Stela Maris Aguiar Lemos

Com a pesquisa me tornei uma pessoa menos rígida em alguns pontos para entender, por exemplo, que o conhecimento muda, tem diferentes facetas e a verdade hoje talvez não seja daqui alguns dias

Stela Maris Aguiar Lemos mostra que, em pouco tempo de atuação, já tem muito a contribuir para a área de Fonoaudiologia. A professora da Faculdade de Medicina é especialista em audiologia e ativação de processos de mudança, atua como membro de corpos editoriais, como da Audiology – Communication Research, além de ser revisora de periódicos da especialidade. A bagagem de experiências e pesquisas na área rendeu à especialista o prêmio Destaque pela Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia e a indicação para outra premiação a ser realizada neste mês.

Sempre tentei ser generalista, mas buscando levar minhas pesquisas para a saúde coletiva

Sempre tentei ser generalista, mas buscando levar minhas pesquisas para a saúde coletiva”, pontua Stela Maris. Formada na Izabela Hendrix, com mestrado e doutorado pela Universidade Federal de São Paulo, a professora atua principalmente na área da Saúde Coletiva, incluindo temas como desenvolvimento auditivo, qualidade de vida, funcionalidade e saúde, autopercepção de saúde e redes de atenção. Em 14 anos de trabalhos na Faculdade de Medicina, orientou mais de 30 dissertações.

A inspiração para suas contribuições na área vem de uma paixão que iniciou quando estudante de pós-graduação, em São Paulo. “Na universidade pública se respirava pesquisa, então me aprofundei, mas sem me esquecer do ensino. Quando nós pesquisamos, o ensino evolui. Com a pesquisa me tornei uma pessoa menos rígida em alguns pontos para entender, por exemplo, que o conhecimento muda, tem diferentes facetas e a verdade hoje talvez não seja daqui alguns dias”, declara.

Na Faculdade de Medicina da UFMG, a professora também acompanhou mudanças e o crescimento do ensino na área de Fonoaudiologia. Em 2004, por exemplo, quando iniciou a sua carreira na Instituição, ainda não havia um departamento próprio para a Fonoaudiologia, criado três anos depois e onde está lotada atualmente.

“Hoje tenho três linhas de pesquisas que se destacam. Uma sobre as redes de atenção à saúde, incluindo a abordagem de como que se organiza a saúde pública na questão da assistência e gestão, e a outra mais voltada para o estudo da qualidade de vida e o letramento funcional em saúde. Junto a isso, relaciono a linguagem e processamento auditivo”, afirma.

Redes de Atenção à Saúde

Parte das principais pesquisas de Stela Maris teve foco nas Redes de Atenção à Saúde (RAS), formas de organização que articulam os serviços e ações do Sistema Único de Saúde e que, incorporados, buscam garantir a integralidade do cuidado.

Para desenvolver os estudos, ela contou com fomento em dois editais do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS). No primeiro momento, investigou a Rede de Atenção à Saúde Auditiva de duas microrregiões de Minas Gerais. “Contávamos com o envolvimento de uma equipe grande, com trabalhadores das secretarias Municipal e Estadual de Saúde e da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais”, lembra. A análise permitiu delinear o perfil dos profissionais pertencentes à Rede. Com isso, foi possível perceber que eles, em sua maioria, eram fonoaudiólogos, do gênero feminino, contratados e pós-graduados.

O estudo também mostrou que os profissionais apresentam insatisfações com as políticas de recursos humanos, salarial e equipamentos para diagnóstico, por exemplo. Porém, em todas as equipes havia satisfação com a maior parte dos aspectos do serviço no qual os profissionais estavam inseridos e com a forma como a equipe se comunicava.

Além disso, na análise da correlação entre a satisfação desse profissionais com o perfil sociodemográfico, processo de trabalho e atuação no serviço de saúde, evidenciou-se  que os profissionais com pós-graduação estavam mais satisfeitos com política de recursos humanos e atividades desenvolvidas e os concursados com política salarial e agenda.

“Depois ampliarmos a pesquisa para toda Minas Gerais, mas sobre a Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência, buscando entender o que o usuário, o gestor e o profissional de saúde pensavam da RAS. Conseguimos uma triangulação de dados muito interessante, dando resultados a alguns mestrados”, continua.

As regiões do norte são as mais vulneráveis e as com menos serviços. Ou seja, essa desigualdade social se repete na oferta dos serviços da Rede

Para a professora Stela Maris, o primeiro resultado de destaque foi o fato de a maioria dos serviços ficar ao sul do estado de Minas Gerais. “As regiões do norte são as mais vulneráveis e as com menos serviços. Ou seja, essa desigualdade social se repete na oferta dos serviços da Rede. Essa divisão foi o que mais chamou a atenção”, comenta.

Rede de cuidado

Atualmente, Stela orienta uma pesquisa sobre a Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência com um instrumento que avalia a qualidade do cuidado que o usuário recebe. “Novamente percebemos que o cuidado não é homogêneo, já que há diferenças nas questões respondidas, de acordo com a faixa etária dos usuários e em relação à distribuição dos serviços”, diz.

