambulatório de Voz.

“Entrei para a docência sabendo que a Universidade estimulava a pesquisa. Então já vim para a Faculdade com esse desejo, sabendo que teria um ambiente propício para isso”, conta Ana Cristina.  Ela diz que suas experiências de pesquisadoras aumentaram especialmente com a inauguração do Ambulatório de Fonoaudiologia em 2000, dois anos após sua chegada na Faculdade. Isso porque, com seus atendimentos de pacientes disfônicos (com distúrbios de voz), ela pôde realizar diversas análises sobre a acústica da voz e, atualmente, de dosimetria vocal, em que se quantifica o uso da voz durante todo o dia. Esses, inclusive, são seus principais temas de estudo.

“Desenvolvemos pesquisas tanto da disfonia no professor e os resultados da adesão ao processo terapêutico quanto sobre os resultados do tratamento fonoaudiológico nesse público. Tivemos um resultado muito legal e passamos o retorno para a prefeitura”

Algumas das suas principais pesquisas foram realizadas por meio de convênio com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), em 2007, para atender os professores da Rede Municipal de Educação. “Desenvolvemos pesquisas tanto da disfonia no professor e os resultados da adesão ao processo terapêutico quanto sobre os resultados do tratamento fonoaudiológico nesse público. Tivemos um resultado muito legal e passamos o retorno para a prefeitura”, afirma Gama.

Saúde da voz do professor

De acordo com Ana Cristina, a disfonia é uma alteração na qualidade da voz. “É um sintoma multifatorial, e um dos fatores causadores da disfonia é a quantidade de uso da voz. Por isto, entre as pessoas que usam a voz profissionalmente, o professor é o que tem maior prevalência de disfonia e, muitas vezes, as inadequadas condições acústicas das salas de aula também favorecem o aparecimento de sintomas vocais”, explica.

Assim, devido a essa alta prevalência, a ideia dos estudos com a PBH era avaliar os resultados da fonoterapia na reabilitação dos professores. “Uma das coisas que mais chamamos atenção foi para a questão das condições acústicas das escolas, uma das principais queixas observadas”, declara. Ana Cristina comenta que a Prefeitura realizou algumas estratégias de solução, como oferecer microfones aos professores que tinham indicação fonoterápica, para que fosse possível amplificar a voz em sala de aula.

“A grande questão da disfonia no professor, além da quantidade de uso da sua voz, é o ruído ambiental. Quando ele tem que competir com esse ruído, a melhor estratégia é aumentar a intensidade. Assim causa uma sobrecarga muscular, que é um dos fatores do problema”

“Apesar dessas estratégias pontuais, precisamos de modificações mais profundas, principalmente em relação ao ambiente da escola”, pondera a fonoaudióloga. Segundo a especialista, esses ambientes devem oferecer uma acústica adequada para a saúde da voz da população. “A grande questão da disfonia no professor, além da quantidade de uso da sua voz, é o ruído ambiental. Quando ele tem que competir com esse ruído, a melhor estratégia é aumentar a intensidade. Assim causa uma sobrecarga muscular, que é um dos fatores do problema”, pontua.

“Então, quando se propicia a amplificação da voz do professor, neste caso usando o microfone, favorece, inclusive, que tenha uma dose menor de uso vocal. O que é uma estratégia de prevenção da disfonia”

Nesse sentido, outro estudo procurou comparar, com base na dosimetria, a dose vocal do professor com e sem microfone. “Percebemos que com o microfone eles não só falam menos intenso como usam menos a voz, já que, muito provavelmente, não precisam ficar repetindo a informação, pelo fato dos alunos terem uma melhor inteligibilidade da fala dos professores”, diz Ana Cristina. “Então, quando se propicia a amplificação da voz do professor, neste caso usando o microfone, favorece, inclusive, que tenha uma dose menor de uso vocal. O que é uma estratégia de prevenção da disfonia”, acrescenta.

Consciência da saúde vocal para prevenção e tratamento

Apesar da preocupação sobre a prevalência de disfonia em professores, Gama destaca que, em suas pesquisas, com a avaliação de centenas desses profissionais, percebeu-se que eles procuram mais precocemente o tratamento. “Há toda uma questão da consciência da saúde vocal. Temos recebido professores que, quando não estão disfônicos, chegam para conhecer estratégias de prevenções e, quando estão com o problema, a disfonia aparece em um grau mais leve”, conta.

