Andy Petroianu

A Medicina é meu estilo de vida. Sempre foi. Eu não sei explicar porque sou médico. Eu sempre fui. Acho que as coisas acontecem

Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, Andy Petroianu revela que sua motivação para pesquisar é a curiosidade pelo desconhecido, a sua satisfação em aceitar desafios e solucionar problemas. Essa sua característica rendeu-lhe quase 500 artigos em periódicos nacionais e internacionais, além de 25 livros publicados sobre diversos temas. “Tenho livros sobre ética, endocrinologia, dermatologia, baço, anatomia cirúrgica e, na maioria, em clínica e técnica cirúrgicas”, expõe. Quando cita o Blackbook de Cirurgia, uma das suas obras, o professor denomina-o como livro das táticas, e enfatiza: “A cirurgia é arte e ciência. A arte nunca está nos livros. Ela está nas táticas”.

A cirurgia é arte e ciência. A arte nunca está nos livros. Ela está nas táticas

Emérito do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Andy também faz parte das associações médicas Brasileira e de Minas Gerais, da Academia Mineira de Medicina e, mais recentemente, tornou-se membro Titular da Academia Internacional de Sexologia e Reprodução. Quando questionado se imaginava chegar aonde chegou, ele diz que nunca pensou sobre isso. Do mesmo jeito não sabe explicar porque se tornou médico, pesquisador e professor. Para Petroianu, as coisas acontecem naturalmente. Sua certeza é de que ele sempre foi médico e isso ficou claro desde a sua infância.

Aos cincos anos, sua professora do primário, cursado ainda na Romênia, levou toda a turma para um hospital. Andy conta que era o único que não queria ir embora, pois estava gostando daquela experiência. Foi quando sua professora viu a certeza de um futuro médico.

A infância também teve outro período marcante, quando sua família saiu da Romênia devido ao regime comunista. “Antes do comunismo, meu pai era rico e isso tornara-se crime. Só os proletários e seus filhos teriam chance de progredir naquele regime. Então, por minha causa, meus pais decidiram emigrar. Saímos apenas com a roupa do corpo. Inicialmente fomos para a Áustria, onde fomos aceitos por pouco tempo”, comenta Petroianu.

Eles também tiveram que sair da Europa pelo temor de serem confundidos como espiões comunistas, já que estavam no meio da Guerra Fria. “Meus pais eram emigrantes de países comunistas, intelectuais e falavam muitos idiomas, ou seja, tinham características típicas de espiões. Na Itália fomos expulsos novamente. Então podíamos escolher entre América do Sul, Austrália, África e Canadá”, explica. Os pais, então, decidiram pelo melhor clima e pela localização. Assim, chegaram a Belo Horizonte.

“O Brasil nos recebeu maravilhosamente bem, mas chegamos sem nada. Então, fui camelô, vendia canetas em fila de ônibus. Depois fui ascensorista em um prédio, onde vários moradores eram médicos e chegaram a ser meus professores”, lembra. Andy Petroianu também foi chaveiro e comerciário e, desde que entrou na Faculdade de Medicina da UFMG, passou a ser professor de química para sustentar-se, depois foi estagiário de Medicina, residente e, desde 1976, professor da Instituição, inicialmente voluntário e, em 1978, auxiliar de ensino.

Tempo incansável

O professor revela que se tornou cirurgião de forma natural, também pela sua curiosidade. “Fui o primeiro estudante de Medicina a entrar no Pronto Socorro João XXIII, em 1973, quando essa instituição ainda não aceitava estudantes, os quais só foram aceitos a partir do final de 1974. Eu queria ser médico e sabia que não aprenderia a ser em sala de aula ou biblioteca. Então, como o que mais tinha no pronto socorro era cirurgia, tive muito contato com ela”, afirma. “Os cirurgiões diziam que eu tinha mão boa. Acho que herdei essa habilidade artística dos meus pais e sempre gostei de agir, da arte da Medicina. Foi algo muito natural tornar-me cirurgião”, continua.

Sempre gostei de agir, da arte da Medicina. Foi algo muito natural tornar-me cirurgião

Nas palavras de Petroianu, “ttodos nós já nascemos pesquisadores, curiosos, a fim de compreendermos tudo que nos rodeia”. Mas ele explica que, durante a Faculdade, já que estudava Medicina e Filosofia, além de dar aulas, não sobrava muito tempo para pesquisar. E aos finais de semana ainda tinha os plantões médicos no Pronto Socorro e no Hospital Felício Rocho.

