Marcus Vinicius Gomez

A pesquisa exige uma luta contínua e as pessoas vivem me dizendo que preciso parar. A verdade é que sinto que não estou trabalhando, mas me divertindo

Aos 81 anos e aposentado há mais de 10, o professor Marcus Vinicius Gomez, pesquisador convidado da Faculdade de Medicina da UFMG, continua contribuindo com as pesquisas científicas.  A questão é que ele não considera sua atuação em pesquisa como trabalho, mas como um divertimento. “A pesquisa exige uma luta contínua e as pessoas vivem me dizendo que preciso parar. A verdade é que sinto que não estou trabalhando, mas me divertindo”, conta.

Formado em Medicina Veterinária, com doutorado em Bioquímica pela UFMG e pós-doutorado em Farmacologia na Universidade de Michigan, Marcus Vinicius Gomez acumula mais de 240 artigos completos publicados em periódicos e cinco patentes, além de títulos, homenagens e prêmios em instituições nacionais e internacionais de ensino e pesquisa. “Eu sou feliz fazendo o que gosto. Tenho dó de quem trabalha e fica olhando no relógio a hora de ir embora”.

Toxinas e animais peçonhentos

Marcus Vinicius conta que foi o último discípulo do professor Baeta Vianna, catedrático de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina da UFMG e pioneiro das pesquisas de bioquímica no país. Na época que iniciou sua pesquisa, em 1962, no Departamento de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina da UFMG, pesquisava sobre o caramujo Australorbis glabratus, transmissor da esquistossomose.

“Em 1994, seguindo a mesma linha dos trabalhos com toxinas de animais peçonhentos, começamos a investigar as toxinas da aranha armadeira, Phoneutria nigriventer, sobre a qual surgiram várias patentes”

Com a aposentadoria do Baeta Viana, o professor Carlos Ribeiro Diniz assumiu a chefia e mudou o foco das pesquisas para animais peçonhentos, especificamente sobre o escorpião amarelo, Tityus serrulatus. “Purificamos a toxina deste escorpião e a denominamos de tityustoxina, em homenagem ao nome do escorpião. Com essa toxina, produzimos vários trabalhos, mostrando o seu mecanismo de ação. Exploramos a ações farmacológicas e bioquímicas da tityustonina durante mais de duas décadas de pesquisa”, conta Marcus Vinicius.

Das principais descobertas, o professor aponta que, como esta toxina atua ativando os canais de sódio, provocava despolarização celular, liberando neurotransmissores como a acetilcolina, que tem importante papel no sistema nervoso central. “Em 1994, seguindo a mesma linha dos trabalhos com toxinas de animais peçonhentos, começamos a investigar as toxinas da aranha armadeira, Phoneutria nigriventer, sobre a qual surgiram várias patentes”.

Do veneno a cura

A aranha armadeira tornou-se, então, um dos principais objetos de pesquisa do professor. “Até hoje estamos trabalhando com ela, sendo que já foram produzidos dezenas de trabalhos com o assunto”, enfatiza Marcus Vinícius.

“Até hoje trabalhamos com a toxina da armadeira. Já foram produzidos dezenas de trabalhos com o assunto”

De acordo com o professor, todas as toxinas originadas deste animal, nomeadas com “Ph” devido ao nome da aranha, têm ações bioquímicas interessantes. “Recentemente descobrimos que a toxina PhTx3-1, patenteada com o nome de PhKv, tem a capacidade de inibir a acetilcolinesterase, aumentando a  acetilcolina e ativando os receptores muscarinicos e nicotínicos” informa Gomez. Dessa forma, ela pode ter potencial de aplicação fisiológica em doenças, já que as drogas inibidoras da colinesterase são usadas para doença de Alzheimer.