Para esse estudo, os usuários apontaram, através de questionário aplicado em todas as regiões do estado, como foi o cuidado e como sentiu esse cuidado. De acordo com a professora, a percepção de cada um foi diferente: tiveram aqueles que não se sentiram suficientemente orientados e os que relataram receber cuidados muito adequados.  

É importante fazermos pesquisas de uma maneira engajada socialmente e não ficar só na academia, mas poder dar oportunidade às pessoas de pesquisar aqui dentro e fora, podendo gerar resultados sociais que fazem diferença

“É sempre importante devolver para a sociedade o que pesquisamos. Um dos jeitos é publicando os resultados. Agora também teremos um seminário na Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais para apresentar as descobertas aos profissionais e gestores da área”, relata Stela. Ela lembra e coloca como ponto interessante a participação de pessoas desses serviços, como os gestores, na realização dos mestrados ou doutorados. “Isso é muito interessante, porque é importante fazermos pesquisas de uma maneira engajada socialmente e não ficar só na academia, mas poder dar oportunidade às pessoas de pesquisar aqui dentro e fora, podendo gerar resultados sociais que fazem diferença”, completa.

Letramento em saúde e qualidade de vida

Stela Maris relata que sempre procura associar questões da qualidade de vida em suas pesquisas, com destaque para seus estudos sobre letramento em saúde, a apropriação da informação de saúde e as ações tomadas a partir delas. Para a professora, este tema é novo e importante, já que tem oito anos que chegou ao Brasil e são escassos os estudos fonoaudiológicos que abrangem a avaliação do letramento.

Ela explica que o letramento diz respeito a como a pessoa, sem ser profissional da área, recebe a informação, o que faz e como usa essa informação para tomar decisões sobre sua saúde. Entre os exemplos, Lemos cita a decisão de ir a uma consulta médica ou a de tomar ou não a medicação prescrita. “Percebemos que o letramento funcional em saúde tem a ver com qualidade de vida, é melhor nas mulheres e em pessoas com maior escolaridade”, comenta.

Percebemos que o letramento funcional em saúde tem a ver com qualidade de vida, é melhor nas mulheres e em pessoas com maior escolaridade

Entre as descobertas, está a de que o letramento funcional em saúde é melhor em adolescentes com melhor percepção do convívio social, menos dificuldades escolares e o fato de não praticar religião. Outra descoberta foi a correlação entre o letramento e a qualidade de vida dos usuários de serviços de saúde, conforme pesquisa feita em um município da região metropolitana de Belo Horizonte. “As pessoas que se referem com melhor letramento em saúde percebem-se como melhor qualidade de vida”, enfatiza.

Resultados

Em resumo, Stela evidenciou, em diferentes avaliações, que indivíduos com menor escolaridade têm mais chance de ter letramento em saúde inadequado. Além disso, o letramento é associado à classe econômica e à autopercepção, que tem relação com a qualidade de vida e o grau de escolaridade.

Nas análises com crianças, Stela tem resultados similares, mostrando a importância do estudo do letramento funcional em saúde também no ciclo de vida da adolescência. “Percebemos que as crianças e adolescentes que têm evoluído melhor, com melhor desempenho nas escolas, relatam melhor qualidade de vida. Esse é um marcador importante”, relata.

As crianças e adolescentes que têm evoluído melhor, com melhor desempenho nas escolas, relatam melhor qualidade de vida

Durante seu pós-doutorado, a professora aplicou questionários aos adolescentes de 19 escolas públicas de Belo Horizonte para avaliar a qualidade de vida dos estudantes de Ensino Médio. Foram investigadas a autopercepção de saúde e o contexto de violência. “Estudantes do sexo feminino tinham melhor letramento quando comparados aos do sexo masculino, mas se autoperceberam com pior saúde, talvez por exigirem mais de si”, informa.

Perspectiva

“Meu sonho ainda é juntar a qualidade de vida com letramento em saúde e felicidade. Isso tem aparecido no mundo recentemente. Precisamos entender o que é ser feliz e como isso promove a qualidade de vida. Mas preciso aprimorar até começar a me aprofundar nessa área”, afirma Stela. “Ser pesquisador é encantador, porque pegamos perguntas complexas e começamos a traçar caminhos para respondê-las. Trazer algo novo faz com que sejamos mais criativos, além de ser um exercício para descobrir novos caminhos e percursos”, completa.

Quando se insere em um serviço de saúde, é preciso pesquisar para conhecer seu território e atuar melhor

Para ela, é preciso lembrar que todos podem trabalhar com pesquisa e não só professores universitários. “Mas o pesquisador não pode ser um sujeito acomodado. Ele tem que ser sempre um pouco rebelde”, defende. “Quando se insere em um serviço de saúde, é preciso pesquisar para conhecer seu território e atuar melhor. Então a primeira coisa a ficar claro para essa geração futura de profissionais, mesmo sem a pretensão de trabalhar como pesquisador, é que se precisa entender a pesquisa e produzir conhecimento no espaço de trabalho”.

Redação: Deborah Castro
Fotos: Carol Morena

Página Inicial

Voltar