Manoel Otávio da Costa Rocha

A ciência deve ser considerada como um instrumento para o desenvolvimento social e econômico

O professor Titular da Faculdade de Medicina da UFMG, Manoel Otávio da Costa Rocha, acredita que seus maiores feitos não são apenas aqueles premiados ou reconhecidos como referência da literatura mundial. Para ele, a maior relevância da pesquisa está quando ela faz sentido, para as pessoas e para a sociedade. “Em tudo o que eu fiz, procurei estar em sintonia com aquilo que aprendi quanto ao que é ciência, o que é universidade e o que é ser um professor pesquisador”, declara.

“Sempre procurei fazer pesquisas voltadas às necessidades sociais, ou seja, minha pesquisa se volta à busca de conhecimento sobre problemas autóctones, problemas endêmicos no Brasil”, continua. “Acho que pesquisar é buscar resposta a uma pergunta que me inquieta, com prazer intelectual, sentido e relevância. A ciência deve ser considerada como um instrumento para o desenvolvimento social e econômico”, ressalta.

Especialista em Clínica Médica e doenças infecciosas e parasitárias, o professor Manoel Otávio atua, principalmente, no estudo de doenças negligenciadas. De acordo com ele, elas são causadas por pobreza, bem como determinantes e mantenedores da mesma. “A universidade, a pós-graduação e as instituições de fomento à pesquisa devem buscar solução e contribuir para superação dessas doenças. Primeiro, porque é um dever ético. Acometem as pessoas, a qualidade de vida individual e das populações, diminuindo a produtividade e prejudicando o desenvolvimento nacional. Os recursos humanos são o maior patrimônio de uma nação. Assim, a doença é um determinante social de subdesenvolvimento e é um dever superar isso”, defende.

Somos o segundo grupo mais produtivo do mundo em relação à cardiomiopatia chagásica, com trabalhos assistenciais basicamente centrados no Ambulatório de Referência

Foi por essa razão que surgiu o interesse pela doença de Chagas. Segundo o professor, a linha de pesquisa clínica no tema precisava ser reativada e atualizada. “E olha que é um campo clínico absurdo. Mesmo tendo sido alcançado o controle vetorial, a doença continua sendo importantíssima, porque afeta muitas pessoas”, argumenta. Ao iniciar o atendimento no Ambulatório de Referência em Doença de Chagas do Hospital das Clínicas da UFMG, onde pôde atender e acrescentar à bibliografia da área, ele começou a ser referência no assunto. “Somos o segundo grupo mais produtivo do mundo em relação à cardiomiopatia chagásica, com trabalhos assistenciais basicamente centrados no Ambulatório de Referência. Isso mostra que o trabalho perseverante vale a pena”, declara.

Doença de Chagas

Manoel Otávio lembra que o tratamento da cardiomiopatia chagásica era feito baseado na experiência com pacientes com outras cardiopatias, sem considerar as especificidades da doença de Chagas. Esta constituiu uma das linhas principais de investigação do Ambulatório de Referência, incluindo a investigação do tratamento fisioterápico e a reabilitação desses pacientes. “Desenvolvemos uma série de pesquisas sobre treinamento físico e respiratório e avaliação da capacidade funcional do paciente chagásico. São métodos práticos e pouco dispendiosos, que podem ser aplicados em espaços simples, incluindo áreas endêmicas. Eu tenho muito orgulho disso, porque a considero uma pesquisa engajada e voltada para algo prático”, reconhece.

Desenvolvemos uma série de pesquisas sobre treinamento físico e respiratório e avaliação da capacidade funcional do paciente chagásico

Além disso, o professor desenvolveu várias pesquisas sobre a arritmia cardíaca nesses pacientes. “A doença de Chagas é, caracteristicamente, arritmogênica e trombogênica, sendo uma grande responsável pela ocorrência de acidente vascular cerebral em áreas endêmicas. Pesquisamos esses problemas em diversos trabalhos, abordando seus fatores determinantes, especialmente o acometimento ventricular”, discorre. “Sobre isso, considerava-se que o ventrículo direito era predominante e demonstramos que não. Ele era acometido como algo secundário ou paralelo ao acometimento ventricular esquerdo. A importância disso é desvendar, conhecer como os fenômenos ocorrem de fato e deixar de repetir conceitos que nem sempre refletem a realidade”, destaca.

Para Manoel Otávio, demonstrar que a doença de chagas é grave, até mais do que as outras cardiopatias, tem muita relevância. Mas, ao citar professores e pesquisadores orientados por ele, que são reconhecidos na área, revela que a formação de recursos humanos é parte muito importante do trabalho acadêmico. “Isso é o que mais distingue um professor Titular. Pode ver que a maior parte das minhas orientações foi sobre doença de Chagas”, realça. Ele também inclui a coordenação da Pós-Graduação em Medicina Tropical da Faculdade, exercida por 15 anos, aproximadamente, como parte dessa responsabilidade de formação de recursos humanos.