O destaque entre as toxinas de Phoneutria nigriventer, porém, é a Phα1β, que tem ação analgésica, inibindo a dor e com potencial para ser usada como um analgésico no futuro. “Patenteada no Brasil e nos Estados Unidos pela nossa equipe, a toxina tem capacidade de atuar em diversos tipos de dor, tais como as dores inflamatórias, neurogênica, pós-operatória, neuropática, da fibromialgia, artrite, induzida por quimioterápico e a do câncer”, aponta Gomez.

“A toxina Phα1β tem capacidade de atuar em diversos tipos de dor, tais como as dores inflamatórias, neurogênica, pós-operatória, neuropática, da fibromialgia, artrite, induzida por quimioterápico e a do câncer, com efeitos adversos irrelevantes ”

Em comparação com a toxina de efeito analgésico usada nos Estados Unidos, ω-conotoxin MVIIA, proveniente do caramujo australiano, que originou o produto comercial analgésico Prialt® já usado em diversos países, a Phα1β foi considerada melhor em diferentes aspectos. De acordo com Gomez, a Prialt apresenta muitos efeitos adversos, porque atua próxima a uma dose tóxica. Ao contrário, a brasileira tem efeito analgésico muito afastado da dose tóxica, apresentando efeitos adversos irrelevantes. “Desse modo, diversas pesquisas enfatizam que  a Prialt® tem o uso clinico  inviabilizado por causa dos seus efeitos”, comenta.

Analgésico de ouro

Especificamente sobre a dor do câncer, Marcus Vinicius conta que foi possível mostrar que a Phα1β  também é superior à morfina, considerada um “analgésico grau ouro”, nas palavras do pesquisador. “O primeiro ponto é que a nossa não desenvolve menos efeitos adversos, sendo que a morfina apresenta muitos, sendo o mais importante a indução da tolerância”, explica. “Em experiências, em ratos com dor do câncer, induzida pela implantação de um melanoma em suas patas, verificou que a ação analgésica da Phα1β era mais duradoura do que a da morfina. Ela durava cerca de seis horas  enquanto da morfina por somente uma hora”, continua.

“Com a toxina Phα1β revertendo a tolerância à morfina em alguns organismos, é possível usar a substância em quantidades menores, tendo duração maior, potencializando seu efeito”

Além disso, a Phα1β foi capaz de induzir analgesia mesmo nos animais tolerantes à morfina, chegando, inclusive, a reverter o efeito da tolerância da morfina. “Com a toxina revertendo a tolerância, é possível usar a morfina em quantidades menores, tendo duração maior, potencializando seu efeito”, ressalta.

Mas, como os testes de analgesia com os animais com a toxina Phα1β eram feitos com aplicação por injeção intratecal, ou seja diretamente no sistema nervoso central, o próximo passo seria testá-la injetada diretamente por outra via mais fácil de ser usada por pacientes com dor, como a via intravenosa. Os experimentos com a injeção endovenosa tiveram resultados positivos, já que continuava apresentando efeito analgésico, sem alterações cardíacas. Esse foi mais um diferencial da Phα1β, pois a Prialt® não obteve seus resultados propostos quando injetada por essa via, além de aumentar a circulação e a pressão arterial.

Continuidade e viabilização

Marcus Vinicius lembra que para os testes, era necessário ter uma produção muito grande da toxina, o que não seria possível mesmo com um criatório das aranhas armadeiras. Por isso, obteve-se a forma recombinante da Phα1β,  que repete os efeitos da  molécula da nativa, mas é sintetizada em laboratório.

Como o primeiro trabalho publicado da Phα1β  foi em 2008 e, de acordo com Marcus Vinicius, os testes clínicos com drogas levam em torno de 15 anos,  o pesquisador considera que estão no caminho certo. “Tudo o que é possível fazer com esta toxina estamos fazendo. Para os meus próximos anos de divertimento, espero que seja mesmo concretizado o interesse por algum grupo que saiba e consiga lançar a toxina no mercado para servir a população. A parte que me competia, eu já fiz”, pontua.

Redação: Deborah Castro
Edição: Mariana Pires
Fotos: Carol Morena

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