Todos nós já nascemos pesquisadores, curiosos, a fim de compreendermos tudo que nos rodeia

Ao final do 4º ano de Medicina prestou o concurso para residência médica no Hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), passando em 3º lugar, o que o fez antecipar seu curso, formando em quatro anos e meio. “Já como residente de Clínica Médica daquela instituição, fui o primeiro caso do Brasil a formar nesse tempo e isso foi complicado, mas já tinha terminado todas as minhas disciplinas. Depois, acabei tornando-me preceptor ao dar aula de Internato para alunos de minha turma, que entraram no segundo semestre de 1972”, revela.

Ao mesmo tempo em que era residente, professor do Departamento de Cirurgia e preceptor do Internato em Cirurgia, Andy fazia pós-graduação em Cirurgia. Seus trabalhos sobre os movimentos do estômago, principalmente em sua região fúndica resultaram no seu mestrado em fisiologia e farmacologia, além do mestrado e doutorado em cirurgia, tendo sido referências muito citadas internacionalmente naquela época. “Estudei vários movimentos do estômago e da musculatura lisa intestinal, com várias descobertas, ressaltando a contração do fundo gástrico, ainda pouco conhecida”, acrescenta. “De fato, ele não tem um movimento detectável facilmente. É lento e progressivo, um movimento de empurrar. Então, utilizei uma série de drogas e hormônios para verificar o que estimulava esse movimento”, completa Petroianu.

Ele conta que, por causa desses trabalhos foi convidado a prosseguir suas pesquisas na Universidade Estadual de Nova Iorque, onde permaneceu durante um ano e esteve na autoria de 11 artigos científicos, com destaque para trabalhos experimentais sobre o metabolismo do cálcio em alcoolismo, prostaglandinas e toxina da cólera, além de transplante intestinal. Foi convidado a permanecer como professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina daquela instituição, mas preferiu continuar seu currículo na UFMG, onde ele diz ser seu lar, já que mora aqui mais do que qualquer outro lugar.

O outro doutorado em fisiologia e farmacologia, já como professor titular do Departamento de Cirurgia, foi na área de medicina molecular, com pesquisas sobre câncer de cabeça e pescoço. Ele relata ter aprendido muito, apesar de seu trabalho ter sido inconclusivo.

Referência em áreas diversas

Se na década de 80 era conhecido pelas pesquisas sobre movimentos estomacais, hoje Andy é referência no órgão que ele cita como o menos estudado do corpo humano: o baço.  “Então, saí da pesquisa de movimento dos músculos estomacais e comecei a estudar muito o baço. Descobri algumas características anatômicas de irrigação que nunca haviam sido descritas. Fiquei conhecido por isso, entusiasmei-me e publiquei mais de 100 trabalhos sobre o baço”, conta.

“Com base nas descobertas dos vasos, criei um método de operar o órgão, que ainda não tinha sido utilizada, tornando-me a maior referência do mundo em baço, segundo alguns especialistas”, continua. Isso o rendeu convite para participar de palestras e cirurgias em diversos países de diferentes continentes.

Na década de 90, o professor decidiu fazer a livre docência na Escola Paulista de Medicina, título que a Faculdade de Medicina da UFMG não fornecia. O tema do trabalho, desta vez, foi transplante de traqueia. Naquela época, não era possível corrigir defeitos desse órgão, como acontece quando alguém fica muito tempo entubado e a traqueia fecha, por exemplo. “Não consegui sucesso na cirurgia. O problema são os vasos microscópio da sua vascularização. Mas os estudos tornaram-se referência e até hoje a traqueia continua sendo um desafio, o que faz com que meus estudos continuem atuais”, argumenta. Ele explica que esse tema não foge das suas especialidades, já que desenvolveu alguns trabalhos em cirurgia oncológica e cirurgia de cabeça e pescoço quando estagiou no Memorial Sloan Kettering Cancer Center de Nova York.