Esquistossomose mansoni

Seus estudos em Medicina Tropical começaram em uma linha tradicional: a esquistossomose aguda. Isso foi a partir da influência dos professores da Faculdade, Jayme Neves e Pedro Raso. Além disso, teve ajuda do seu então colega de pós-graduação, professor Ênio Pietra, o decano da Instituição, que lhe apresentou casos de soldados do Exército Brasileiro, em Belo Horizonte, que estavam com a doença conhecida popularmente como “xistose”, mas na fase aguda, acometendo o pulmão. Isso resultou no seu doutorado e outras teses e trabalhos de referência. “Um deles, sobre fatores determinantes de morbidade da esquistossomose aguda, foi citado como referência em um importante compêndio internacional de diagnóstico e tratamento”, ressalta.

154 soldados examinados foram atendidos no pátio interno do campus Saúde, durante um período de greve

“Na época, estudávamos com os poucos meios de que dispúnhamos. Os 154 soldados examinados foram atendidos no pátio interno do campus Saúde, durante um período de greve. Não existia a pós-graduação da forma que é hoje, com financiamento e adequada infraestrutura ambulatorial e laboratorial. Mas aquela foi uma oportunidade única”, conta o especialista.

“A forma inaparente da fase aguda da doença, antes apenas presumida pelos autores, foi demonstrada a partir desses estudos”, afirma Manoel Otávio. “Três pacientes não apresentavam quadro clínico, eram assintomáticos, mas evidenciavam eosinofilia elevada – contagem alta de eosinófilos, um tipo de glóbulo branco do sangue. Isso foi o que possibilitou o diagnóstico deles e foi importante para ficar atento a esse indicador da esquistossomose aguda”, completa.

Se não despertar as pessoas para isso, o problema vai continuar existindo… Eu me preocupei com o melhor conhecimento dessa forma, com o melhor detalhamento, a fim de facilitar a identificação

Ele comenta que a forma aguda não é tão conhecida. Normalmente uma pessoa de fora da região endêmica entra em contato com as águas naturais contaminadas por cercárias – larvas causadoras da doença. A partir daí, algumas desenvolvem a forma aguda da esquistossomose, que é grave e pode levar a paralisias e até a morte. “Se não despertar as pessoas para isso, o problema vai continuar existindo. Essa é uma doença própria nossa, é importante conhecê-la e estudá-la bem. Eu me preocupei com o melhor conhecimento dessa forma, com o melhor detalhamento, a fim de facilitar a identificação”, discorre Manoel Otávio, que lembra do pouco conhecimento dos fatores determinantes da doença naquela época.

Suas análises referem-se às manifestações gastrointestinais, pulmonares, dermatológicas e ao modo como a esquistossomose aguda se apresenta com maior ou menor intensidade. “O eosinófilo sofre uma degranulação de pigmento tóxico que mata o parasita, mas causa doença. Então estudei a proteína básica principal, além do anticorpo da resposta imune; a IGE, que é um anticorpo ligado à alergia; reações de hipersensibilidade e a carga parasitária”, enumera.

Hanseníase

De acordo com Manoel Otávio, o Brasil é o segundo maior país de incidência da hanseníase no mundo. “Eu disse que doenças negligenciadas são determinantes de pobreza e determinada por fatores ligados a ela. Quando se pega um mapa de Minas Gerais ou do Brasil, verifica-se superposição da prevalência da hanseníase e da distribuição de pobreza e baixos índices de IDH”, informa.

É possível desenvolver análises na área básica com o mesmo nível que as melhores pesquisas existentes. E é possível levar esses estudos para a sistema de saúde e a área endêmica no sentido de adequado manejo clínico e controle da doença

O professor diz que, quando se alia o desafio intelectual e científico à relevância da aplicabilidade, melhor é o trabalho. “Havia poucas pesquisas sobre hanseníase em nosso meio. Ajudamos a transformar esta situação. Como a UFMG é uma universidade com peso e recursos, é possível desenvolver análises na área básica com o mesmo nível que as melhores pesquisas existentes. E é possível levar esses estudos para o sistema de saúde e a área endêmica no sentido de adequado manejo clínico e controle da doença”, conta.

Mais importante do que todas essas várias publicações, é a formação de massa crítica e ter criado uma linha de pesquisa que, com a participação da área básica, tende a evoluir

Finalizando, o professor almeja que o conhecimento produzido tenha aplicação em áreas endêmicas dessas doenças, como a cidade de Araçuaí-MG, onde também atuam alunos e professores do Internato em Saúde Coletiva do curso de Medicina da UFMG. Lá ele verificou que, apesar da execução de ações de combate ao transmissor, foi possível encontrar barbeiros nas comunidades, o que indica a necessidade da continuidade dessas ações. “Formamos muita gente e criamos um ambiente de pesquisa sobre o assunto. Mais importante do que todas essas várias publicações, é a formação de massa crítica e ter criado uma linha de pesquisa que, com a participação da área básica, tende a evoluir”, destaca.

Lembrando Anísio Teixeira e Paulo Freire, ele defende a universidade como instituição produtora de conhecimento e acredita que a atividade de professor e pesquisador seja simbiótica. “Permanentemente, o professor deve estar indagando, questionando e investigando. Isso faz parte de seu ofício. Se ele é só um transmissor de informações, se não é crítico e dinâmico, não exerce bem o seu papel. Mas eu não nasci pensando assim. Muitas pessoas contribuíram para que amadurecesse esse pensamento”, conclui.

Redação: Deborah Castro

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