As avaliações positivas continuaram aparecendo em outra análise, desta vez com um estudo longitudinal, em que Ana Cristina Gama considerou a pós-alta fonoterápica, ou seja, como estava a inserção do professor na sala de aula e sua saúde vocal após a alta fonoterápica. “A grande maioria manteve comportamentos vocais adequados e não apresentava queixas vocais”, aponta.

“Cada vez percebemos mais os resultados dessas campanhas. As pessoas ficam mais conscientes do que é um problema de voz e de procurarem um tratamento”

Para a especialista, esses resultados têm influência da preocupação mundial em realizar campanhas sobre a saúde da voz. A professora revela que o Brasil, que faz a conscientização no mês de abril, é um dos países que mais participam da estratégia no mundo. “Cada vez percebemos mais os resultados dessas campanhas. As pessoas ficam mais conscientes do que é um problema de voz e de procurarem um tratamento”, ressalta. “Isso reflete muito no nosso dia a dia na clínica, pois temos contato com desvios e alterações de voz cada vez mais leves, já que as pessoas procuram mais precocemente o tratamento. Isso é muito importante”, continua.

“No dia a dia, as pessoas precisam se comunicar. Hoje, o mundo exige, cada vez mais, uma competência comunicativa do profissional. Ter uma voz saudável e adequada favorece nessa competência”

Ainda de acordo com Gama, como a disfonia tem várias causas, a primeira ação é determinar o fator desencadeante do quadro e decidir o tratamento com base nele, sendo diferenciado em cada caso por também depender do tipo de alteração. Além disso, ela defende que a relevância do tratamento da disfonia está justamente no fato do professor, por exemplo, precisar da voz para exercer sua função. “No dia a dia, as pessoas precisam se comunicar. Hoje, o mundo exige, cada vez mais, uma competência comunicativa do profissional. Ter uma voz saudável e adequada favorece nessa competência”, enfatiza.

Análise acústica e aerodinâmica da produção vocal

Ana Cristina comenta que os músicos também são um dos grupos analisados em suas pesquisas. Inclusive, ela orientou um recente estudo que comparou as características da voz de cantores populares e eruditos. “O cantor tem uma produção em termos de voz que é diferente da pessoa que usa só a voz falada. Ele tem todo um mecanismo respiratório e acústico que, por se adaptar ao estilo do canto, acaba sendo funcionalmente distinto do que as demais pessoas que usam apenas a voz falada”, discorre.

Ela esclarece que, do mesmo modo como um atleta se desenvolve de acordo com o nível de exigência para a execução de determinada tarefa, a exigência da voz cantada faz com que a produção da voz seja maximizada. Assim, cantores têm um maior potencial nessa questão.

“Outra linha de pesquisa é a avaliação dos aspectos acústicos e aerodinâmicos da produção da voz, em que analisamos, com equipamentos específicos, estes parâmetros vocais e, qual o impacto funcional que geram na produção da voz”, pontua Gama. “Usamos essas medidas como marcador para mensurar resultado pré e pós-tratamento fonoterápico, ou como uma linha de base em um processo de avaliação que considera o resultado de técnicas terapêuticas para analisar quão efetivas são no padrão da melhoria da qualidade da voz”, acrescenta. Os equipamentos utilizados nestas pesquisas estão no Observatório de Saúde Funcional em Fonoaudiologia (OSF) na Faculdade de Medicina.

Com essas medidas é possível mensurar a dose do exercício, de uma técnica vocal, ou seja, o tempo ideal de um paciente, por exemplo, executar determinada técnica vocal para ter um impacto positivo na qualidade da sua voz.

A pesquisadora

“Acho que um grande marco é a abertura do nosso curso de pós-graduação em 2013, em que conseguimos atualmente nota 4 na avaliação da Capes, o que é resultado do desenvolvimento das pesquisas de todos os professores do Departamento de Fono”

Ana Cristina Côrtes Gama é formada em Fonoaudiologia, com especialização, mestrado e doutorado em distúrbios da comunicação humana. É bolsista de produtividade do CNPq e membro do Pan-American Vocology Association (Pava).
Na sua trajetória acadêmica na UFMG, Ana Cristina atribui suas pesquisas principalmente à pós-graduação em Fonoaudiologia, pela qual conseguiram recursos financeiros e técnicos, e mostra-se confiante na abertura da oferta de doutorado na área pela Faculdade de Medicina. “Acho que um grande marco é a abertura do nosso curso de pós-graduação em 2013, em que conseguimos atualmente nota 4 na avaliação da Capes, o que é resultado do desenvolvimento das pesquisas de todos os professores do Departamento de Fono”, lembra.

Redação: Deborah Castro
Edição: Gilberto Boaventura
Foto: Carol Morena

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