Não satisfeito, Andy queria ter o título de livre docência também da Universidade de São Paulo, onde voltou com o tema sobre baço. “Vida maluca”, ele se descreve sorrindo. Sobre o órgão que o tornou o maior especialista, o professor exemplifica algumas descobertas. “Com base no que descobri sobre a vascularização do baço, fui o único da América Latina convidado a escrever no livro Gray’s Anatomy. Então, além de ser referência na área da anatomia do baço, também tenho estudos sobre a depuração esplênica, mas, acima de tudo, sobre a cirurgia que desenvolvi para preservar o baço em diversas doenças e em trauma”, realça.

Com base no que descobri sobre a vascularização do baço, fui o único da América Latina convidado a escrever no livro Gray’s Anatomy

“Eu ficava impressionado como uma coisa tão óbvia sobre a vascularização ainda não tinha sido vista. Todos os livros diziam que o baço só tinha uma vascularização. Mas, na verdade, ela é dupla e uma é independente da outra”, informa Petroianu. Isso possibilita que, quando ocorrer uma lesão em uma vascularização, o baço seja mantido no corpo pela outra. “Quando havia lesão no baço, ele era sempre retirado, sem necessidade. Ao manter-se uma parte desse órgão, preservam-se suas funções. Ele é o principal órgão de defesa do nosso corpo e previne a morte por infecção fulminante”, ressalta. Assim, a pessoa continuará produzindo sangue, além da depuração, mantendo também o metabolismo hepático. No João XXIII, onde atuou por 35 anos e procura continuar seu vínculo, o professor comenta que a retirada completa do baço passou a ser uma exceção.

O órgão continua como tema das pesquisas do professor. Atualmente, ele relaciona o baço com o sexo. “Parece meio maluco, mas não é. As pessoas que tiram o baço perdem a libido. Eu peguei um relato do século XXVIII em que um soldado perdeu o baço por trauma e, depois de se recuperar da cirurgia, percebeu que não tinha mais o desejo de antes por mulheres, nem passou a ter por homens. Então comecei a estudar em ratos”, expõe Petroianu. “Verifiquei que os que tiveram o baço retirado tinham reprodução menor do que aqueles que continuavam com ele. Então passei para a análise com humanos e isso vem se mostrando também. Mas é uma pesquisa ainda em andamento”, declara.

Além disso, segundo o professor, “o baço é um órgão impressionante, com muitas análises possíveis. Quando o retira, por exemplo, melhora-se o desempenho físico. O grupo de ratos sem baço conseguiu correr mais na esteira do que aqueles com o órgão”.

Esta é outra coisa que meu fascinou: por que ninguém sabe ainda o que é o apêndice e a apendicite?

Hoje, é a apendicite que está no foco principal do professor.  Ele descobriu um sinal radiológico que, através de radiografia, é possível verificar se a pessoa tem ou não apendicite. “Esta é outra coisa que meu fascinou: por que ninguém sabe ainda o que é o apêndice e a apendicite? Então resolvi estudar e parece não ser é um órgão do sistema digestório, mas do neuroendócrino. Então é isso que está me fascinando no momento. Espero não morrer antes de descobrir o que ele é”, brinca Andy Petroianu. De acordo com o professor, algumas dessas pesquisas em andamento já estão publicadas em periódicos internacionais.

Profissional completo

“O cirurgião tem que dominar tudo relacionado à cirurgia, incluindo a anestesia. Por isso, também fui anestesista na década de 80”, defende Petroianu. “Entender o completo é importante, exatamente para conseguir ajudar o doente. É preciso compreender bem o corpo para ser um bom médico. Isso faz diferença na cirurgia, principalmente, porque se consegue raciocinar corretamente”, argumenta.

Entender o completo é importante, exatamente para conseguir ajudar o doente. É preciso compreender bem o corpo para ser um bom médico. Isso faz diferença na cirurgia

Para Petroianu, à medida que vai sendo estudada, a Medicina vai ficando mais íntima e mais fácil. Ou seja, quanto mais você a estuda, mais natural será solucionar os desafios que chegam e com maior segurança. “A Medicina é meu estilo de vida. Sempre foi. Eu não sei explicar porque sou médico. Eu sempre fui. Acho que as coisas acontecem. Cada pesquisa, assim como cada livro e cada artigo, é um filho. Cada filho tem uma história, uma personalidade”, destaca. “Meu único arrependimento é não poder ter feito mais, por causa de nossa infraestrutura. Não pretendo parar de pesquisar e de descobrir. Se isso acontecer, morrerei com desgosto”, conclui.

Redação: Deborah Castro
Edição: Mariana Pires
Foto: Carol Morena

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